Em atualização 

O julgamento do processo EDP está na segunda semana e, esta sexta-feira, foram ouvidas mais duas testemunhas chamadas pelo Ministério Público. Uma das testemunhas foi o antigo presidente do Banco Espírito Santo de Investimento (BESI), José Maria Ricciardi, que falou sobre o prémio que Manuel Pinho terá recebido, no valor de um milhão e meio de euros e sobre o “poder absoluto” de Ricardo Salgado, que terá ditado também a nomeação de Manuel Pinho para o Governo de José Sócrates.

“O Eng. José Sócrates, tendo uma relação intima com Ricardo Salgado, o Dr. Ricardo Salgado ter-se-á lembrado que tinha uma pessoa muito qualificada que estava a ser desaproveitada”. Essa pessoa seria Manuel Pinho. Aliás, José Maria Ricciardi explicou que Ricardo Salgado “tinha tido interferência” na nomeação de Manuel Pinho como ministro da Economia. Ricardo Salgado teve “influência sobre o primeiro-ministro”.

A defesa de Manuel Pinho quis esclarecer esta questão, insistindo na interferência de Ricardo Salgado na formação do executivo de José Sócrates. “Mas a palavra do Dr. Ricardo Salgado foi decisiva?”, questionou Sá Fernandes, advogado de Manuel Pinho. “Se foi decisivo ou não, não lhe consigo dizer”, respondeu Ricciardi, voltando a dizer que Salgado “terá dito que tinha sugerido a nomeação do Dr. Manuel Pinho”.

“O Dr. Ricardo Salgado exercia um poder absoluto no banco e quem contestasse o Dr. Ricardo Salgado tinha problemas. Estive à beira de ser demitido de todos os meus cargos — fosse no grupo, fosse no banco –, porque contestei o Dr. Ricardo Salgado. Não era assim muito habitual e tinha riscos, essa contestação.”

Uma vez que Ricciardi pertencia também aos quadros da administração do banco, o Ministério Público quis saber quais os valores dos prémios que eram pagos aos administradores, antes de Manuel Pinho ter saído para o Governo de José Sócrates.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

– Tem ideia dos prémios que eram recebidos pelos administradores? 

– Eu também era administrador. Havia anos em que não havia resultados. Não era igual para todos, porque havia vários setores. Mas 300 mil euros, 400 mil euros, 500 mil euros. 

– E 1 milhão e 500 mil? 

– Era um prémio muito acima do normal. Não me recordo de administradores recebem prémios dessa magnitude. Eu nunca recebi nenhum. Não me recordo de um prémio desta envergadura. 

José Maria Ricciardi. “Não fiquei surpreendido que Ricardo Salgado tivesse roubado a sua própria família”

“Tenho a certeza que havia uma relação de intimidade” entre Salgado e Sócrates

José Maria Ricciardi sublinhou várias vezes, ao longo da sessão, a relação entre Salgado e Sócrates. E aqui, a defesa de Ricardo Salgado quis que o antigo presidente do BESI detalhasse essa relação, descrevendo momentos que clarificassem esta relação. “Eu tenho a certeza que havia uma relação de intimidade entre o Dr. Ricardo Salgado e o Eng. José Sócrates. Se o senhor não acredita…”, respondeu Ricciardi, dizendo que não está de relações cortadas com o primo direito.

“Eles acham que eu sou um dos culpados — juntamente com o Dr. Passos Coelho e o senhor governador do Banco de Portugal [Carlos Costa] da queda do banco Espírito Santo”, acrescentou.

“Esta cláusula, sendo que as pensões eram pagas pelo fundo de pensões do BES, não tem validade”

Esta quinta-feira, começaram a ser ouvidas as testemunhas da acusação e os primeiros foram Pedro Raposo, diretor de Recursos Humanos do BES, e António José Souto, administrador do BES entre 1989 e 2014. Nenhuma destas testemunhas conhecia o acordo feito entre Manuel Pinho e Ricardo Salgado, que garantia a reforma do antigo ministro da Economia aos 55 anos.

Caso EDP. Diretor de Recursos Humanos do BES diz que nunca viu acordo de Pinho com Salgado e que uma das “alíneas não tem validade”

Olhando para o documento, o então diretor de recursos humanos disse que, apesar de não ter conhecimento do acordo assinado entre Manuel Pinho e Ricardo Salgado, “não era obrigatório ter conhecimento deste documento”. Apesar disso, existe uma alínea naquele acordo que considera não ter validade, em que é referido que, mesmo interrompendo funções no BES, o pagamento da reforma aos 55 anos continuava a ser devida. “Esta cláusula, sendo que as pensões eram pagas pelo fundo de pensões do BES, não tem validade”, explicou. E acrescentou: “As regras eram: se estivesse ao serviço, tinha direito. O que diz aqui é: mesmo que não tenha funções, tem direito”.

E António Souto, olhando para os valores que constam no acordo, reconheceu estes “são superiores ao que os administradores ganhavam no BES”. No caso da participação dos resultados, os valores para os restantes administradores, em 2004, não eram “nem metade disto, para aí um quarto disto”.

“O fundo de pensões é independente e tem estatutos. Não se pode, por decisão unilateral, alterar as regras patentes nos estatutos”, explicou, em relação à elaboração de um acordo para reforma. Além disso, este acordo teria de ser do conhecimento da “comissão de vencimentos e não de recursos humanos”.

Manuel Pinho criou offshore para esconder património, mas nega ter ocultado pagamentos do BES

“Vamos andar para 2004, quando não estava no Governo. Tinha acumulado grande parte do património e tinha esse património numa conta do BES na Suíça. Por altura de me terem afastado, andava agastado com o Banco Espírito Santo e tirei parte do dinheiro dessa conta e meti no Deutsch Bank, em Lisboa. Mas aqui havia o problema de não haver sigilo bancário, nem em Portugal, nem na Alemanha. A solução era criar uma offshore”, disse Manuel Pinho na sessão desta terça-feira, para explicar o início da formação da Fundação Tartaruga.

Caso EDP. Nas vésperas de ir para o Governo, Manuel Pinho criou offshore para esconder património, mas nega ter ocultado pagamentos do BES

“Em 2004, o que passo a ter? A conta da Suíça, mais o que devia ser uma conta, mas era uma sociedade offshore chamada Mandalay. Passa um tempo e sou convidado para ir para o Governo. Tenho de regularizar a situação, mas quero tirar o meu nome do montante que tenho na conta bancária. Então, isto tudo se passou no prazo de uma semana e o que me aconselharam foi a criar uma estrutura, a única que juridicamente é capaz de me afastar do meu património. Essa estrutura chama-se uma fundação privada. Nas vésperas de entrar para o Governo, criei uma fundação de direito privado, chamado Fundação Tartaruga”, acrescentou.

No fundo, Manuel Pinho tinha então a offshore Masete [que são as iniciais de Maria, Sebastião e Teresa, os nomes dos filhos], a offshore Mandaly e, como as duas tinham o seu património associado ao seu nome, foi criada a Fundação Tartaruga para que, como referiu o ex-ministro, “serviu de chapéu” às outras duas e, ocultando assim o património que não queria declarar como ministro da Economia.