O jogo entre o Sporting e o FC Famalicão, que estava agendado para as 18h do último sábado, não aconteceu por falta de elementos das forças de segurança no efetivo considerado necessário para a partida. Logo no domingo, o bastonário da Ordem dos Médicos disse ao jornal Público ter pedido informações, quer à Direção Nacional da PSP quer ao Ministério da Administração Interna, sobre a forma como esses elementos fundamentaram a incapacidade para cumprir o serviço: com uma autodeclaração de doença ou uma declaração médica após consulta. Ao Observador, Carlos Cortes admite, agora, que as respostas à investigação sobre possíveis baixas fraudulentas são difíceis de obter.

Para já, o bastonário recusa-se a fazer qualquer “juízo de valor” até que haja respostas sobre a forma como todos esses processos decorreram (e continuam a decorrer, uma vez que diariamente são reportados novos casos de elementos indisponíveis por motivos clínicos). Em cima da mesa está a possibilidade de terem existido declarações fraudulentas, partindo de duas hipóteses: ou com origem no próprio paciente – na eventualidade de terem sido prestadas falsas declarações sobre o estado de saúde, por exemplo, sobre os sintomas experienciados, a um suposto médico – ou da parte do médico, que passou a baixa sem que houvesse motivos clínicos comprovados que o justificassem. E ambos são difíceis de provar, admite Carlos Cortes.

Depois de ter mostrado abertura para a investigação dos casos de agentes que apresentaram baixas médicas para não cumprir serviço, o bastonário da Ordem dos Médicos refere agora ao Observador que o processo é complexo — e que obter a informação de cada processo poderá, afinal, ser mais moroso.

Caso a eventual fraude tivesse partido do próprio doente (neste caso, dos agentes), com a prestação de falsas informações, refere Carlos Cortes, o médico está protegido pelo “princípio da confiança”.

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“Se eu tenho um doente à minha frente, que me refere que passou dois ou três dias com febre e dores no corpo, eu tenho de confiar nele”, assegura Carlos Cortes. “O princípio da medicina é mesmo este: o médico confia naquilo que o doente lhe transmite.

Já se tiver acontecido o oposto, ou seja, um caso em que um médico passa uma baixa para uma doença que, na verdade, não existe — e tendo o clínico conhecimento de que era esse o caso —, tem de haver uma ordem especial para o investigar. “Os médicos não podem dizer que uma pessoa está doente quando não está. Mas, para chegar a essa conclusão, temos de explorar aspetos muito complicados, nomeadamente no que diz respeito à confidencialidade e ao segredo médico“, acrescenta.

“O sigilo é obrigatório em qualquer situação, portanto, tem de haver da parte dos tribunais, até do próprio Conselho Superior da Ordem, ordens para ser levantado o segredo médico.” Apesar de Carlos Cortes falar desta opção, refere que a possibilidade de isso acontecer é uma mera especulação. Até porque, antes, é preciso que a Direção Nacional da PSP e o Ministério Público respondam a outras questões.

A propósito da divulgação de dados clínicos, o Código Deontológico dos Médicos determina que “o segredo médico impõe-se em todas as circunstâncias, dado que resulta de um direito inalienável de todos os doentes” e que “é expressamente proibido ao médico enviar doentes para fins de diagnóstico ou terapêutica a qualquer entidade não vinculada ao segredo médico”.

Os médicos podem revelar informação clínica quando tenham recebido “consentimento do doente ou, em caso de impedimento, do seu representante legal, quando a revelação não prejudique terceiras pessoas com interesse na manutenção do segredo médico”, mas também nos casos em que isso seja “absolutamente necessário à defesa da dignidade, da honra e dos legítimos interesses do médico ou do doente, não podendo em qualquer destes casos o médico revelar mais do que o necessário, nem o podendo fazer sem prévia autorização do presidente da Ordem”.

O Código Deontológico faz ainda referência a situações em que tenha sido emitida uma intimação judicial para a obtenção de dados sobre processos clínicos: “Nos casos em que médico que nessa qualidade seja devidamente intimado como testemunha ou perito, deverá comparecer no tribunal, mas não poderá prestar declarações ou produzir depoimento sobre matéria de segredo médico, a não ser com o consentimento do doente, do seu representante legal se houver incapacidade para consentir, ou do presidente da Ordem.”

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Certa, para já, é a colaboração da Inspeção-geral das Atividades de Saúde no inquérito instaurado pela Inspeção-geral da Administração Interna, por determinação do ministro da Administração Interna. O organismo que fiscaliza a atividade no setor da saúde vai avaliar a atuação dos médicos que assinaram as baixas médicas, levando a uma ausência acima do esperado de elementos da PSP, sobretudo na última semana.

Do lado da Ordem dos Médicos, no pedido de informações enviado este domingo à PSP e ao Ministério da Administração Interna, o organismo procurou perceber qual a natureza das baixas médicas naqueles casos concretos e como é que estas tinham sido obtidas. Até esta segunda-feira à tarde, as respostas ainda não tinham chegado à Ordem dos Médicos.

Ao Observador, a Direção Nacional da PSP confirma não ter ainda conseguido apurar “qual a origem da declaração de baixa médica” dos agentes que não compareceram ao serviço para que estavam escalados para a partida de futebol em regime de serviço gratificado (ou seja, suplementar ao serviço obrigatório): se “em serviço de urgência ou passada em serviço hospitalar ou médico do setor privado”.

A direção daquela força de segurança explica que, na PSP, “não são aceites autodeclarações de doença“, requeridas através do SNS24 e com uma duração máxima de três dias. “Pelo que as baixas têm de ser atestadas por um médico”, afirmava a Direção Nacional.

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“Esta determinação decorre da aplicação do Estatuto Profissional da PSP (lei especial) aos polícias, que não pode ser revogado pelo Código do Trabalho (lei geral)”, acrescenta a entidade, dizendo ainda que os polícias “dispõem de cinco dias úteis para justificar as faltas ao serviço, período esse que também é aplicado à apresentação de comprovativos de baixa por doença”.

Também na GNR, é necessário a presença em consulta com um médico para que seja emitida uma declaração de baixa, tendo esta segunda-feira vários militares, que apresentaram o documento nos últimos dias, sido chamados para serem vistos nos centros clínicos da corporação de Lisboa e Porto.

Militares com baixa médica nos últimos dias chamados ao centro clínico da GNR