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Carlos Avilez, ator e encenador português e fundador do Teatro Experimental de Cascais, que dirigia (tal como era diretor da escola de teatro de Cascais), morreu esta quarta-feira, aos 88 anos. A informação foi confirmada ao Observador por fontes próximas daquela que foi uma das figuras fundamentais na construção do teatro contemporâneo português.

Fonte do Teatro Experimental de Cascais, citada pela Lusa, adiantou que Avillez deu esta terça-feira entrada no Hospital de Cascais com uma indisposição, acabando por falecer por volta das 02h00 da madrugada naquela unidade hospitalar, vítima de paragem cardiorrespiratória.

Carlos Vítor Machado, mais conhecido por Carlos Avilez, nasceu em 1935. Depois de colaborar com o Teatro Experimental de Lisboa e com o Teatro Universitário, estreou-se profissionalmente como ator em 1956, na Companhia Amélia Rey Colaço – Robles Monteiro, onde permaneceu durante sete anos, até 1963.

No mesmo ano, encenou a primeira peça, A Castro, a partir do texto de António Ferreira. Em 1965, é um dos fundadores do Teatro Experimental de Cascais, uma das mais importantes e inovadoras companhias do panorama teatral contemporâneo, responsável pela formação de muitos atores portugueses desde a segunda metade do século XX.

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Ao longo de décadas, levou várias produções suas além-fronteiras: Espanha, França, Brasil, EUA, Japão, Angola e Moçambique foram alguns dos países onde apresentou espetáculos.

No plano internacional, trabalhou com nomes como Peter Brook e Jerzi Grotowski, através de uma bolsa concedida pelo Instituto da Alta Cultura. Em 1970 foi Diretor Artístico e responsável pelo dia consagrado a Portugal na Expo’70 – Osaka, no Japão.

Além do trabalho desenvolvido em Cascais, foi também diretor do Teatro Nacional S. João, do Teatro Nacional D. Maria II, presidente do Instituto de Artes Cénicas e diretor do Teatro Nacional de S. João. Em 1995, recebeu do então-Presidente da República, Mário Soares, a comenda da Ordem do Infante D. Henrique.

A sua mais recente produção, Eletra tinha estreado no último sábado, no Teatro Experimental de Cascais, contando no elenco com Carla Maciel, Miguel Loureiro, Bárbara Branco e David Esteves. Fonte do teatro confirmou ao Observador que a sessão da peça programada para esta quinta-feira, 23 de novembro. foi cancelada.

Personalidades recordam “marca profunda” de Carlos Avilez no teatro nacional

Ao mesmo tempo que foi noticiada a morte do encenador, foram-se multiplicando as reações, recordando a memória de um “extraordinário” homem do teatro, com “grande simpatia”, de inegável importância para o panorama do teatro em Portugal.

À Rádio Observador, o diretor do Teatro Nacional São João, Nuno Cardoso, considerou que Carlos Avilez “deixou uma marca profunda no nosso tecido teatral” e destacou a importância de Avilez na formação de artistas, através da escola teatral de Cascais. “Enquanto teatro nacional, trabalhamos com vários profissionais que passaram pela escola de Cascais, e acolhemos companhias, projetos e pessoas que têm essa escola, para quem o Carlos Avilez foi uma etapa fundamental nos seus percursos como atores e criadores”.

“Conheci-o em múltiplas ocasiões, a última das quais numa conversa no teatro de Felgueiras, há uns anos, com a Eunice Muñoz. Esta é uma notícia muito triste é nos momentos em que somos surpreendidos com notícias destas, que fazemos um ponto de situação. E aqui realmente percebemos a importância do Carlos Avilez, da sua contribuição como criador, pedagogo, como dinamizador”, acrescentou Nuno Cardoso.

