A solução governativa que Pedro Nuno Santos mais elogia foi aquela que António Costa formou em 2015, depois de ter perdido as eleições para a coligação do PSD/CDS. Mas se o candidato à liderança do PS não esconde o desejo de reedição da “geringonça”, não diz o que fará se ficar atrás do PSD nas eleições, ou seja, se tentará governar se perder como Costa. Um silêncio tão calculado como a “disciplina férrea” com que apareceu sobre os casos de justiça que envolvem o PS. Garantido só mesmo o uso do Chega contra o PSD — partido com quem admite apenas acordos de regime.

São duas questões que terá sobre si tanto na campanha interna como numa eventual campanha para as legislativas e ambas ficam neste limbo, depois da primeira entrevista (à TVI e CNN Portugal) do candidato à liderança do PS. Já outras questões, também com especial peso sobre os seus ombros, foram mais ou menos arrumadas: o processo de escolha do novo aeroporto de Lisboa é para seguir como está, na comissão independente; a privatização da TAP é para fazer “sem pressa”.

Começando pelas questões de governabilidade. Pedro Nuno Santos volta a elogiar a geringonça  — uma “boa memória para os portugueses — e faz mesmo a distinção entre o Bloco de Esquerda e o PCP do partido que pode vir a servir ao PSD para formar uma maioria, o Chega: “Não há equivalência entre o BE o o PCP e o Chega”. Inclinado para esse lado do hemiciclo, o socialista repetiu mais do que uma vez a boa experiência que a geringonça significou e também que “não fecha portas”, depois de “derrubado o muro”, por António Costa em 2015.  “Procurará as soluções que permitam implementar o programa do PS”, garantiu apenas.

Mas esse período até lhe valeu na sua defesa contra si mesmo, quando confrontado com a famosa tirada de 2011 sobre o país poder não pagar a dívida. O socialista reconheceu que “não foi uma declaração feliz” e que tinha a ver “com um determinado contexto que o país vivia”, mas logo depois chamou a si créditos por ter feito parte de governos (incluindo esse primeiro da “geringonça”) que diminuíram a dívida: “É isso que também tenho para mostrar.”

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Já para o PSD, Pedro Nuno Santos só admite olhar em “questões de regime”, a saber: “Áreas fundamentais de soberania e política externa”. Ou seja: “Onde há posições estabilizadas há décadas que devem ser trabalhadas e — quando alteradas — sempre em diálogo com o maior partido de centro-direita”. Mais do que isto, não, até porque o PSD não é um partido de confiança, assume o socialista que lembra o que se passou nos Açores, onde os sociais-democratas se juntaram ao Chega para conseguir uma maioria parlamentar que apoiasse o executivo. “O PSD está radicalizado: não só disputa com o Chega como depende da IL”, atacou.

“Se se quer derrotar o Chega, só há um voto que é no PS”, afirmou ainda na esperança que esta linha permita trazer ao PS um bom resultado eleitoral — nas hostes socialistas este argumento foi sempre visto como fundamental para a conquista da maioria absoluta por António Costa.

“O PS não tem um problema crónico com a Justiça”

Sobre a Justiça, o socialista caminhou com pés de lã. Fez tudo para não entrar em comparações entre o processo que envolve António Costa e o que envolveu José Sócrates e garantiu apenas que o PS não tem “um problema crónico com a Justiça”. A afirmação mostra a necessidade de afastar o trauma, bem como a promessa que deixou durante a entrevista de “procurar garantir” que a sua “equipa é eticamente irrepreensível. Essa será uma preocupação minha do primeiro minuto até ao fim”, assumiu.

De resto, para não repetir o mantra costista “à Justiça o que é da Justiça”, Pedro Nuno inaugurou uma fórmula mais complexa mas que resulta na mesma fuga aos irritantes judiciais: a necessidade de respeitar a “presunção de inocência e o tempo das instituições judiciais”. E impôs-se uma “disciplina férrea sobre o tema”, uma solução que parece deixar o candidato a meio caminho entre a vontade de entrar nas críticas ao Ministério Público — solidarizando-se com o ainda líder (tal como alguns senadores já fizeram, como Santos Silva e Ferro Rodrigues) — e manter-se ao largo, a salvo (como, aliás, Costa pediu).

Também evitou ser tão definitivo como alguns socialistas no pedido de uma resolução até às legislativas do processo-crime contra Costa. Não deu qualquer prazo e apenas disse que o inquérito que decorre no Supremo Tribunal de Justiça “deve ser concluído o quanto antes“. Enquanto não há solução, vai fazendo a defesa do “legado muito importante que António Costa deixa ao país”, sublinhando que não foi por questões económicas que o Governo caiu.

Respeitar comissão técnica para aeroporto. E calma na TAP

Quanto a dois temas que foram verdadeiras batatas quentes nas suas mãos enquanto ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos não rompe completamente. Sobre a localização do novo aeroporto, que decidiu sozinho sendo desautorizado pelo primeiro-ministro, Pedro Nuno Santos diz agora que o que está em marcha é o que vale. Ou seja, a comissão técnica independente deve acabar o seu trabalho e as soluções a que chegar devem ser alvo de “reflexão”. “Haverá um tempo de debate e reflexão. Se for possível o entendimento [com o PSD] isso é bom. Mas não podemos ficar paralisados mais uma vez”, avisou desde já. “Seria um crime que faríamos ao país”, disse sem dizer o que prefere.

No seu primeiro comentário na SIC-Notícias, há um mês e antes da crise política, Pedro Nuno Santos tinha mantido como preferida a combinação de Portela e Montijo enquanto o novo aeroporto em Alcochete não estivesse pronto. Mas agora essa parte é metida no congelador e o candidato garante apenas: “Levarei até ao fim esse compromisso” do estudo independente.

Quanto à privatização da TAP, o socialista trava a fundo. “É importante conseguirmos que a TAP tenha uma ligação a um grupo de aviação”, começou por defender na entrevista. Mas também disse que “não há pressa para encerrar processo de privatização” porque a empresa “está saudável do ponto de vista financeiro”. “Os investidores têm de perceber que o Estado português não está desesperado” e era isso mesmo que Pedro Nuno imagina que aconteceria com uma venda apressada. Mantém que o Estado “só preserva a sua posição negocial se não comparecer como estando desesperado para vender”. “Nunca se deve colocar um prazo para a venda de um ativo do Estado porque o desvalorizamos”, argumentou mantendo que defende a manutenção de uma posição maioritária do Estado na companhia.