O Tribunal Supremo britânico considerou esta quarta-feira “ilegal” o plano do governo britânico de deportar imigrantes ilegais para o Ruanda, concordando com os receios de que não é um destino seguro.

Anunciado há um ano e meio, durante o Governo de Boris Johnson, o objetivo era enviar alguns migrantes que chegam ao Reino Unido como clandestinos ou em pequenos barcos através do Canal da Mancha para o país da África Oriental, onde os seus pedidos de asilo seriam processados. A partir daí, os que conseguissem obter asilo ficariam no Ruanda, em vez de regressarem ao Reino Unido.

O Governo britânico argumentou que esta política pretendia dissuadir as pessoas de arriscarem as suas vidas ao atravessar uma das rotas marítimas mais movimentadas do mundo e iria destruir o modelo de negócio de grupos de contrabando de pessoas.

Muito criticado desde que foi anunciado há ano e meio, o plano foi suspenso depois de em meados de 2022 um primeiro voo ter sido cancelado na sequência de uma decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

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Numa primeira ocasião, o Tribunal de Divisão deu ‘luz verde’ ao esquema mas, no final de junho, o Tribunal de Recurso de Londres determinou que o projeto era “ilegal” por considerar que o Ruanda não podia ser considerado um “país terceiro seguro”.

O Governo recorreu então para o Tribunal Supremo [equivalente ao Tribunal Constitucional em Portugal], onde o advogado do Ministério do Interior, James Eadie, alegou em outubro que é “urgente tomar medidas dissuasoras” para parar aqueles que empreendem estas “travessias perigosas”. Uma linha de argumentação que não foi aceite pela instância superior da justiça britânica.

As consequências da travessia de uma das rotas marítimas mais movimentadas do mundo têm sido trágicas. Em agosto, seis migrantes morreram e cerca de 50 tiveram de ser resgatados quando o seu barco se virou depois de deixar a costa norte de França. Em novembro de 2021, 27 pessoas morreram depois de um barco se ter afundado.

Rishi Sunak promete “legislação de emergência”, conservadores duvidam

Reagindo durante a tarde à decisão do Supremo, o primeiro-ministro britânico prometeu não dar por fechado o tema das deportações e prometeu aprovar “legislação de emergência” para acelerar o processo – ainda que sem esclarecer de que forma as medidas adicionais poderão contornar a decisão.

“Vamos dar o passo extraordinário de introduzir legislação de emergência, que possa permitir ao parlamento confirmar que, ao abrigo do novo tratado, o Ruanda é seguro”, disse Rishi Sunak.

O chefe do governo britânico disse também que as leis que pretende aprovar terão ainda como objetivo impedir que instâncias exteriores, como o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, possam contestar e bloquear as deportações. “Disse ao parlamento que estou preparado para mudar as nossas leis, revisitar as relações internacionais e remover os obstáculos no nosso caminho. (…) Não permitirei que um tribunal estrangeiro bloqueie estes voos”.

Internamente, as reações ao discurso de Sunak foram mistas, com vários conservadores a expressarem dúvidas quanto à viabilidade do plano do executivo para forçar a aprovação das deportações.

De acordo com o The Guardian, vários deputados do partido de governo no Reino Unido dizem não entender de que forma a aprovação parlamentar poderia resolver o chumbo do Supremo, com alguns a sugerirem mesmo que o discurso revelou algum desespero da parte do primeiro-ministro. “Mas que raio é ‘legislação de emergência’? É só legislação. E ele nem sequer disse o que seria”, afirmou um deputado conservador ao jornal britânico.

Para muitos analistas, qualquer ação do governo sobre o tema terá pouco efeito nesta fase, havendo mesmo quem considere difícil que a possível legislação seja aprovada pela Câmara dos Lordes, a câmara alta do parlamento do Reino Unido.

Caso este cenário se verificasse, levaria à invocação do Ato Parlamentar, um instrumento à disposição do governo para aprovar leis mesmo sem o aval dos Lordes. No entanto, acionar este mecanismo poderá levar um ano – tempo que o Partido Conservador, que neste momento está atrás dos trabalhistas nas sondagens, poderá não ter, já que é esperado que o Rei Carlos III convoque eleições legislativas para a escolha de um novo governo até ao final de 2024.