Nuno Cardoso: “Carlos Avilez deixa uma marca profunda no teatro”

Já o diretor do Teatro Nacional D. Maria II (também à rádio Observador) vincou a certeza de que Carlos Avillez “deixa um lastro muito potente no teatro português, não só como encenador e criador de uma equipa tão importante como TEC, mas também estando à frente do D. Maria II. Era um encenador de uma modernidade muito relevante, um conhecedor da dramaturgia portuguesa. Relembro uma produção do D. Maria II, o Ricardo II, de Shakespeare, com uns telões incríveis da Graça Morais, que neste momento estamos a mostrar na exposição que está a correr o país. Dá um sinal muito claro dessa capacidade do Carlos de combinar várias estéticas, sempre na criação de um teatro muito rigoroso e muito apoiado nos atores. O Carlos amava profundamente essa relação. Esse lastro prolonga-se pelas gerações que foram tendo contacto com o Carlos, que também fundou a escola de teatro de Cascais, que continuar a dar ao teatro português figuras importantíssimas.”

Pedro Penim fala de um Carlos Avilez que “foi sempre muito simpático e muito aberto na hora de falarmos sobre esta minha nova experiência de ser diretor do D. Maria II, deu-me imensa força para este ciclo da minha vida profissional e alguns conselhos. Fica algum amargo de boca de não poder ter mostrado no Teatro Nacional uma nova encenação do Carlos”.

“Quando era um jovem ator havia muito o desejo de estagiar no Teatro Nacional e acabei por fazê-lo, assim que saí da Escola Superior de Teatro e. Cinema, mas infelizmente o Carlos já não era diretor. Mas lembro-me que havia essa excitação da parte dos atores de quererem trabalhar com o Carlos, de quererem entrar nas produções do Carlos e eu estive numa encenação do Frei Luís de Sousa e tinha esse contacto diário com os ensinamentos do Carlos Avilez e isso foi determinante para a minha carreira”, acrescenta o ator e encenador de 48 anos.

Pedro Penim: “Carlos Avilez combina forte modernidade com um respeito tradição do teatro”

Também Luís Filipe Castro Mendes, que foi ministro da Cultura entre 2016 e 2018, partilhou as suas memórias do encenador, que descreveu como “um homem de grande simpatia, gentileza”. “É uma grande perda, para o país e para a nossa cultura. Deve ser homenageado e devemos recordá-lo com a importância que merece, por tudo aquilo que trouxe ao teatro em Portugal”.

“Extraordinário encenador, homem de teatro e também empreendedor, ele que abriu o Teatro Experimental de Cascais, e iniciando realmente uma linguagem nova no teatro português. Pessoa de grande cultura, sensibilidade e generosidade. Conheci-o pessoalmente, era encantador e atencioso, é uma grande perda para o país, para a cultura”, acrescentou o também poeta Luís Filipe Castro Mendes.

Luís Castro Mendes: “Carlos Avilez era encantador, de uma grande simpatia”

Na página oficial da Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa refere Carlos Avilez “como figura fundamental de uma geração que mudou o teatro português entre as décadas de 1960 e 70, e com continuidade bem depois disso, entre as quais se contam, para lembrar apenas aqueles que nos deixaram nos últimos anos, Joaquim Benite ou Jorge Silva Melo”. “Já agraciado com ordens nacionais, Carlos Avilez recebeu em 2018 as insígnias de Membro Honorário da Ordem do Mérito em nome do TEP, distinção que tive o prazer de lhe entregar enquanto Presidente da República, e enquanto seu espectador, admirador e amigo, em reconhecimento de seis décadas de arrojo, entusiasmo, persistência e generosidade”, lembrou o Presidente da República.

Também o primeiro-ministro reagiu, lembrando Carlos Avilez com “apaixonado e incansável homem do teatro”. “O seu legado na vida cultural portuguesa é imenso, pelo contributo que deu para a modernização teatral do país, desde a fundação do teatro Experimental de Cascais às produções memoráveis que encenou”.

