A preservação das Lojas com História de Lisboa deverá passar pela revisão dos critérios de classificação, pelo aumento da fiscalização e por uma regulação do setor imobiliário, defenderam autarcas e um especialista de urbanismo comercial, ouvidos pela Lusa.

De acordo com dados divulgados na terça-feira pelo vereador da Cultura e da Economia da Câmara Municipal de Lisboa, Diogo Moura (CDS-PP), existem atualmente na cidade 154 estabelecimentos comerciais reconhecidos como Lojas com História.

Desde 2016, data em que arrancou este programa da autarquia de Lisboa, encerraram 32 espaços, “a maioria por acordo mútuo entre o senhorio e o inquilino”, segundo ressalvou Diogo Moura, durante uma sessão da Assembleia Municipal.

Lisboa tem 154 Lojas com História em funcionamento e regista encerramento de 32

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O autarca indicou que a Câmara de Lisboa irá apresentar “muito em breve” alterações ao programa municipal Lojas com História.

No entanto, no entendimento dos autarcas da Misericórdia e de Santa Maria Maior, juntas de freguesia de Lisboa onde se concentram o maior número de Lojas com História, é necessário “rever os critérios do programa”, aumentar a “fiscalização” e “controlar a desregulação verificada no setor imobiliário”.

António Manuel, vogal da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior e responsável pelos pelouros do Comércio e da Atividade Económica, considerou que um dos principais problemas do programa Loja com História são “os critérios de classificação”, defendendo a revisão do regulamento.

“Um dos problemas que tem estado por detrás desta situação de muitas lojas desaparecerem, ou não serem classificadas como Lojas com História, tem a ver com os critérios do programa de Lisboa que tem um regulamento muito penalizador para a candidatura das lojas“, apontou.

No entendimento do autarca, o atual regulamento “não valoriza os aspetos imateriais e as verdadeiras marcas identitárias do comércio tradicional”, não prevendo também a participação das juntas de freguesia no conselho consultivo do programa Lojas com História.

“Estes critérios estão muito aquém dos critérios definidos por outros municípios do país“, apontou António Manuel, defendendo também a necessidade de ser revista a lei do licenciamento urbanístico e do arrendamento comercial.

“Eu aqui recordo muitas vezes o exemplo de Barcelona, que cancela o licenciamento urbanístico em prédios onde existem lojas emblemáticas para evitar o seu desmantelamento. Portanto, antes do licenciamento ser feito, analisa-se a situação dessas lojas, a sua importância e o futuro para a cidade”, defendeu.

Segundo adiantou António Manuel, a freguesia de Santa Maria Maior alberga atualmente 94 das 154 Lojas com História existentes na cidade de Lisboa.

A necessidade de serem mudados os critérios para a classificação de Loja com História é também defendida pelo presidente do Fórum Cidadania Lx, Paulo Ferrero.

É um galardão. Uma coisa elitista. Não há que ter medo do termo. Não podemos ter a joalharia que vende quinquilharia, mas tem 25 anos ao lado da Ferreira Marques. Isto não poder ser banalizado”, defendeu.

Já a presidente da Junta de Freguesia da Misericórdia, Carla Madeira (PS), queixou-se da “descaracterização” que está a ocorrer em locais como o Bairro Alto, sublinhando que as Lojas com História e “as mais emblemáticas” estão a ser substituídas por estabelecimentos que vendem bebidas.

“Aqui nós vivemos uma situação um bocadinho diferente. Quer as Lojas com História, quer as outras lojas que são importantes para o comércio local e tradicional, são cada vez mais transformadas em bares. Ou seja, há um monocomércio em toda esta zona”, criticou.

Carla Madeira classificou o atual Bairro Alto como um destino para o “turismo etílico” e defendeu a necessidade de existir um reforço da fiscalização nos estabelecimentos comerciais que se dedicam à venda de álcool.

“O Bairro Alto de agora não é o Bairro Alto de há uns anos, em que era possível haver uma zona onde havia algum consumo de álcool, mas em que havia um conjunto de outro comércio, de outro tipo de clientes. Essa é uma preocupação que os clientes mais antigos têm.

A título de exemplo, Carla Madeira fez uma referência ao encerramento recente do restaurante Bota Alta, que estava classificado como Loja com História e cujo espaço irá servir, segundo adiantou a autarca, para a ampliação de um bar já existente no Bairro Alto.

“Este espaço do Bota Alta, segundo eu tive informação, já foi arrendado ao proprietário do estabelecimento ao lado, que é o Copacabana. É um bar que vende muita bebida para a rua”, apontou.

Questionado pela Lusa, o investigador João Barreta, especialista em urbanismo comercial, explicou que “a não sobrevivência” de muitas das Lojas com História se deve a vários fatores “exógenos”, nomeadamente o “funcionamento desregrado do mercado imobiliário (rendas, especulação)” e a “ausência de políticas públicas do Governo e das autarquias”.

“Jamais se passou da teoria à prática no que se refere às Cartas de Ordenamento do Comércio e Serviços, a Planos Locais de Promoção e Desenvolvimento das Atividades Económicas. Não foram reconhecidas as potencialidades de uma gestão integrada das zonas nobre do comércio, entre outras iniciativas que o setor de há muito já justificará”, sublinhou.