Portugal está na metade dos países da UE onde o salário mínimo menos cresceu, em termos relativos, este ano. Porém, quando a inflação é incluída na equação, o caso melhora ligeiramente, embora continue a meio da tabela. É isso que se pode concluir de uma análise da Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho (Eurofound), publicada na quinta-feira.

Portugal é 13.º, em 22, no aumento relativo do salário mínimo (7,9%), abaixo da média europeia (9,9%, segundo cálculos do Observador). Mas tendo em conta a inflação homóloga registada em dezembro harmonizada, que foi de 1,9%, sobe para 10.º lugar, o que representa uma subida real de 6%.

O Eurofound calcula o salário mínimo a 12 meses (no caso português é de 820 euros a 14 meses, mas na lógica dos 12 meses sobe para 957 euros). Dois países registaram, à luz dos valores indicados pela Fundação, perdas reais de poder de compra para quem ganha o salário mínimo — França (-0,7%) e a Alemanha (-0,4%). O aumento mais expressivo, tanto em termos nominais, como reais, foi na Polónia (21,5% e 15,3%, respetivamente).

O Eurofound divide os países em dois grupos: os que têm em conta a tendência de evolução da inflação; e (não é o caso de Portugal) os que fazem atualizações significativas para que o valor esteja em linha com a diretiva europeia sobre a adequação dos salários mínimos, que tem de estar transposta até novembro de 2024. Foi por essa via que vários países subiram o salário mínimo.

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No caso português não. O que o governo tem feito é definir o salário mínimo depois de ouvir os parceiros sociais, que nem sempre — como aconteceu este ano — dão o seu aval. A primeira versão do acordo de rendimentos, assinado em outubro de 2022, previa 810 euros para 2024, mas depois de consultada a concertação social o Executivo subiu o valor para 820 euros. Aquém do proposto pela UGT (830 euros) e pela CGTP (1.000 euros) e também sem acordo das confederações patronais, que têm pedido uma indexação à produtividade e ao crescimento da economia.

O valor dos 820 euros viria a ficar definido na revisão do acordo de rendimentos de outubro de 2023, que não foi assinada nem pela CIP nem pela CGTP (que já não tinha assinado o primeiro documento). Em vários outros países, a decisão também está prevista num acordo prévio ou é tomada depois de ouvidos os parceiros sociais, mas nem sempre — como em Portugal — obriga a um acordo.

Indexação à inflação ou acordos. As regras na UE

Segundo o Eurofound, só na Bélgica, França e Luxemburgo é que há um mecanismo automático de indexação do salário mínimo, ativado quando os preços sobem a partir de determinados limiares. Por exemplo, no Luxemburgo, houve três subidas em 2023, em França o valor foi atualizado em abril e na Bélgica em dezembro. Mas “estes mecanismos continuam a ser controversos, com os empregadores (e nalguns casos os governos) a favor da sua abolição, enquanto os sindicatos querem manter a prática”.

Já na Roménia e na Hungria o aumento regular previsto para 2024 foi antecipado para outubro e dezembro do ano passado, respetivamente. Na Lituânia, o valor foi definido por acordo com os parceiros sociais no equivalente à concertação social portuguesa, e na Eslovénia, após consulta dos parceiros sociais, ficou estabelecido o aumento mais baixo possível — a lei determinada que o salário mínimo suba de acordo com, pelo menos, a taxa de inflação homóloga em dezembro do ano anterior (4,2%) e não foi além disso.

Há Estados-membros que, por outro lado, passaram a indexar a atualização do salário mínimo a uma determinada percentagem do salário médio ou mediano, o “espírito da diretiva europeia” sobre o salário mínimo, que sugere uma indexação deste género.

Na Eslováquia, uma lei de 2020 obriga a ligar o salário mínimo a uma taxa de 57% do salário médio, a não ser que os parceiros sociais acordem outro valor (foi isso que aconteceu para 2024, com um valor ligeiramente mais elevado do que ditava a lei). Já na Bulgária, o salário mínimo tem de ser metade do salário médio desde fevereiro de 2023 e na República Checa não houve acordo entre parceiros sociais, pelo que o governo optou pela mais baixa entre duas proposta de aumento. No próximo ano também haverá ligação entre o salário mínimo e o médio.

Na Estónia, foi assinado pelos parceiros sociais um acordo de “boa vontade” que pretende aumentar o salário mínimo para 50% do médio em 2027. Chipre e Malta, por sua vez, criaram recentemente comissões com a presença de parceiro sociais e peritos que abordaram o processo de atualização do salário mínimo, tendo sido feitas recomendações. No caso alemão, também há uma comissão para o salário mínimo, mas por falta de acordo as partes entraram num processo de mediação, mas a decisão final não teve o apoio dos sindicatos.

Noutros países, a determinação do valor é feita de forma relativamente automática, sem consulta dos parceiros sociais, como nos Países Baixos (onde há um valor do salário mínimo por hora, e não mensal como em Portugal). Na Letónia e em Portugal, o valor baseou-se num acordo anterior.

Já em Espanha, o governo tentou um acordo com os parceiros sociais, mas as confederações patronais queriam menos, entre 3% a 5%. A subida acabou, porém, por ser fixada nos 5%. Na Polónia a situação foi semelhante: também não houve acordo e foi o governo a fixar o montante, como tem sido hábito.

Na Noruega, que não faz parte da UE mas cujo exemplo é mencionado pelo Eurofound, o processo de definição também não foi fácil e o país assistiu à primeira greve sobre salários do setor privado desde a Segunda Guerra Mundial.

Além da Noruega, em países como a Dinamarca, a Suécia ou Áustria, onde não há um salário mínimo nacional, acabariam por ser firmados acordos setoriais com aumentos maiores para salários mais baixos. Itália e Finlândia também não têm salário mínimo — no primeiro caso, a atualização dos salários na contratação coletiva tem ficado abaixo da inflação, o que provocou descontentamento junto dos sindicatos; no caso da Finlândia, os trabalhadores de vários setores receberam um apoio extra, pago de uma só vez,  juntamente com os salários em 2023.