O decreto-lei que cria a Agência para a Integração, Asilo e Migrações (AIMA) dá ao organismo o poder de decidir se pede ou não verificações de segurança sobre os cidadãos estrangeiros requerentes de residência, algo que está a gerar críticas de alguns inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Funcionários da agência que será extinta no dia 29 de outubro ouvidos pelo Diário de Notícias mostram-se preocupados com as consequências desta discricionaridade. “A separação de funções administrativas e policiais não pode significar a atribuição de poderes discricionários a entidades administrativas nestas matérias”, sublinhou um dos inspetores.

As dúvidas estão relacionadas com o artigo 82.º do decreto-lei n.º 41/2023 que cria a AIMA sobre a “instrução, decisão e notificação”. Este ponto refere que compete à agência “solicitar e obter de outras entidades os pareceres, informações e demais elementos necessários para o cumprimento do disposto na presente lei em matéria de concessão ou de renovação de autorização de residência”. Define que os funcionários da agência vão poder, nomeadamente, “proceder à consulta direta e imediata” das bases de dados do Sistema de Informações Schengen e “sempre que julgar necessário e justificado solicitar e obter da UCFE [Unidade de Coordenação de Fronteiras e Estrangeiros] informação com vista à verificação da inexistência de razões de segurança interna ou de ordem pública, bem como de prevenção da imigração ilegal e da criminalidade conexa”.

A lei prevê um prazo de 15 dias para a disponibilização da informação do UCFE. A ausência da prestação de informações deste serviço à AIMA durante esse prazo, refere ainda o artigo, “corresponde à inexistência de razões de segurança interna ou de ordem pública, de prevenção da imigração ilegal e da criminalidade conexa que não admitam a concessão ou renovação da autorização de residência”.

“A AIMA não é uma polícia, mas as questões que trata, em alguns casos, são de natureza policial. Por exemplo, a decisão de emitir uma residência a uma pessoa que, em tese, pode representar um perigo para a segurança pública. Ou tomar decisões relativamente à proteção de vítimas no âmbito de crimes de Tráfico de Seres Humanos (TSH). Ora, a AIMA vai analisar, tem poder discricionário e os funcionários não são polícias, não têm formação nestas áreas. Esse poder discricionário deixa, como é óbvio, muito a desejar. Devia ser clarificado a bem de todos“, sublinhou um inspetor do SEF em declarações ao DN.

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Questionado pelo jornal sobre o artigo em questão e sobre as situações abrangidas no “sempre que julgar necessário”, o gabinete da ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares sublinhou que o decreto-lei “deve ser visto como um todo”. “O artigo 82, nº2, prevê a consulta direta e imediata das bases de dados do SIS (Sistema de Informação Schengen), bem como a promoção da realização de consultas de segurança à UCFE, nos termos previstos na Lei”, acrescentou.

Já o gabinete do secretário-geral do SSI garantiu ao DN que “nenhum cidadão fica sem verificação de segurança”. Indicou que “a informação da UCFE com vista à verificação da inexistência de razões de segurança interna ou de ordem pública, bem como de prevenção da imigração ilegal e da criminalidade conexa, é emitida sempre que julgado necessário”.

Isso faz-se “com base em critérios que decorrem de uma apreciação casuística da situação do requerente, e que poderá ter origem em qualquer documentação apresentada, em especial o registo criminal, algum alerta que possa constar sobre o requerente, ou informação obtida nas bases de dados consultadas, em especial o Sistema de Informação Schengen, bem como do resultado de uma apreciação baseada em critérios gerais estabelecidos em análise de risco definidos pela UCFE que obrigarão a todos os requerentes nessas condições serem objeto de verificação adicional por razões de segurança interna ou de ordem pública”.

Sublinha que.as verificações da UCFE “respeitam a razões de segurança interna ou de ordem pública”. “Não excluem outras verificações que a AIMA deve legalmente efetuar, nomeadamente nos termos gerais do artigo 77.º, onde se incluem, entre outros, a ausência de condenação por crime que em Portugal seja punível com pena privativa de liberdade de duração superior a um ano; não se encontrar no período de interdição de entrada e de permanência em território nacional, subsequente a uma medida de afastamento; ausência de indicação no Sistema de Informação Schengen; ausência de indicação no SII UCFE para efeitos de recusa de entrada e de permanência ou de regresso”.