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Israel entregou na terça-feira 80 corpos de palestinianos à Faixa de Gaza. O Hamas denunciou que Telavive “mutilou” e “roubou órgãos vitais” aos cadáveres.

Num comunicado citado pela Al Jazeera, o Hamas condena “nos termos mais fortes” o “desdém pela dignidade de 80 corpos” pelas forças armadas israelitas. “Após um exame aos corpos, tornou-se claro que as feições daqueles que foram mortos mudaram drasticamente, como uma indicação clara de que a ocupação israelita roubou órgãos vitais”, denunciou o Hamas, que acrescenta que esta não é a primeira vez que este tipo de procedimento acontece.

O Times of Israel refere que os corpos foram levados para Israel durante as operações em Gaza para se verificar se entre eles eram identificados reféns raptados nos ataques do grupo palestiniano a 7 de outubro. Depois dos exames, os cadáveres foram entregues à Cruz Vermelha em Gaza através da passagem de Kerem Shalom.

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Posteriormente os cadáveres foram transportados em camiões e retroescavadoras para o cemitério Tel al-Sultan, na cidade de Rafah, onde foram enterrados numa vala comum. Os profissionais de saúde indicaram, segundo a Sky News, que os corpos não podiam ser enterrados perto de áreas habitadas por receio de disseminação de doenças.

ONG denuncia suspeitas de roubo de órgãos de palestinianos

O Hamas não é o único a acusar as forças israelitas de levar os corpos de palestinianos e de lhes retirar órgãos. No sábado, a organização não governamental Euro-Med Human Rights acusou o exército de estar na posse dos corpos de dezenas de palestinianos mortos nos ataques à Faixa de Gaza e apelou à criação de um comité internacional e independente para investigar as suspeitas de roubo de órgãos.

Em comunicado, a ONG sediada em Genebra diz ter documentado dezenas de casos em que o exército israelita retirou corpos do hospital Indonésio e do Al-Shifa, bem como de uma vala comum construída junto a este complexo médico. A Euro-Med Human Rights refere que, apesar de dezenas de corpos terem sido transferidos pelas autoridades israelitas para a posse do Comité Internacional da Cruz Vermelha de modo a serem enterrados, muitos ainda não foram devolvidos. Israel tem um “longo histórico” de reter os corpos de palestinianos, acusa.

A organização revelou também que lhe chegaram relatos de profissionais de saúde em Gaza sobre alegados casos de roubo de órgãos dos corpos de palestinianos. “Estes profissionais encontraram provas de roubo de órgãos, incluindo o desaparecimento de cócleas e córneas, bem como de outros órgãos vitais, como fígados, rins e corações”, apontou.

Médicos de vários hospitais de Gaza disseram à organização que o roubo de órgãos não pode ser provado nem desmentido apenas com base em exames forenses, uma vez que em muitos casos antes da morte dos indivíduos realizaram-se cirurgias. “Explicaram que é impossível fazer um exame completo dos corpos recuperados devido aos intensos ataques aéreos e de artilharia e ao fluxo de civis feridos, apesar de terem detetado vários possíveis sinais do roubo de órgãos pelo exército israelita”, acrescenta a Euro-Med Human Rights.

As acusações de que Israel rouba corpos de palestinianos não são novas. Numa entrevista gravada em 2000 por um académico norte-americano, o médico Yehuda Hiss, antigo responsável do Instituto Forense israelita de Abu Kabir, admitia que chegou a ser uma prática comum em Israel.

A entrevista gravada pela professora Nancy Scheper-Hughes, da Universidade de Berkeley, foi emitida pela primeira vez em 2009, depois da controvérsia que se gerou após o jornal sueco Aftonbladet noticiar que Israel tinha recolhido órgãos dos corpos de palestinianos que tinha matado. As autoridades de Telavive negaram prontamente as acusações, que denunciaram como antissemitismo. O episódio gerou tensões com o governo da Suécia, que recusou pedir desculpa pelo artigo, afirmando que a liberdade de imprensa o impedia de agir, lembra o The Guardian.

No mesmo ano, vários clips da entrevista a Yehuda Hiss foram transmitidos pelo canal israelita Channel 2. “Começámos por recolher córneas … Tudo isso era feito de forma muito informal. Não se pedia permissão às famílias”, afirmava. Segundo a investigação do Channel 2, nos anos 90 os especialistas forenses do instituto Abu Kabir recolhiam órgãos não só dos corpos de palestinianos, mas também de israelitas e de trabalhadores estrangeiros.

Neste trabalho havia ainda declarações do então diretor do Banco de Pele de Israel em que revelava que a reserva de pele do país era a maior do mundo, atingia os 17 metros quadrados, um número enorme em relação à população israelita, recordam a Newsweek e o Euronews.

Alguns dos detalhes destes alegados procedimentos foram primeiro noticiados em 2004, quando Hiss foi afastado da liderança do instituto. No entanto, o procurador-geral israelita deixou cair na altura as acusações contra ele e à data da publicação da entrevista, cinco anos depois, ainda trabalhava como diretor do departamento de patologia.

Em resposta às declarações do médico, o exército israelita emitiu um comunicado em que confirmava as práticas, mas garantia que já não aconteciam. “Essa atividade acabou há uma década e já não se verifica”, sublinhava. Já o Ministério da Saúde israelita justificava que na época em que os procedimentos eram realizados as diretrizes sobre a recolha de órgãos “não eram claras”. “Ao longo dos últimos dez anos, [o instituto] Abu Kabir trabalha de acordo com a ética e lei judaica”, garantia.

O roubo de órgãos é também o tema do livro “Over Their Dead Bodies”, da médica israelita Meira Weiss, como refere a Euronews. No livro, publicado em 2014, alegava que foram retirados órgãos de cidadãos palestinianos entre 1996 e 2002, sendo usados em investigações nas universidades do país ou transplantados em doentes israelitas.

Este ano o assunto já tinha voltado a estar em destaque quando a modelo Gigi Hadid suscitou polémica ao partilhar um vídeo de Instagram que remetia para declarações de Meira Weiss, também professora de sociologia na Universidade de Jerusalém. As imagens em causa diziam respeito a uma reportagem de 2015 também do Channel 2 em que a médica afirmava: “Nós não tocamos nos corpos dos soldados, tiramos de outros (…) Costumavam tirar órgãos dos cadáveres de palestinianos, depois de imigrantes e de trabalhadores estrangeiros”, referia.

A Euro-Med Human Rights recorda ainda uma investigação da CNN de 2008 que diz que Israel é considerado o país com o maior centro de comércio ilegal de órgãos humanos a nível mundial ao mesmo tempo que refere que a não entrega de corpos dos prisioneiros palestinianos é uma forma de castigo coletivo.

“Israel é o único país que sistematicamente fica com os corpos daqueles que mata”, lê-se no comunicado. A recusa em “entregar os corpos às famílias em luto para as poderem enterrar com dignidade e de acordo com as suas convicções religiosas pode ser vista como punição coletiva, o que é claramente proibido nas convenções internacionais”, defende a ONG.