Leia aqui tudo sobre o Campeonato do Mundo feminino de 2023

É muito raro Francisco Neto perder o sorriso fora de campo. É ainda mais raro encontrar uma pergunta que deixe o selecionador nacional sem resposta. Mais uma vez, na antecâmara de outro encontro que podia ficar na história de Portugal, foi isso que aconteceu. “Costuma dizer-se que não se deve voltar a um sítio onde se foi feliz”, ouviu a propósito do regresso a Hamilton onde Portugal tinha ganho aos Camarões no encontro histórico que valeu a presença no Mundial. “Também se costuma dizer que não há duas sem três”, atirou o selecionador, visivelmente confiante naquilo que a equipa podia fazer após a derrota com os Países Baixos num arranque de competição com duas faces que deixou uma imagem melhor nos 20 minutos finais.

Podiam ter sido mais: Portugal vence Vietname por 2-0 e conquista a primeira vitória de sempre num Mundial

“Frente ao Vietname vamos tentar fazer aquilo que nem sempre conseguimos frente aos Países Baixos: vamos procurar ter a bola, encontrar a jogadora livre, ver mais espaços e colocar mais gente no último terço, para conseguirmos criar boas oportunidades de finalização. O Vietname tem um jogo diferente dos Países Baixos, retira muito o espaço às adversárias. Os EUA tiveram dificuldades. As vietnamitas tentam defender bem e sair, com rapidez, em contra-ataque. Teremos de ser sempre uma equipa muito concentrada e equilibrada. Queremos muito dar uma alegria aos portugueses, que nos têm apoiado muito. Vamos tentar tudo para conseguir uma vitória”, prometera Francisco Neto no lançamento de um jogo que podia ser histórico.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

As diferenças entre Portugal e Vietname existiam e não se resumiam ao ranking mas o 3-0 dos EUA era um bom exemplo de como até a campeã mundial pode ser dificuldades com este tipo de equipas que se fecham muito atrás. Mais: a Seleção tinha quase contas para acertar consigo mesmo depois de uma primeira parte onde a ansiedade da estreia como que tirou à equipa a sua identidade de jogar de forma positiva, para a frente e com alegria. Foi isso que aconteceu sobretudo na primeira meia hora de jogo, com Portugal a fazer por merecer mais um capítulo histórico no livro de crescimento da última década no futebol feminino. Entre as sete alterações no onze inicial, que contou apenas com as “repetentes” Ana Borges, Carole Costa, Tatiana Pinto e Jéssica Pinto, Patrícia Morais, Lúcia Alves, Ana Seiça, Joana Marchão, Andreia Jacinto, Kika Nazareth e Telma Encarnação deram uma boa resposta mas foi na atitude que a Seleção marcou a diferença.

Telma Encarnação, com um golo, uma assistência e várias finalizações com perigo quase sempre de primeira na área, foi um dos principais destaques a par da inevitável Jéssica Silva e de Lúcia Alves, a conseguir fazer a diferença quando dava a profundidade pela direita. Andreia Jacinto, apesar de alguns passes errados, esteve bem também no meio-campo a par da linha de três irrepreensível atrás. Ainda assim, Kika Nazareth voltou a ser também um fator desequilibrador pelos terrenos que pisava e os movimentos que fazia que lhe permitiam ganhar vantagem e davam outra fluidez na frente a Portugal. A par disso, a jogadora de 20 anos tornou-se também a mais nova a marcar em Campeonatos do Mundo masculinos e femininos pela Seleção, dando oportunidade para se ouvir nos altifalantes em Hamilton o “Melhor de mim” de Marisa.

