O exame realizado a Ricardo Salgado que detetou uma alegada “simulação” por “respostas inconsistentes” com “disfunção ou dano cerebral real” deve ser visto com “cuidado” porque é apenas um teste — e o mesmo deve ser cruzado com outros exames. O aviso é de Sofia Brissos, psiquiatra e perita forense do Instituto Nacional de Medicina Legal em entrevista ao programa Justiça Cega, da Rádio Observador.

BES. Ricardo Salgado está a “simular” Alzheimer?

Tendo por base toda a informação publicada no Observador, que teve acesso aos relatórios das duas perícias realizadas até ao momento a Ricardo Salgado, Sofia Brissos considera que o resultado do exame realizado no âmbito da segunda perícia realizada pela delegação do INML de Coimbra indicia um “exagero nos sintomas” mas não uma “fraude. Salgado não terá “inventado algo que não existe, o que seria uma fraude”.

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Isto é, o “examinando [Ricardo Salgado] terá tido a noção de que estava num contexto de avaliação, e terá tido a noção de que realmente podia ter ganhos secundários em fazer passar uma imagem mais grave da sua condição”.

O teste em causa, como o Observador já noticiou, tem o nome técnico de SIMS — Inventário Estruturado de Simulação de Sintomas e visa detetar a simulação de sintomas psicopatológicos e neuropsicológicos. Sofia Brissos explica que se trata de um teste psicológico que “consiste em perguntas” de “verdade ou mentira” sobre vários domínios, como “memória, sintomas psicóticos ou sintomas neurológicos”, entre outros. O teste é feito pelo examinando ou é-lhe lido pelo psicólogo.

Toda a pontuação que seja acima de determinado ponto pré-determinado, “é indiciadora de simulação”.

Contudo, alerta, Sofia Brissos, “estas provas valem muito pouco isoladamente. Ou seja, não podemos só olhar para uma.” Tem de haver um cruzamento com outra informação e “devem ser utilizadas mais do que uma prova para avaliar” a alegada simulação” “para ver se as duas batem certo”. Acresce que a primeira perícia, a cargo da delegação do INML de Lisboa, não detetou “exagero de sintomas” por parte de Ricardo Salgado.

Processo não será arquivado. Após o trânsito em julgado de eventual pena é que se verá onde Salgado cumprirá pena

Analisando os resultados que foram publicados no Observador e restante comunicação social sobre as duas perícias, Sofia Brissos afirma de que “não há dúvida de que há o diagnóstico de demência, de tipo Alzheimer” que afetará Ricardo Salgado, sendo que os “peritos estão todos de acordo relativamente à fase da demência de Alzheimer: uma fase já moderada.”

Sendo esta doença neurodegenerativa uma “doença progressiva, irreversível e com caráter progressivo para o agravamento”, tal significa que a situação de Salgado será neste momento “pior” do que quando foi examinado.

Salgado. “Aumento da pena poderá ser excessivo”

Acresce que as duas perícias serviram para apurar se o ex-líder do BES pode testemunhar em dois processos em que é visado — uma ação cível do Tribunal de Cascais e o caso Manuel Pinho do Juízo Central de Lisboa. O que dependerá de cada um dos juízes titulares de cada um dos processos. “O tribunal pode decidir não chamar” Salgado porque este, segundo as perícias, “não tem uma condição médica que o incapacite total e absolutamente.”

Contudo, o diagnóstico de Alzheimer, não significa que os diversos processos criminais contra Ricardo Salgado venham a ser automaticamente arquivados.

Os diferentes processos vão seguir “até ao fim. Se existir uma condenação transitar em julgado, colocar-se-á a questão: ‘então e o dr. Salgado percebe o que é uma pena?’”, questiona Sofia Brissos.

Tal trânsito em julgado de uma pena de prisão efetiva poderá acontecer este ano no processo que nasceu de uma certidão da Operação Marquês. Salgado foi condenado a uma pena de prisão efetiva de oito anos por três crimes de abuso de confiança (ter-se-á apropriado de cerca de dez milhões de euros do Grupo Espírito Santo) e os autos estão agora no Supremo Tribunal de Justiça.

“Sem dúvida que Ricardo Salgado terá cadastro”

“Só com trânsito em julgado é que se deverá colocar a questão” e aí “os advogados ou o tribunal de execução penas — o sistema tem mecanismos para qualquer uma das partes agir — podem requerer nova perícia ao Instituto de Medicina Legal e perguntar: “nós queremos saber se esta pessoa capaz ou não de cumprir uma pena”, explica Sofia Brissos.

Se Ricardo Salgado não tiver consciência da medida da pena, “à partida, e do ponto de vista prático, será transformado numa espécie de inimputável e não poderá ir para uma prisão. Ser-lhe-á aplicada uma outra espécie de medida” por parte tribunal de execução de penas, concluir a perita.

Ricardo Salgado está a exagerar a doença de Alzheimer?