Um ano depois, uma reflexão com a devida distância e o arrumar de uma situação que coincidiu com um dos momentos mais baixos da carreira. Em novembro de 2022, quando chegou ao Qatar, Cristiano Ronaldo era provavelmente o jogador com mais ambições na antecâmara do Campeonato do Mundo pelo contexto que ia enfrentar. Tinha acabado de dar uma entrevista explosiva a Piers Morgan que abria a hipótese de saída do Manchester United mas por uma porta mais pequena do que algum dia imaginou, continuava a sonhar com outro projeto grande na Europa tendo propostas milionárias de outras latitudes, queria provar que ainda era o CR7 de sempre. As coisas não correram da melhor forma em Doha, tendo mesmo terminado a competição como suplente utilizado nos dois últimos encontros. Pela primeira vez, o avançado falou sobre isso.

A odisseia de Cristiano Ronaldo frente à Suíça: o começo no banco, a comemoração dos golos, o tento anulado e a saída sozinho de campo

“Não sou perfeito mas tudo o que gira à volta do Cristiano é sempre um debate e há sempre conversa. Todos os convocados têm pressão porque querem dar o seu melhor e representar bem Portugal. Mais importante é a equipa ganhar: se não eu marcar nenhum golo e a equipa ganhar, assino por baixo. Estou muito tranquilo nesse aspeto”, comentou no documentário “Capitães do Mundo” da Netflix, falando sobre o jogo com a Suíça nos oitavos em que começou no banco com Gonçalo Ramos a assumir a titularidade (e logo com um hat-trick). Mais tarde, sobre a derrota com Marrocos nos quartos, a questão foi outra: e se a carreira terminasse hoje? “Se ficava feliz? Sim, ficava”, atirou. Resposta final? Mais ou menos. E entre esse objetivo de ganhar mais alguns troféus, ainda referiu que “ganhar um Mundialinho era engraçado…”.

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Aos 38 anos, a pouco mais de um mês de fazer 39, Ronaldo vai lidando da melhor forma com perguntas que apontam para um final mas tem sempre algo mais para fazer até chegar a esse ponto. Foi isso também que permitiu que terminasse 2023 com o título-que-seria-título se ainda jogasse na Europa de melhor marcador do ano à frente de nomes como Harry Kane, Erling Haaland ou Kylian Mbappé, tendo começado com um enorme ponto de interrogação em janeiro perante uma nova realidade chamada Arábia Saudita, onde acabou por simbolizar aquele que foi o início de uma transformação radical do futebol do país com um brutal investimento que atraiu algumas das principais figuras das ligas europeias a partir de junho e com provável tendência para continuar nas próximas janelas de mercado (e com o aumento do limite de estrangeiros).

O jogo 1.000 por clubes deixou a história logo ali: Ronaldo bisa contra o Al Ittihad e fica isolado como melhor marcador do ano

Ainda assim, e numa temporada de 2023/24 em que levava até ao último encontro do ano a média de um golo marcado por jogo (34 em 34 entre Campeonato, Taça do Rei, Liga dos Campeões Asiática, Taça dos Campeões Árabes e qualificação para o Europeu de seleções), continuava a faltar aquilo que move sempre em última instância o número 7: títulos. E se o triunfo na Taça dos Campeões Árabes foi um bom início de época, a par da fase de grupos da Champions, as contas do Campeonato estavam mais complicadas perante a série de triunfos consecutivos do Al Hilal. Era por isso que a margem de erro para mais deslizes tinha ficado nula. E era por isso que Luís Castro apostava em todos os habituais titulares no jogo com o Al Taawon, que ainda assustou mas acabou por não suster a pressão do Al Nassr, saindo goleado por 4-1 com mais um golo de Cristiano Ronaldo, que fechou o ano com um total de 54 golos em 59 encontros feitos em 2023.

O Al Nassr até começou melhor a partida mas cedo as contas ficaram desequilibradas para a equipa da casa, com Abdulelah Al-Amri a atingir com o braço um adversário na área quando tentava saltar mais alto para cortar o lance, o árbitro a assinalar grande penalidade após indicação do VAR apesar dos protestos que iriam valer a Cristiano Ronaldo o primeiro amarelo do jogo e Aschraf El Mahdioui a inaugurar o marcador depois de uma primeira defesa de Nawaf Alaqidi (13′). A perder contra uma das equipas sensação da Liga saudita, a formação de Luís Castro teria de encontrar outras soluções para chegar ao golo e o empate não demorou a chegar numa jogada “à europeia” que mostrou bem o que o Al Nassr consegue fazer quando quer: Talisca deu em Ronaldo, o português devolveu, Brozovic fez a desmarcação de rutura, o brasileiro assistiu de primeira e o antigo médio do Inter só teve de desviar a bola perante a saída da baliza de Mailson (26′).

O Al Taawon acusou o golo sofrido, o Al Nassr sentiu esse “medo” e a reviravolta passou a ser uma questão de tempo. À primeira, Ronaldo conseguiu ganhar na área descaído sobre a direita, fez a finta para fora e atirou ao lado (32′). À segunda, Al-Amri, na sequência de um canto à esquerda do ataque batido por Alex Telles, desviou de cabeça à trave (34′). À terceira foi mesmo de vez, com Brozovic a marcar um canto à direita para o remate sem hipóteses de Laporte (35′). Otávio, após uma jogada entre Ronaldo e Sadio Mané com o passe final do senegalês, ainda ficou perto de aumentar a vantagem de cabeça mas o 2-1 iria manter-se até ao intervalo entre mais uma tentativa de Ronaldo de cabeça que passou ao lado da baliza de Mailson e uma tentativa de resposta de João Pedro nos descontos que foi defendida a dois tempos por Nawaf Alaqidi.

Essa última ameaça do Al Taawon poderia significar uma entrada mais forte no segundo tempo para colocar de novo o resultado em aberto mas o 3-1 do Al Nassr logo a abrir, com Otávio a aproveitar um corte mal feito pela defesa contrária na área para rematar sem hipóteses, “fechou” de vez a partida (50′). Aliás, perante o quebrar da crença do conjunto da casa, a única dúvida era se Ronaldo iria ainda a tempo de marcar também o “seu” golo, algo que ficou muito perto de acontecer por duas ocasiões com um remate ao lado depois de uma transição (56′) e um tiro que bateu com estrondo no poste (71′). Não foi aí, foi nos descontos: Fofana ganhou a linha pela direita, cruzou e o avançado português desviou de cabeça para o 4-1 final (90+2′).