A história da Vuelta foi em tudo idêntico à da Cinderela. Alguém que estava destinado a ser desprezado como a Gata Borralheira, acabou por ser o rei da festa. Sepp Kuss vestiu a tão pretendida camisola vermelha, que lhe assentou na perfeição como o sapato no pé da princesa na história encantada, e não a voltou a tirar. Terminada que está a última etapa de interesse para a classificação geral, o ciclista norte-americano vai fazer o resto do caminho até Madrid com uma mão no guiador e outro no copo de champanhe.

Nas fotografias que vai registar este domingo juntos dos colegas da Jumbo-Visma, vai ter ao lado Jonas Vingegaard e Primoz Roglic, aqueles aos quais se devia ter subjugado na condição de gregário. Sem arrogância na maneira como se colocou na liderança da classificação geral, Kuss sobreviveu à montanha e às investidas dos líderes da equipa neerlandesa e, com prestações de luxo, foi praticamente obrigado a ganhar a Vuelta.

Só é possível falar desta maneira da classificação final, porque a etapa 20 esgotou o sofrimento do pelotão. A chegada a Madrid fica para os sprinters. Os trepadores foram testados pela última vez num elevador. Era essa a melhor forma de descrever o perfil sobe e desce dos mais de 200 quilómetros (a etapa mais longa da Vuelta) entre Manzanares El Real e  Guadarrama, um percurso  marcado por dez contagens de montanha.

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Como praticamente em todas as etapas desde que ficou afastado da luta pela geral, Remco Evenepoel voltou a atacar a vitória entrando na fuga. Consigo levou mais três corredores da Soudal Quick-Step, Cattaneo, Knox e Vervaeke. Num grupo com 31 corredores, esteve também presente o português Rui Costa (Intermarché-Circus-Wanty) em busca de conseguir nova vitória. A UAE Team Emirates colocava dois homens no grupo da frente. Um dele foi Marc Soler que, até há pouco tempo, lutava por um lugar no top 10 e o outro era Finn Fisher-Black que tentou desafiar Vingegaard no Tourmalet. Nomes como Lenny Martinez (Groupama-FDJ), que chegou a usar a camisola vermelha no início da Vuelta, Geraint Thomas (Ineos Grenadiers), Romain Bardet (DSM-Firmenich) e Lennard Kamna (Bora-Hansgrohe) estiveram também presentes.

A cerca de 60 quilómetros do fim, com a fuga a 6.20 do pelotão, os ataque começaram no grupo da frente. Zwiehoff (Bora-Hansgrohe) foi o primeiro a agitar. Seguiram-se réplicas de magnitude semelhante por parte de Pelayo Sánchez (Burgos-BH) e Iván García Cortina (Movistar). A presença massiva da Soudal Quick-Step permitia controlar a situação de corrida e anular todas as ofensivas. Por isso, quem quisesse vencer sabia que, mais tarde ou mais cedo, ia ter que lidar com Remco Evenepoel.

Percebendo que enquanto a Soudal Quick-Step estivesse no comando das operações ninguém ia conseguir surpreender, a fuga começou a diminuir em termos de elementos. Aliás, o trabalho da equipa liderada pelo campeão do mundo de contrarrelógio fazia crescer a diferença face ao pelotão para mais de dez minutos.

Numa zona de maior inclinação da última subida do dia Wout Poels (Bahrain-Victorious) e Lennert Van Eetvelt (Lotto Dstny) destacaram-se e conseguiram o primeiro objetivo: deixar Remco Evenepoel sem colegas de equipa em seu redor. Também nessa fase, a 15 quilómetros da meta, Rui Costa cedeu. Para disputar a vitória, sobraram apenas cinco corredores, Remco Evenepoel, Wout Poels, Lennert Van Eetvelt, Marc Soler e Pelayo Sánchez. Chegados os metros finais, Wout Poels lançou o sprint bastante longe da meta, apanhando a surpresa a concorrência. Remco Evenepoel tentou ultrapassar o neerlandês, mas não conseguiu, permitindo que o ciclista da Bahrain-Victorious conseguisse a primeira vitória nesta edição da Vuelta.

Na mesma subida onde a fuga tinha ficado reduzida, também o pelotão perdeu grande parte dos seus membros, sobrando apenas os principais nomes da geral. Até ao final, João Almeida passou muito tempo na frente daquele grupo, chegando tranquilamente em conjunto com os rivais. O português manteve com o pelotão e manteve o nono lugar na classificação geral. Uma vez que o Giro foi conquistado por Roglic e o Tour por Vingegaard, a Jumbo-Visma consegue com Sepp Kuss vencer as três grandes voltas com três ciclistas diferentes.