António Costa afirmou ainda que Carlos Avilez “será também recordado pela criação da escola profissional de teatro de Cascais, que tantos jovens talentos tem revelado ao longo dos anos. Como é próprio dos mestres, o teatro era, para ele, um espaço de circulação e transmissão entre diversas gerações”. “Até sempre, finalizou.

O ministro da Cultura reafirmou Carlos Avilez como “personalidade decisiva na renovação do teatro português”. “Para sucessivas gerações de atores, que continuou a dirigir e a ensinar até à semana passada, foi um mestre e um mentor. Além disso, Avilez assumiu cargos da maior responsabilidade no serviço público na sua área”, escreveu Pedro Adão e Silva na página oficial do ministério que tutela na rede social X.

O presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, declarou que a morte de Carlos Avilez “entristece todos quanto amam o teatro”. “Ele é um dos nossos maiores atores e encenadores, e assim permanecerá. Ao Teatro Experimental de Cascais, de que foi fundador, e à sua família, sentidas condolências”, escreveu o presidente do parlamento na sua conta na rede social X.

A atriz portuguesa Jani Zhao, que na adolescência estudou na EPTC, disse à agência Lusa que o encenador era “um mestre e será para sempre uma referência incontornável no teatro português”. “Foi com ele que aprendi as primeiras coisas sobre teatro. […] A escola que ele criou deu lugar a muitos atores e atrizes dos dias de hoje, tem formado muitos profissionais de uma forma sólida, profunda, séria e com uma dedicação e empenho que é muito especial”, afirmou a atriz.

O ator João Jesus, também antigo aluno da EPTC, recorreu às redes sociais para agradecer ao “Mestre” a paixão, a verdade, o profissionalismo e “toda a garra” que sempre passou aos seus alunos. “Nós achávamos que era imortal e sem dúvida que o é, porque ficará para sempre dentro de nós. Cada vez que pisar um palco irei lembrar-me sempre de si. Viva à sua alma. Descanse em paz”, escreveu.

O ator e também antigo aluno da EPTC Igor Regala recordou o “ser extraordinário” que respirava teatro “de manhã à noite. “Nunca conheci ninguém tão obcecado pelo que faz como o Carlos. Deu-me tanto enquanto Mestre… Ensinou-me a olhar, verdadeiramente, para dentro. E a obsessão dele pela profissão ensinou-me que não há outra forma de se ser. E que se trabalhássemos muito, os resultados haviam de aparecer… obrigado por ter feito de mim, também, um obcecado pela profissão. E tenho a certeza que centenas de alunos poderão dizer o mesmo. Eternamente grato por tudo, Mestre”, partilhou nas redes sociais.

O cantor e ator Fernando Fernandes, FF, fala no seu antigo professor como alguém que “surge na linha da frente dos corajosos que trocam a vida pelo palco”. “E viverá sempre em todos os seus alunos, em todos os que viram as suas peças. Não imagino exemplo maior de ternura e sabedoria num Mestre. Obrigado”, escreveu nas redes sociais.

Outros atores e antigos alunos da EPTC, como Sara Matos, Tomás Alves ou Rafael Morais optaram por partilhar fotografias de Carlos Avilez, recordando assim o “Mestre”.

A EPTC, numa publicação partilhada nas redes sociais, partilha que a morte do diretor e fundador da escola foi recebida na instituição “com profundo pesar”. “A sua partida deixa um vazio irreparável não apenas na comunidade teatral, mas também no coração de todos aqueles que tiveram a honra de o conhecer e aprender com a sua paixão pelo teatro. Carlos Avilez foi um visionário, dedicando a sua vida ao enriquecimento cultural e educacional através do teatro. A sua contribuição para a formação de inúmeros talentos e para o desenvolvimento das artes cénicas na nossa comunidade será eternamente lembrada”, lê-se na publicação.

