Faz agora 120 anos que Georges Méliès rodou Les Mousquetaires de la Reine, a primeira adaptação ao cinema de Os Três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas (o filme perdeu-se). E não podia haver pior maneira de comemorar a data do que a nova encarnação cinematográfica do livro, Os Três Mosqueteiros: D’Artagnan, de Martin Bourboulon, a primeira parte daquela que é sem dúvida uma das piores adaptações à tela daquele clássico, que já teve, entre muitas outras, versões paródicas (Os Três Mosquiteiros, de e com Max Linder, em 1922), musicais (Os Três ‘Mosquiteiros, de Allan Dwan, com Don Ameche e os Irmãos Ritz, em 1939), ou mesmo “western spaghetti” (Tutti per Uno Botte per Tutti, de Sergio Corbucci, em 1973).

Depois de ter sido desfigurado por americanos e ingleses nas deploráveis adaptações de Peter Hyams (O Mosqueteiro, 2001) e Paul W. Anderson (Os Três Mosqueteiros, 2011, que nem o recurso ao 3D salvou), é agora a vez dos próprios franceses darem cabo da bem-amada e imortal obra de aventuras históricas de Alexandre Dumas, que sofre absurdos e desnecessários tratos de polé às mãos pesadonas e incompetentes dos argumentistas Matthieu Delaporte e Alexandre de la Patellière, e do realizador Martin Bourboulon, autor de um medíocre Eiffel (2021) que misturava ficção e factos de forma indiscriminada.

[Veja o trailer de “Os Três Mosqueteiros: D’Artagnan”:]

Não contentes com a riqueza romanesca e a abundância aventurosa do livro, Delaporte e de la Patellière põem-se a inventar peripécias descabidas, baralham vários aspetos do enredo e mexem na caracterização de algumas das personagens, transformando, por exemplo, Porthos em bissexual, para picar o ponto do “wokismo”, pondo Athos a cometer blasfémias e dando a Milady de Winter (Eva Green) traços de mulher de ação de filme contemporâneo (o final da cena dela com D’Artagnan à beira do penhasco, em Inglaterra, é grotesca, como estivessem num jogo de vídeo em vez de num filme). O fiel Planchet não existe nesta versão (o que é imperdoável) e Constance de Bonacieux (Lyna Khoudri) faz quase só figura de corpo presente.

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Martin Bourboulon não faz a menor ideia de como se realiza um filme de capa e espada. Os Três Mosqueteiros: D’Artagnan é paupérrimo de desenvoltura, arrebatamento, elegância e espectacularidade. É uma coisa tosca e macambúzia, trapalhona e baça, envolta naquele negrume que se tornou num lugar-comum dos filmes de época (como se no passado, distante ou próximo, não houvesse luz nem cor), filmada pelo realizador como se estivesse a fazer uma fita de super-heróis da Marvel e não uma produção de aventuras de época. Bourboulon só sabe andar com a câmara numa correria de um lado para o outro, sem noção do que é um duelo e como se põe em imagens. Coreografia, destreza física, panache: zero. Em termos de ação, o mote de Os Três Mosqueteiros: D’Artagnan é meia bola e força. Melhor: espada na mão e força.

[Veja uma entrevista com o elenco:]

Se Vincent Cassel, Romain Duris e Pio Marmai são aceitáveis (com alguma boa vontade…) nos papéis, respetivamente, de Athos, Aramis e Porthos, o D’Artagnan de François Civil é pura e simplesmente aflitivo. O ator não tem pinga de carisma, ponta de efusividade contagiosa, nem sombra de porte heroico, e passa o filme todo com o ar de um hipster que se tornou sem-abrigo e vive ao Deus-dará. Civil está em tudo nos antípodas de outros atores que já interpretaram a personagem, franceses ou não, como Gene Kelly, Michael York, Cornel Wilde, Gabriel Byrne, Jean Marais, Jean-Paul Belmondo (este na televisão) ou Georges Marchal.

Os Três Mosqueteiros: D’Artagnan não se limita a estragar o livro de Alexandre Dumas. Deixa também a triste constatação que o cinema francês já não é capaz de fazer um filme de um género que outrora cultivou de forma exímia – a aventura de capa e espada —, já não tem argumentistas e realizadores capazes de o entender e de lhe dar continuidade e que lhe sobram muito poucos atores que o possam protagonizar com credibilidade e autenticidade. Segue-se Os Três Mosqueteiros: Milady, mas a julgar pelo que vimos em Os Três Mosqueteiros: D’Artagnan, nada de bom deverá vir daí.