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“Por favor, vem buscar-me. Vem buscar-me.” O apelo de Hind Rajab ecoou na imprensa internacional como um dos exemplos dos problemas que os palestinianos estão a viver em Gaza. Este sábado, a menina de 5 anos foi encontrada morta no carro a partir de onde implorou, por telefone, ao Crescente Vermelho Palestiniano que a fosse buscar, rodeada pelos cadáveres de seis familiares. Os dois paramédicos que foram resgatá-la também morreram.

A criança e todos os que estavam no carro foram mortos pelo exército israelita perto da bomba de gasolina de Fares, na área de Tal Al-Hawa, a sudoeste da Cidade de Gaza, após duas semanas de um destino desconhecido devido às operações militares israelitas na área”, confirmou no sábado Khader Al Za’anoun, jornalista palestiniano da CNN, que falou com o avô da menina, Baha Hamada.

“Vou questionar perante Deus no Dia do Julgamento aqueles que ouviram os gritos de ajuda da minha filha e que não a salvaram”, lamentou Wissam Hamada, mãe da criança, citada pelo The Guardian.

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O Crescente Vermelho confirmou a morte dos dois paramédicos que se deslocaram ao local. “A ocupação atirou deliberadamente sobre a equipa do Crescente Vermelho, apesar de ter obtido coordenação prévia para permitir à ambulância que chegasse à localização para resgatar Hind”, lia-se num comunicado emitido pela associação, citado pela CNN. Ao mesmo jornal, as Forças de Defesa de Israel disseram não estar familiarizadas com o incidente e que estariam a investigá-lo.

Temos estado em pânico e medo constantes nos últimos 12 dias. Não nos foi possível enviar mais ninguém para o local, pelo que não tínhamos a certeza do que se teria passado. Questionávamo-nos se estariam mortos ou vivos”, relatou Nebal Farsakh, porta-voz do Crescente Vermelho Palestiniano, citada pelo The Guardian. “Hoje, a família de Hind chegou ao local, depois de o exército israelita se retirar, e encontraram-na dentro do carro, com a família morta ao seu lado.” Os corpos já tinham entrado em decomposição.

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Os pedidos de ajuda no carro, junto aos cadáveres dos familiares

A 29 de janeiro, Bashar, de 44 anos, e a mulher, Anam, de 43 anos, puseram os quatro filhos e a sobrinha no carro, depois de o exército israelita ter ordenado a evacuação do bairro de Tel Al Hawa, em Gaza. Pouco depois, as Forças de Defesa de Israel abriram fogo sobre o carro, matando todos os passageiros menos Layan, de 15 anos, a filha mais velha do casal, e a sobrinha, Hind, de 5 anos.

A situação foi denunciada por um familiar através de uma chamada para Crescente Vermelho Palestiniano, durante a qual relatou aquilo que lhe tinha sido transmitido por Layan. Sob fogo das Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês), as duas meninas pediam ajuda, escudando-se dos ataques entre os cadáveres dos seus familiares.

“Estão a disparar contra nós. O tanque está ao meu lado”, gritou Layan, quando, por volta das 14h30, recebeu uma chamada do Crescente Vermelho Palestiniano. “Estás escondida?”, perguntou Omar al-Qam, funcionário do organismo em Ramallah. Respondeu que sim. “Estão todos no carro?”, continua Al-Qam. Do outro lado, ouviram-se tiros e gritos. A chamada caiu ao fim de 40 segundos.

Omar al-Qam fez uma nova chamada para o mesmo número, mas desta vez quem atendeu foi a menina de 5 anos. Layan estava morta. “Já tentaste acordá-los?”, perguntou-lhe outra funcionária da associação. “Estou a dizer-te que estão mortos”, assegurou a criança, informando que o tanque que tinha assassinado a sua família estava “cada vez mais perto”. A funcionária disse-lhe para não ter medo e para se manter dentro do carro.

Rana Al Faqeh, uma das funcionárias que falou com Hind ao longo de mais de três horas entre chamadas interrompidas, recordou sobre o episódio, citada pelo El País: “As palavras que mais repetia eram ‘vem buscar-me, vem buscar-me’, ‘que horas são?’, ‘quão longe está a tua casa da minha’. Também dizia que começava a fazer-se noite e que tinha medo do escuro.”