A encenadora e atriz Natália Luísa confessou não haver no Teatro ninguém por quem tenha “uma sensação tão profunda de reconhecimento, emocionalmente”. “Por ter sido a única pessoa por quem me senti verdadeiramente amada como atriz, por o ouvir dizer sempre com entusiasmo como quem principia o Teatro em cada projeto que sonhava, por ter tantos futuros e ter criado uma Escola de Teatro que nos tem permitido ver e admirar atuais e, estou convicta, tantos futuros atores. OBRIGADA CARLOS, por tanto bem querer e resistência, por ter amado tanto o teatro e os atores”, lê-se numa publicação partilhada nas redes sociais.

O ator Elmano Sancho escreveu sobre a “triste e dolorosa notícia” da morte de Carlos Avilez, “um autêntico cavalheiro, gentil, sempre atencioso, delicado, atento, preocupado com os atores”, com quem trabalhou pela primeira vez em 2019, no Teatro Experimental de Cascais, na peça “Lulu”.

A atriz São José Lapa defendeu, nas redes sociais, que em Cascais “faz-se teatro com fé e saber”, e a atriz Luísa Ortigoso considerou que o teatro português deve a Carlos Avilez “uma grande parte da sua história”.

O ator Diogo Infante escreveu sobre o ator e encenador que “inspirou e moldou gerações de atores com a sua exigência, a sua paixão e sua capacidade de os fazer sentir especiais”. “O seu legado continuará seguramente através de todos aqueles que o conheceram e que puderam testemunhar a sua dedicação ao teatro. Pela minha parte ficarei eternamente grato pelas oportunidades que me deu e pelo carinho com que sempre me tratou”, escreveu nas redes sociais.

O produtor e empresário Hélder Freire Costa, do Teatro Maria Vitória, sublinhou que “o Teatro fica de luto e fica mais pobre” com a morte de Carlos Avilez, referindo que “não há palavras para descrever a sua enorme dedicação e o seu zelo durante toda a sua longa vida dedicada àquilo que mais amou — o Teatro”.

O encenador João Mota lamentou a morte do amigo, que conheceu quando começou a trabalhar no Teatro Nacional D. Maria II, no início da carreira, e que “conseguiu sempre fazer a ponte entre o velho e o novo”. “O Carlos Avilez para mim é mais que um colega, é um amigo, é o amigo Carlos”, frisou o diretor do Teatro da Comuna, recordando que tinha 15 anos quando conheceu Carlos Avilez, com quem partilhou camarim no D. Maria II, na então companhia Rey Colaço-Robles Monteiro. Trabalhar com Carlos Avilez “deu essa grande amizade, fui sempre amigo do Carlos”, prosseguiu o encenador, lamentando que, com o tempo, “as pessoas vão esquecendo”, porque têm “memória curta”, numa referência ao papel de Avilez, porque o “teatro é tão efémero quanto a vida”.

A atriz e encenadora Maria do Céu Guerra manifestou-se “muito triste” com a morte do encenador Carlos Avilez, considerando-a uma “grande perda” para quem o conheceu e uma “enorme perda” para quem não o conheceu. “Ele deu a tanta gente tanto da cultura teatral. Penso que devem ter sido muito poucas as pessoas que deram tanto ao teatro português, ele deu a sua vida ao teatro”, frisou. Por isso, o seu desaparecimento representa uma “grande perda” para quem o conheceu e conhece a dimensão do seu trabalho; por isso, é também uma perda maior, uma “enorme perda” para quem não o conheceu e não conseguiu tomar contacto com a dimensão desse trabalho. “Trabalhei seguido com ele não chegou a sete anos e foi pouco; tenho muita pena de não ter trabalhado mais”, observou, salientando o que o encenador lhes dava “de inteligente, culto, generoso, de leal, de amigo, de rigoroso”.

O Teatro da Comuna, a Seiva Trupe, a Fundação Dom Luís I, na qual era membro do conselho desde o início, a Casa do Artista, a Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural (EGEAC) da Câmara de Lisboa, e a Sociedade Portuguesa de Autores também lamentaram a morte de Carlos Avillez.