Começou por ser um rumor, tornou-se mesmo notícia, ganhou outra dimensão quando aumentou o enredo, promete estar longe de terminar por aqui. O futebol italiano volta a ser palco de outro escândalo que promete chegar a vários protagonistas, desta vez ligado a apostas ilegais feitas por jogadores (algo que está proibido a todos os profissionais e que já levou a sanções pesadas por exemplo na Premier League). E se tudo começou com a situação de um jogador da Juventus, Nicolò Fagioli, o facto de ter atingido internacionais como Zanioli ou Tonali, que abandonaram inclusivamente a concentração da seleção transalpina que recebe este sábado Malta antes de uma deslocação a Inglaterra na terça-feira, veio provocar um autêntico terramoto.

Tudo teve início com o caso de Fagioli, médio da Juventus que estaria a ser investigado pelas autoridades locais por apostas feitas em plataformas ilegais no âmbito de um processo conduzido pela procuradoria de Turim que visava o jogo ilegal. De acordo com o La Stampa, o jogador poderia ser suspenso no máximo até três anos por ter infringido uma regra que proíbe que qualquer profissional “faça apostas, de forma direta ou indireta, em eventos organizados pela Federação Italiana de Futebol, pela UEFA ou pela FIFA”. Entretanto, começaram também a surgir notícias de que a Vecchia Signora estaria a par há algumas semanas do tema e que terá evitado que o jogador fosse na digressão que a equipa fez pelos EUA exatamente por esse motivo.

Mais tarde, a Federação Italiana de Futebol confirmou que Zaniolo, que está nesta altura emprestado pelo Galatasaray ao Aston Villa, e Tonali, contratado no último mercado por 70 milhões ao AC Milan pelo Newcastle, tinham sido chamados pelas autoridades no âmbito de uma investigação. “O Ministério Público de Turim notificou os atos de investigação aos jogadores Sandro Tonali e Nicolò Zaniolo, que se encontram atualmente a treinar com a seleção nacional no Centro Técnico Federal de Coverciano. Independentemente da natureza dos atos, considerando que nesta situação os dois jogadores não se encontram nas condições necessárias para enfrentar os compromissos agendados para os próximos dias, a Federação decidiu, também para sua proteção, permitir-lhes o regresso aos respetivos clubes”, explicou em comunicado.

Segundo o La Repubblica, os dois jogadores foram quase às lágrimas durante o interrogatório, sendo que no final confirmaram apenas que faziam apostas mas de poker e blackjack que não estavam relacionadas com qualquer evento desportivo. Em paralelo, Zaniolo e Tonali negaram que tenham tido algum contacto com Fagioli no âmbito deste caso, ficando ainda assim com os telemóveis e os tablets apreendidos com o agora médio do Newcastle a admitir fazer terapia para ultrapassar o vício do jogo e das apostas. Ainda na sexta-feira, Nicola Zalewski, lateral polaco da Roma de José Mourinho, foi apontado como o quarto nome identificado no processo mas o jogador não se mostrou preocupado com essa informação, abrindo até a possibilidade de fazer queixa por nunca ter sido alvo de qualquer investigação no âmbito do caso.

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Já no fim de semana, o Corriere dello Sport avançou que toda a operação acontecido através de um grupo privado no WhatsApp que funcionava como centro das apostas ilegais que iam sendo feitas tendo à cabeça pessoas “em quem os jogadores pensavam poder confiar”, indo mesmo mais longe com a identificação de “alguém que tem estado frequentemente nas manchetes nos últimos anos apesar da sua tenra idade”. As apostas eram depois feitas numa aplicação clandestina por forma a que os montantes de dinheiro que eram colocados a circular não levantassem qualquer suspeita junto das entidades que regulam as apostas online. “Tudo ficou exposto depois de uma denúncia de alguém conhecia o que se passava”, acrescenta.

