Cheira bem, cheira a Lisboa
Uma rosa a florir na tapada
Cheira bem, cheira a Lisboa
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Nos últimos dias, Lisboa não tem cheiro de “flores e de mar”. Não só no centro da capital portuguesa, como nos arredores, desde Sintra, Cascais e Oeiras, ou até Almada, Setúbal e Sesimbra, predomina um cheiro “atípico” no ar. O movimento atual do vento, de Sul para Norte, que também traz poeiras perigosas do Norte de África a Portugal, pode ser um dos responsáveis, uma vez que é propício a ‘arrastar’ todo o tipo de cheiros consigo.

Ao longo dos “últimos três dias”, a associação ambientalista Zero, indica o presidente Francisco Ferreira ao Observador, tem recebido, “via mensagens de correio eletrónico e redes sociais”, “muitas dezenas de queixas”. Nas plataformas online, particularmente no X, antigo Twitter, as denúncias de um cheiro incómodo no ar também têm vindo a acumular-se. “Sintra, e este cheiro a azeitonas podres que se sente no concelho hoje?” ou “É de mim ou está um cheiro a azeitonas em Lisboa?” são duas das publicações mais repetidas, acompanhadas por vários comentários de outros utilizadores que também se queixam da situação. Mas, afinal, que cheiro é este?

Que cheiro invadiu Lisboa e arredores?

É um mistério que permanece. Ainda não é conhecida a origem deste cheiro. Sofia Teixeira, investigadora do grupo de qualidade do ar da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e especialista em estudos de odores atmosféricos, revela que está a tentar “perceber” qual é o tipo de odor “que temos vindo a sentir nos últimos dias”. “Tem umas características que nós percecionamos como sendo assim a acre/azeitonas e pode ter várias fontes emissoras: pode ser oriundo da indústria do processamento do bagaço de azeitona ou até do próprio processamento de resíduos”, afirma, em declarações ao Observador.

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Entre as “várias origens” do cheiro, o grupo do qual a investigadora faz parte acredita que “terá de existir, talvez, uma fonte pontual, uma chaminé, que possa, aliada a condições atmosféricas muito particulares”, fazer com que o odor seja detetado a uma “longa distância”. Para já, a possibilidade de o ‘responsável’ ser um aterro, onde podem existir odores semelhantes, está descartada porque “a área onde o cheiro seria detetado nunca poderia ser tão alargada” se esse fosse o caso.

Desta forma, para já, ainda são necessários “mais dados” até porque este fenómeno “é atípico”. Não só “porque não temos memória de ter percecionado este tipo de odores na região de Lisboa e Vale do Tejo”, como também “porque a sua dispersão está a ser bastante alargada”.

Questionada sobre o facto de existirem rumores online de que, alegadamente, o cheiro poderá ter origem em fábricas da Margem Sul, Sofia Teixeira considera que, face ao que tem conseguido averiguar nos últimos dias, essa origem “possa ser mais a Sul do que a margem Sul”, talvez “numa região mais próxima do Alentejo”.

Quando é que este cheiro vai desaparecer?

Não se sabe ao certo, mas é provável que desapareça ainda esta semana. A investigadora da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa indica que um “regime de ventos muito específico”, que se tem feito sentir, tem ajudado à propagação: “As características meteorológicas muito específicas, como as que se têm sentido ontem [este domingo] e nos outros dias em que se tem detetado este tipo de odor, que têm sido, por exemplo, os ventos orientes do quadrante sul-sudeste” têm de ser consideradas na investigação da origem do cheiro. Que se aparente com bagaço de azeitona, típico de lagares de azeite, em plena laboração nesta altura.

“Temos também tido uma inversão térmica mais baixa, o que faz com que os gases fiquem mais aprisionados numa camada mais baixa da atmosfera e possamos detetar ainda mais o odor. Temos também tido uma intensidade de vento moderada, que tem promovido a dispersão das massas de ar por localizações mais afastadas”, continua, explicando que estes fatores têm sido tidos em conta para tentar “identificar algumas fontes emissoras”.

Se as queixas começaram a chegar ao longo dos últimos dias, não é claro quando é que vão desaparecer. Em chamada telefónica com o Observador, Sofia Teixeira diz que “não sabendo qual será a fonte emissora” do cheiro, o que é possível perceber é que “enquanto o vento estiver nestes quadrantes de sul-sudeste, talvez até um pouquinho de leste”, existirá deteção do cheiro. “Eu penso que, quando voltarmos ao regime de vento que é mais comum, até na região de Lisboa e Vale do Tejo, que é o vento de norte-noroeste, aí sim deixaremos de sentir este odor”, defende.