É preciso perder para depois se ganhar
E mesmo sem ver, acreditar
É a vida que segue e não espera pela gente
Cada passo que demos em frente
Caminhando sem medo de errar
Creio que a noite sempre se tornará dia
E o brilho que o sol irradia
Há-de sempre me iluminar

O encontro até começou com duas imagens erradas em relação ao que se iria passar em campo. Por um lado, cedo se percebeu que Portugal iria experimentar de novo um sistema tático que pudesse potenciar de forma equilibrada mais jogadoras do meio-campo para a frente, com um 3x4x1x2 que soltava as laterais (muitas vezes alas) e tirava referências às centrais contrárias com a colocação de Kika Nazareth atrás de Jéssica Silva e Telma Encarnação. Por outro, foi o Vietname a chegar primeiro à área da Seleção, primeiro na sequência de um livre e depois de um canto antes de um esboço de remate que Thi Bich Thuy Nguyen fez que não chegou sequer a contar para a estatística mas saiu pela linha de fundo. Não mais as asiáticas se aproximaram sequer da baliza de Patrícia Morais até aos 43′, não mais o sistema tático voltou a ser questão.

Em apenas quatro minutos, Portugal criou três oportunidades soberanas de golo com uma facilidade enorme em ganhar vantagem no último terço pela mobilidade e velocidade de movimentos. Primeiro foi Jéssica Silva, numa grande combinação com Andreia Jacinto após recuperação em zona adiantada que deixou a jogadora do Benfica isolada na área para o remate por cima (4′). De seguida foi Kika Nazareth, a receber de Jéssica Silva na área para rodar, ganhar a frente e rematar de trivela perto da trave (5′). Logo a seguir, um momento histórico para o futebol nacional: combinação pelo corredor direito entre Jéssica e Lúcia Alves, cruzamento tenso para o coração da área e desvio de primeira de Telma Encarnação, a fuzilar para o 1-0 e a escrever o seu nome na história como a primeira marcadora de um golo num Campeonato do Mundo (7′).

Portugal demorava apenas sete minutos para conseguir chegar à vantagem mas foi o que se passou a partir daí que fez também diferença no que seria o resto da primeira parte: jogar com o conforto de uma vantagem como se o nulo continuasse. Foi assim que Lúcia Alves, após assistência de Kika Nazareth, apareceu na cara de Thi Kim Thanh Tran mas não conseguiu evitar a defesa da guarda-redes vietnamita (13′). Por assim que, após mais uma combinação pela direita, Kika Nazareth assistiu Tatiana Pinto para um desvio ao primeiro poste que ainda bateu no poste mas foi anulado por fora de jogo (15′). Foi assim que Kika Nazareth marcou mesmo o 2-0, recebendo uma assistência de Telma Encarnação pelo corredor central para rematar cruzado na área (21′). Apesar de mais uma grande oportunidade travada por Tran em duas ocasiões que evitou o bis de Telma Encarnação (27′), só mesmo na ponta final a dinâmica ofensiva nacional abrandou.

O intervalo acabou por ser bom conselheiro para Portugal, que no segundo tempo foi criando um desfile de oportunidades falhadas que poderiam ter colocado o resultado facilmente numa goleada. Tudo começou com mais um desvio de primeira de Telma Encarnação na área após grande trabalho de Jéssica Silva na esquerda que saiu muito perto da trave (55′), teve depois uma tentativa de meia distância de Joana Marchão que não passou longe (60′), seguiu com um remate cruzado de Andreia Jacinto após um lance trabalhado num canto que bateu ainda nas malhas laterais (64′). O golo parecia inevitável mas num minuto voltou a ficar adiado por três vezes: Jéssica Silva, que pareceu ter sido derrubada para penálti, teve o primeiro tiro cruzado ao lado, Joana Marchão acertou no poste e Kika Nazareht, na recarga, também não bateu Tran (67′).

A história do encontro estava fechada, com Francisco Neto a aproveitar para promover algumas alterações na equipa que permitiram “poupar” Jéssica Silva, Kika Nazareth e Telma Encarnação para dar minutos a Ana Capeta, Andreia Norton (que voltará a ser titular com os EUA) e Carolina Mendes. Joana Marchão ainda iria voltar a acertar na barra na sequência de um livre lateral em que o cruzamento saiu muito chegado à baliza mas as atenções já se centravam no próximo encontro, por sinal o mais complicado e desafiante que esta Seleção teve até ao momento. Apesar do enganador empate com os Países Baixos, os EUA, campeãs em título, são a equipa que joga com mais intensidade, velocidade e qualidade neste Mundial e Portugal terá de ganhar para chegar aos oitavos. Ou seja, e mais uma vez, “tentar fazer do impossível, possível”.