“Não houve má gestão. O pai diz que não tinha conhecimento de nada e aponta o dedo a quem cuida dos interesses do jogador. Alguns procuradores do Ministério Público falam da má gestão das agências multinacionais. A única coisa que posso dizer é que o nosso cliente teve estes problemas antes de assinar connosco, a Caa Stellar. Estávamos a aproximar-nos do verão e a primeira coisa que fizemos foi aconselhá-lo a assumir o problema que tinha e a fazer tratamento. Somos a maior agência, mas a relação com os clientes é próxima, contínua e pessoal. O Nicolò sofre de ludopatia, um problema que surgiu quando não éramos agentes. Apesar disso, decidimos não deixá-lo sozinho. Ele tem tido um comportamento exemplar desde que assinou connosco”, disse o agente do jogador, Marco Giordano, em entrevista ao La Repubblica.

Entretanto, Fabrizio Corona, um antigo paparazzo e influencer digital italiano que chegou a ser detido em Lisboa por ter um mandado internacional após um processo em que foi acusado de tentar extorquir dinheiro ao antigo avançado David Trezeguet para que não fossem publicadas imagens comprometedoras com uma manequim (algo que aconteceu com outras estrelas também ligados ao futebol e não só) e que tem revelado com uma cadência diária vários pormenores da história, partilhou também publicamente um áudio com uma das suas fontes a propósito dos alegados montantes que seriam devidos por Nicolò Fagioli.

– Eu venho de Roma. Tenho o nome de um jogador da Roma (…) Que joga agora (…) Com dupla nacionalidade italiano/polaco. Sei que o Fagioli também deve muito dinheiro…
– Ao submundo sérvio?
– Não, nada disso. Garanto-te que aqui em Roma não são só os criminosos que têm estas plataformas. Soube através de alguns amigos que um cantor ou DJ tem uma casa de apostas ilegal muito importante em Roma.
– Famoso?
– Sim, sim… Sei que nesta casa de apostas ele deixa futebolistas participarem. Sei que o Fagioli lhe deve 70 mil euros…

Corona explicou também numa entrevista em Itália que são pelo menos dez os nomes envolvidos no caso: “Temos mais alguns, até da Serie B e C. Hoje esses jogadores são bons miúdos. O Fagioli é um bom miúdo. São casados, têm famílias, são sérios e ganham dez milhões de euros. No momento em que eles ganham esses valores e apostam, com esquemas feitos por baixo da mesa, passam a ser miúdos com uma doença grave e são viciados em apostas. É como dizer que são viciados em droga, porque pessoas que apostam milhões online são doentes. E, por isso, não são culpados, porque têm a justificação de serem afetados por uma adição grave em apostas. Num julgamento civil ou criminal eles serão salvos, porque são pessoas doentes”.

“Parecem-me ser dez jogadores. Quantas equipas estão envolvidas? Umas cinco ou seis. Quais os nomes? Não posso dizer, caso contrário, serei investigado. Vamos revelar outros nomes e a nossa fonte… É o tio de um antigo jogador do Inter de [José] Mourinho, um amigo próximo de Balotelli. O Mario é meu amigo, veio cá ver-me muitas vezes e ficou chocado com as provas que lhe mostrei”, acrescentou. De outros meios chegou entretanto a informação de que Fagioli poderia ter uma dívida na ordem de um milhão de euros. E o La Repubblica escreveu esta segunda-feira que Leonardo Bonucci, não estando envolvido no caso, pode ser castigado por saber do vício de Fagioli sem denunciar o caso (algo que terá sido percebido pelas autoridades através de trocas de mensagens com o médio da Juventus), o que prevê um castigo até seis meses.

“Na minha opinião, 90% dos futebolistas fazem apostas. Têm muito tempo livre, gostam da adrenalina, têm o espírito competitivo, têm muito dinheiro. É isso que faz com que estejam mais predispostos para o jogo, por isso não é algo que me surpreenda. Não é um problema grande, é um problema enorme. Pode pensar-se que 90% dos jogadores fazem apostas, sendo que isso não tem nada a ver com jogos combinados, apenas com apostas. O perfil de um jogador de futebol é um perfil mais perto da ludopatia. Temos de mudar e falar de forma aberta sobre o problema mas uma semana depois já nos esquecemos. Pensando no Newcastle, pagaram 80 milhões pelo Tonali. Se agora for castigado, qual é o dano que daí resulta para a equipa?”, apontou à Cadena SER Francesco Baranca, secretário geral da Federbet, que luta contra apostas ilegais.