De acordo com as previsões do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), no primeiro dia do mês de fevereiro, quinta-feira, é provável o regresso do vento nordeste. “À partida, se o regime de ventos se alterar, penso que nós, nesta região de Lisboa e Vale do Tejo, deixaremos de detetar este tipo de odor rapidamente. Acho que não é um episódio que vai ter uma duração prolongada no tempo”, afirma a especialista em estudos de odores atmosféricos.

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Há uma ligação entre as poeiras do Norte de África e o cheiro?

Uma massa de ar proveniente dos desertos do Norte de África, que transporta poeiras em suspensão, está a atravessar Portugal Continental. E já levou a Direção-Geral da Saúde a recomendar à população evitar esforços prolongados e atividades físicas ao ar livre e aos idosos e crianças, em particular, a permanecerem dentro de casa. É expectável que a partir desta terça-feira e ao longo dos dias seguintes, as poeiras se comecem a dissipar.

Ângela Lourenço, meteorologista do IPMA, explica que atualmente a circulação atmosférica está “favorável ao transporte de poeiras porque elas estão mais a Sul” e o vento “favorece o seu deslocamento para Norte”. “Obviamente que essa circulação atmosférica também é favorável a que haja um transporte de Sul para Norte de qualquer coisa que esteja a ocorrer em Portugal Continental”, como é o caso do ‘cheiro a azeitonas’, reconhece. “Se fosse um incêndio [a Sul], provavelmente, também iríamos sentir o cheiro a fumo”, exemplifica.

A ligação entre o cheiro sentido em Lisboa e arredores e as poeiras fica-se pela circulação atmosférica. De resto, nota a meteorologista, são “fenómenos diferentes”. “As poeiras são aerossóis e o cheiro são compostos químicos que estão na atmosfera. São coisas distintas.”

Existem perigos elevados para a saúde pública?

À partida não. A especialista Sofia Teixeira acredita que o impacto que o cheiro terá para a saúde “não é elevado”. “Não existem grandes impactos na saúde humana. O que existe é, de facto, uma grande incomodidade da população querer abrir a sua janela e estar impedida” ou respirar um ar que não tenha este cheiro, nota. A que se juntam as tais poeiras.

Além do incómodo — que “já de si é um transtorno para a maior parte da população” até porque “o nariz humano é muito sensível e muitas vezes consegue detetar compostos odoríficos, mesmo em concentrações reduzidíssimas” — não deverão existir mais consequências, mesmo quando eventualmente for identificada uma fonte emissora. Isto acontecerá porque em Portugal não existe, de acordo com a investigadora, “nenhum normativo legal que obrigue a algum tipo de ação ou a algum tipo de sanção para uma indústria ou operador industrial”.

O que está a ser feito para desvendar o ‘mistério’?

Apesar de ser um cheiro “atípico”, Sofia Teixeira admite que é “uma hipótese” que este fenómeno se possa repetir. Isso não pode ser descartado. Até lá e enquanto o odor não desaparece, o grupo de qualidade do ar da Universidade Nova de Lisboa tenta “mapear”, através das queixas e denúncias que tem recebido, a zona onde as pessoas têm sentido este cheiro. Depois, vai tentar “identificar duas ou três fontes emissoras”, em concreto, para “partir para o terreno e efetivamente verificar a situação no local”. Só aí poderá ter “mais certezas”.

Se especialistas da Universidade Nova de Lisboa já se encontram a tentar apurar a origem do cheiro, não se sabe o que está a ser feito a nível das autarquias. O Observador questionou as câmaras de Lisboa, Cascais e Oeiras para perceber se têm recebido denúncias, mas não obteve respostas até à publicação deste artigo. Só a Câmara de Sintra disse não registar “quaisquer queixas” relativas ao odor e desconhecer “os motivos que possam conduzir ao fenómeno em causa”.

Por sua vez, a Agência Portuguesa do Ambiente remeteu o Observador para um comunicado em que afirma que “Portugal está sob influência de grande estabilidade atmosférica, com fraca dispersão desde dia 26 de novembro” [um potente bloqueio anticilónico, pouco normal para esta época do ano, que não só afasta a chuva destas latitudes, como mantém as temperaturas 5 a 6ºC mais altas do que a média], condições propícias “à acumulação de poluentes na baixa atmosfera, não se verificando, no entanto, nas estações de medição da qualidade do ar, excedência aos valores limite regulamentados para a proteção da saúde”. Desta forma, acrescenta que no que aos odores diz respeito, estes “não são regulamentados ou monitorizados na rede nacional de qualidade do ar ou a nível comunitário”.

Já a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR LVT) afirma ter “conhecimento” da situação, cujas “fontes prováveis” têm características “diversas” e podem situar-se “em locais distantes dos pontos onde são percecionadas, o que dificulta a identificação das mesmas”. “Contudo, estão a decorrer diligências para identificar a sua origem”, adianta.

Notícia atualizada às 19h02, com a resposta da CCDR LVT e da Câmara de Sintra