Uma carta aberta assinada por 12 especialistas em museus e património foi enviada ao Ministério da Cultura exprimindo indignação pela autorização da saída do país da pintura “Descida da Cruz”, e pedem “todos os esforços” para a sua aquisição.

A missiva, enviada no sábado ao ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, e à secretária de Estado da Cultura, Isabel Cordeiro, é assinada por historiadores de arte, museólogos, arqueólogos e outros especialistas da área do património, como Vítor Serrão, Raquel Henriques da Silva e Luís Raposo, que manifestam “profunda indignação” por “esta ocorrência indigna e gravemente lesiva do património português“, e foi dirigida à agência Lusa pelos subscritores esta segunda-feira.

O quadro a óleo é da autoria de Domingos Sequeira (1768-1837), um pintor português que, devido ao seu talento, conseguiu proteção aristocrática e uma bolsa para se aperfeiçoar em Roma, onde privou com vários mestres e conquistou diversos prémios académicos. O seu trabalho situa-se entre o Classicismo e o Romantismo, de um modo similar ao espanhol Francisco de Goya (1746-1828).

A saída da “Descida da Cruz” do país foi avançada a 26 de janeiro pelo semanário Expresso, indicando que estaria à venda em Madrid, “apesar dos pareceres negativos sobre a sua saída de Portugal”, após uma autorização de saída, no ano passado, segundo a notícia, por parte dos responsáveis da então Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), justificada pela “inexistência de qualquer ónus jurídico”.

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O requerimento para “exportação temporária” e “eventual venda” da obra “A Descida da Cruz”, de Domingos Sequeira, na posse do descendente do duque de Palmela Alexandre de Souza e Holstein, tinha como destino a Galeria Colnaghi, de Madrid, pelo prazo de um ano, a contar do dia 02 de novembro de 2023, sendo o valor atribuído de 1,2 milhões de euros, segundo o semanário.

Na altura, o diretor do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), Joaquim Caetano, tinha emitido um parecer negativo a este pedido de venda, defendendo a necessidade de se iniciar “de imediato, o processo de classificação da pintura como Bem de Interesse Nacional, impedindo a sua saída de território nacional”.

“Descida da Cruz” faz parte de um grupo de quatro pinturas tardias de Domingos Sequeira — com “Ascensão”, “Juízo Final” e “Adoração dos Magos”, esta última já na posse do MNAA por adquisição através de uma campanha pública — feitas durante os seus últimos anos de vida, em Roma, onde morreu em 1837.

Joaquim Caetano defendeu ainda a classificação das outras duas pinturas da mesma série, que se encontram na posse da mesma família Holstein.

Na carta aberta enviada à Lusa esta segunda-feira, especialistas como Adília Alarcão, António Filipe Pimentel, Aurora Carapinha, Jorge Custódio e José Alberto Seabra Carvalho manifestam “profunda indignação pelo comportamento do ex-diretor-geral do Património Cultural [João Carlos dos Santos] e por via dele de toda a DGPC, que, além de manifestar grave ignorância cultural, não cumpre, nem justifica o não cumprimento das claras disposições e orientações da Lei de Bases dos Museus Portugueses no que se relaciona com a exportação de bens museológicos de excecional valor cultural”.

Entendem que “esta ocorrência indigna, e gravemente lesiva do património português deve ser sujeita aos procedimentos previstos na lei para situações idênticas”, e pedem que “sejam efetivamente envidados todos os esforços no sentido que [o quadro] seja adquirido pelo Estado Português e integrado nas coleções do Museu Nacional de Arte Antiga, conforme se fundamenta no referido parecer” do diretor.

O ministro da Cultura já veio a público comentar a “lamentável falha” dos serviços da DGPC e indicar que estão em curso diligências para conhecer as condições de uma eventual compra, por proposta da Comissão de Aquisição de Bens Culturais, entidade à qual compete identificar e sinalizar as obras de arte e apresentar propostas fundamentadas.

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A Lusa pediu uma reação ao instituto Património Cultural, presidido por João Carlos dos Santos, à Museus e Monumentos de Portugal — as duas entidades resultantes da reorganização da DGPC —, e ao gabinete do ministro da Cultura, a esta carta aberta, e aguarda resposta.

Assinaram igualmente esta carta José Luís Porfírio, Maria Isabel Roque, Simonetta Luz Afonso e Paulo Ferrero. Entre os subscritores estão antigos diretores de museus e palácios nacionais, nomeadamente o Museu Nacional de Arte Antiga, e de organismos que antecederam a DGPC e os atuais Património Cultural — Instituto Público e Museus e Monumentos de Portugal EPE.

Em 2015-2016, a campanha de angariação de fundos para aquisição da tela “Adoração dos Magos” atingiu um total de 745.623,40 euros, ultrapassando largamente os 600 mil euros necessários para a aquisição, anunciados na altura.

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Esta foi a primeira campanha em Portugal de angariação de fundos para aquisição de uma obra de arte para um museu público, e contou com a contribuição de milhares de cidadãos a título individual, instituições, empresas, fundações, escolas, juntas de freguesia e câmaras municipais, cujos nomes se encontram impressos em tela, à altura da escadaria de acesso ao piso onde se encontra o quadro, no Museu Nacional de Arte Antiga.