O presidente executivo da Fundação Oceano Azul (FOA) entende que o oceano é a grande oportunidade para Portugal ser pertinente, a nível internacional, no contexto do combate às alterações climáticas e no desígnio da descarbonização.

“Se quisermos ser pertinentes no século XXI, temos de perceber para onde é que vai o século e este é o século da descarbonização”, disse Tiago Pitta e Cunha, em entrevista à Lusa no âmbito da 28.ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP28).

A porta para o contributo de Portugal, acrescentou, abre-se através do oceano e do investimento necessário em investigação científica nessa área, uma das principais necessidades quando se refere ao desafio de colocar o tema no centro da discussão sobre alterações climáticas.

“Portugal tem um grande desenvolvimento em ciências de investigação do mar e devíamos procurar ter um programa nacional de investigação de interligação entre o oceano e o clima”, defendeu, explicando que do ponto de vista da ciência, a maior lacuna diz respeito às soluções para as alterações climáticas com base no oceano.

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De acordo com Tiago Pitta e Cunha, os impactos das alterações climáticas são claros e existe muita informação que aponta para a saúde em declínio do oceano, em função do aquecimento da temperatura, da acidificação e da desoxigenação, com impactos significativos nos ecossistemas marinhos, responsáveis pela captação e armazenamento de dióxido de carbono.

“É preciso termos o mesmo tipo de ciência para as soluções que o oceano produz para os problemas do clima”, referiu o especialista, exemplificando que no caso do carbono azul existem dados sobre o papel dos mangais, sapais e pradarias marinhas, mas pouco sobre a biomassa.

Além da aposta na ciência, Tiago Pitta e Cunha recorda o projeto de extensão da plataforma continental portuguesa, com que Portugal poderá passar a ter uma Zona Económica Exclusiva com cerca de quatro milhões de quilómetros quadrados, o correspondente a quase 90% do mar da União Europeia.

“Esses fundos marinhos são verdadeiros repositórios de carbono e Portugal pode estar a fazer um serviço ecossistémico para o planeta”, afirmou, insistindo que “a grande obsessão do século XXI” será a descarbonização e Portugal pode liderar através de soluções baseadas no oceano.

Esse caminho começa a ser traçado e o presidente executivo da FOA reconhece que Portugal é um dos países que mais contribui para levar o oceano à discussão na COP28, mas entende que é preciso muito mais.

Um dos problemas, aponta, é a falta de recursos humanos organizativos do Estado, que diz não refletir a importância aparentemente atribuída ao tema.

Referindo-se, como exemplo, à antecipação para 2026 da meta de criação de 30% de áreas marinhas protegidas, inicialmente fixada para 2030, Tiago Pitta e Cunha considera que é um compromisso muito importante, mas tem dúvidas quanto à sua concretização “principalmente porque não existem recursos”.

“Acho que devia haver em Portugal uma verdadeira política nacional do mar que fosse transversal às tutelas ministeriais que têm impacto sobre essa área”, apontando, entre outros, a industria, os transportes, a ciência, o turismo, os negócios estrangeiros, o ambiente e a energia.

“Todas estas zonas azuis têm de ser potenciadas, porque se Portugal tiver uma visão de conjunto para todas elas podemo-nos tornar um país pertinente no século XXI.

A COP28 começou em 30 de novembro e está a decorrer até dia 12 no Dubai. Hoje, o programa temático foi dedicado à natureza e oceanos.

Pitta e Cunha espera que cimeira corrija “pecado original do Acordo de Paris”

O presidente executivo da Fundação Oceano Azul espera que a COP28 corrija o “pecado original do Acordo de Paris”, que deixou de fora o oceano, defendendo que o balanço global é oportunidade para reconhecer a importância do tema.

“Era fundamental que, não apenas na declaração final, mas que também no próprio balanço global houvesse linguagem sobre o oceano que permitisse, de alguma maneira, começarmos a corrigir esse pecado original de o oceano estar ausente do Acordo de Paris”, afirmou Tiago Pitta e Cunha, em entrevista à agência Lusa na 28.ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP28).

O Acordo de Paris, adotado em 2015 na COP21, impôs como objetivos a redução das emissões de gases com efeito de estufa para a atmosfera e a limitação do aumento das temperaturas mundiais além de 2ºC acima dos valores da época pré-industrial, e de preferência que não aumentem além de 1,5ºC.

Apesar da relação do oceano às alterações climáticas, seja do ponto de vista das consequências sofridas ou do potencial contributo para a mitigação, o oceano ficou de fora e num momento em que está a ser feito o primeiro balanço global do acordo, o especialista espera que essa falha possa ser corrigida.

“Os mecanismos que o Acordo de Paris estabelece têm de ser adaptativos e poder corrigir alguns dos erros e das falhas do acordo. E o ‘global stocktake’ (principal mecanismo através do qual são avaliados os progressos feitos) podia ser um desses mecanismos”, justificou Tiago Pitta e Cunha.

O reconhecimento do oceano nas cimeiras do clima tem sido um dos principais desafios de organizações e especialistas ligados ao tema, mas frustrado na maioria e depois da COP26, em Glasgow, Reino Unido, ter dado um destaque sem precedentes na declaração final, a COP27, em Sharm el-Sheikh, Egito, representou um retrocesso.

O oceano absorve quase um quarto do dióxido de carbono emitido e 90% do calor em excesso, causado pela emissão de gases de efeito de estufa, mas está também a sofrer o impacto das alterações climáticas, repetindo-se os alertas de especialistas de que, estando em causa a saúde do oceano, está em causa a saúde do próprio planeta Terra.

“A projeção mais conservadora indica que estaríamos com mais 17ºC relativamente à linha pré-industrial. Só este dado explica como o oceano é absolutamente determinante”, refere, considerando, por isso, incompreensível que o tema não esteja no centro da discussão.

Uma das possíveis justificações, aponta, é a falta de ciência, sobretudo sobre o potencial das soluções baseadas no oceano, que explica que muitos países, apesar de referirem a importância dos ecossistemas marinhos nas suas contribuições determinadas a nível nacional, não têm medidas concretas, ao contrário, por exemplo, das florestas.

Com expectativas sobre o resultado da COP28, Tiago Pitta e Cunha tem já os olhos postos na Conferência dos Oceanos das Nações Unidas que se vai realizar em Nice, França, em 2025, organizada pelo país anfitrião e pela Costa Rica.

“Vai ser determinante para toda a agenda, porque é em Nice que temos de conseguir ter um roteiro para as decisões até 2030. Para quê? Para tentar que a ação do oceano suba a níveis parecidos com a ação climática”, justificou.

A Lusa viajou para a COP28 a convite da Fundação Oceano Azul *