Continuam a pingar jogadores nos principais clubes da Arábia Saudita. O Al-Ahli reforçou-se com Gabri Veiga, jogador espanhol de 21 anos. A transferência do internacional jovem espanhol do Celta de Vigo para a Liga Saudita veio romper com um padrão. Até aqui, a Arábia Saudita tinha recrutado apenas jogadores com provas dadas. A saída de Gabri Veiga da La Liga constitui a primeira aquisição de uma promessa. Toni Kroos, jogador do Real Madrid, deixou o seu parecer nas redes sociais: “Embaraçoso”.

Durante o Campeonato do Mundo do Qatar, em 2022, a Arábia Saudita surpreendeu ao ganhar à Argentina na fase de grupos. O país teve direito a um dia de feriado para comemorar a vitória. Era evidente que o futebol se tinha tornado num assunto de Estado para o país. Foi então que, no decorrer da mesma competição surgiram os primeiros rumores sobre a possibilidade de Cristiano Ronaldo rumar ao Al Nassr e dar início a um fluxo migratório de futebolistas sem precedentes. Ninguém acreditava. Aconteceu.

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O interesse da Arábia Saudita no futebol não nasceu aí. A compra dos Newcastle em outubro de 2021 por 353 milhões de euros foi o primeiro passo do alastrar de influência saudita no meio. O desporto é um dos pilares fundamentais da Visão 2030 do país, um plano económico que tem como objetivo diminuir a dependência do petróleo e dinamizar outras áreas da economia. Apesar de integrar uma visão política autocrática, a ideia é transmitir uma ideia de abertura delineada pelo seu estratega: Mohammed bin Salman.

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Mohammed bin Salman é o príncipe herdeiro da Arábia Saudita e é também o presidente do Fundo de Investimento Público que adquiriu os quatro principais clubes do país, o Al Ittihad, o Al Nassr, o Al Hilal e Al Ahli (este último promovido recentemente ao principal escalão mas com um vasto historial, tendo inclusivamente sido campeão). Portanto, na prática, bin Salman é o “patrão” de todos os futebolistas dessas equipas por liderar o maior proprietário de todos com cerca de 80% do capital social.

Com o estado de saúde do rei Salman bin Abdulaziz (87 anos) a tornar-se cada vez mais crítico, Mohammed bin Salman tem sido o principal rosto do país e reforçou esse estatuto ao tornar-se primeiro-ministro no ano passado, deixando a pasta da Defesa. O caminho até ao topo não foi feito sem “pisar” ninguém. O príncipe herdeiro calcou rivais políticos e de negócios para conseguir promover a abertura ao exterior ao mesmo tempo que desenvolvia novas formas para dinamizar a economia com recurso ao desporto, ao turismo e à cultura.

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Numa demonstração de autoridade, em 2017, bin Salman terá iniciado uma purga que durou 15 meses onde deteve centenas de membros da família real e de empresários que podiam constituir uma afronta ao poder no hotel Ritz-Carlton, em Riade. Os prisioneiros foram sujeitos a agressões e torturas e foram pedidas elevadas quantias de dinheiro para a sua libertação.

Mohammed bin Salman fez promessas de um país mais aberto e livre. Progressivamente, levantaram-se regras que proibiam as mulheres de conduzir ou de aceder a recintos desportivos, limitavam a liberdade religiosa ou que travavam o turismo e o acesso de cidadãos estrangeiros. Com o objetivo de passar essa imagem, o reino tem levado a cabo campanhas de comunicação, como foi possível assistir no vídeo de apresentação de Otávio quando foi apresentado como jogador do Al Nassr, onde se ouvia uma criança a dizer “a Arábia Saudita é um grande país com uma grande visão. Todos os que foram para lá estão felizes”.

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Apesar das promessa, ativistas e opositores do regime continuam a ser perseguidos. A Arábia Saudita mantém a pena de morte e, segundo o The Guardian, as execuções praticamente duplicaram com o país debaixo da influência de bin Salman. Entre 2015 e 2022 foram mortas 129 pessoas em média por ano, o que representa um crescimentos de 82% face ao período entre 2010 e 2014. No ano de 2022 foram mortas 147 pessoas. A organização não-governamental Human Rights Watch destaca o problemas. “A Arábia Saudita gasta milhares de milhões de dólares na organização de grandes eventos de entretenimento, culturais e desportivos para se desviar do fraco registo de direitos humanos do país”.

As ações de Mohammed bin Salman tiveram em particular destaque no final de 2018 quando o jornalista Jamal Khashoggi foi assassinado por 15 agentes sauditas em Istambul. Segundo a CIA, o homicídio foi ordenado pelo príncipe herdeiro.

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A Arábia Saudita tem intensificado a atividade junto da fronteira com o Iémen, onde o país tem matado centenas de migrantes etíopes entre março de 2022 e junho de 2023 com recurso a engenhos explosivos e tiros à queima-roupa. De acordo com a informação da Human Rights Watch, entre as vítimas incluem-se mulheres e crianças. Segundo o The Washigton Post, a Arábia Saudita levou a cabo ataques aéreos no Iémen que têm como alvo casas, hospitais e torres de comunicações.

Mohammed bin Salman tem mantido relações próximas com vários países. Em 2022, recebeu o chanceler alemão, Olaf Scholz, e o presidente dos EUA, Joe Biden. Este mês, visitou o presidente francês, Emmanuel Macron, em Paris, e foi convidado pelo primeiro-ministro, Rishi Sunak, para visitar o Reino Unido.

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O governante saudita tem um avião particular avaliado em 500 milhões de euros – no qual aterrou Neymar quando rumou ao Al Hilal – e um iate. Possui também um quadro de Leonardo Da Vinci que comprou por 415 milhões. Em 2015, comprou o Castelo Luís XIV, a propriedade mais cara do mundo, por 275 milhões.