“Tenho medo. Vem. Chama alguém para me vir buscar”, implorou Hind aos funcionários. “Querida, vou buscar-te. Um voluntário do Crescente [Vermelho] está a fazer a coordenação para que possamos ir buscar-te”, responderam-lhe, de acordo com uma transcrição da chamada, citada pelo jornal espanhol. A menina voltou a insistir. “Querida, queremos mesmo ir buscar-te, mas não está nas minhas mãos, neste momento.”

Por volta das 15 horas, o Crescente Vermelho Palestiniano conseguiu contactar o Ministério da Saúde em Ramallah para articular com o COGAT uma passagem segura de dois paramédicos enviados para o local. O Ministério da Defesa israelita confirmou ter recebido luz verde para o envio de uma ambulância.

Ela praticou vários exercícios de respiração connosco e eu fui dizendo que estaríamos com ela não tardava”, recordou o funcionário Nisreen Qawwas ao jornal norte-americano The Washigton Post, sobre o período de espera de Hind, após o envio da ambulância.

A mãe conseguiu ligar-lhe de um abrigo

Antes e depois de Layan morrer, a mãe de Hind, Wissam Hamada, conseguiu contactar a filha a partir de um abrigo. “Disse-me: ‘Mãe, estou viva. Layan converteu-se em mártir, mas eu estou viva'”, recordou em entrevista à Al Jazeera. “Diziam-me [do Crescente Vermelho] que tinha de desligar, toda a gente mo dizia, mas eu respondia que não, que queria falar com a minha filha. Recitávamos juntas o Corão e rezávamos a Deus. Quando desligava com o Crescente Vermelho, ligava-me e dizia: ‘Mamã, não me deixes sozinha, tenho fome, tenho sede e estou ferida. Disse-lhe: ‘Onde estás ferida?’. ‘Mamã, estou ferida nas mãos, nas costas e na perna’.”

Através de outra ligação, os paramédicos confirmavam que já se encontravam perto do carro, tendo sido aconselhados a moverem-se lentamente. Reportaram estar a acontecer um “tiroteio pesado”. Simultaneamente, perto das 19 horas, Hind voltou a pedir que fossem buscá-la. Ambas as chamadas caíram. Durante 12 dias, não foi possível saber o que aconteceu. Hind e os dois paramédicos foram dados como desaparecidos.

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O carro onde os tios de Hind fugiram com a sobrinha e os quatro filhos. Todos morreram

O Kia Picanto destruído

Quando, no sábado, as tropas israelitas se retiraram do local, tornou-se finalmente possível aceder ao Kia Picanto que tinha pertencido aos tios da criança. O automóvel estava cheio de balas, vidros partidos e tinha as portas dianteiras estragadas. Perto do local, estava a ambulância com os corpos de Yusuf Al-Zeino e Ahmed Al-Madhun, os paramédicos que se deslocaram ao local.

“Quando o Ministério da Saúde recebeu a luz verde, enviámos a ambulância”, relatou Nebal Farsakh, porta-voz do Crescente Vermelho Palestiniano, citada pelo jornal espanhol. “Estávamos ao telefone alternadamente com Hind e com a equipa. Ao chegar, disseram-nos que conseguiam ver o carro onde estava Hind e avisaram que estava apontado um laser à ambulância. Nesse momento, ouviram-se disparos e talvez explosões, não tínhamos a certeza do que se passava.”

Farsakh explicou que foi nessa altura que perderam a ligação com a ambulância. “Durante 12 dias, pensámos que, na pior das hipóteses, tinham sido presos e que era por isso que não tínhamos notícias deles.”

“Temos emblemas de cruz vermelha muito claros em todas as nossas ambulâncias. Isto é horrível, porque esperámos tantas horas, deixando Hind a implorar-nos, a chorar, a dizer para por favor a irmos buscar, e depois, infelizmente, apesar de termos esperado todas aquelas horas para garantirmos um acesso seguro, não tivemos um acesso seguro.”

Num comunicado emitido pela associação — e partilhado na rede social X (antigo Twitter) lê-se: “Os civis devem ser protegidos. Nenhuma criança deve alguma vez temer pela sua vida, cercada pelos corpos dos seus familiares. Que estes tenham sido potencialmente os últimos momentos de Hind é insuportável.”

O seu caso ilustra o que milhares de crianças em Gaza sentiram nos últimos quatro meses — isto devia chocar-nos a todos. O pessoal médico deve ser protegido e autorizado a conduzir com segurança o seu trabalho. Os socorristas estão a arriscar as suas vidas todos os dias para apoiarem a população de Gaza.” A associação condena ainda na nota todos os ataques a profissionais de saúde.