“A obra é importante e seria bom que ficasse em Portugal, mas não deve ser adquirida nestas condições, em que o Estado se encontra refém, pressionado por interesses comerciais especulativos”, considerou o responsável, contactado pela agência Lusa.

O quadro a óleo é da autoria de Domingos Sequeira (1768-1837) — pintor português que, devido ao seu talento, conseguiu proteção aristocrática e uma bolsa para se aperfeiçoar em Roma, onde privou com vários mestres e conquistou diversos prémios académicos — e foi autorizado a sair do país no final de 2023 pela então Direção-Geral do Património Cultural, para venda, pelos proprietários, na Galeria Colnaghi, em Madrid.

Na segunda-feira, o semanário Expresso, que noticiou a saída da obra em primeiro lugar, em janeiro, deu conta de que “Descida da Cruz” estaria a caminho da feira TEFAF, em Maastricht, que decorre em março, por aquela galeria, por 1,2 milhões de euros. A agência Lusa contactou esta galeria em Madrid, que não confirmou a presença do quadro em Maastricht.

“A APOM tem estado a acompanhar, desde o início, este processo, e tem estado a falar de forma discreta com todos os intervenientes, porque sentimos que havia aqui uma situação mal-esclarecida, e uma má articulação”, no processo que passou para as mãos da Museus e Monumentos de Portugal (MMP), sucessora da DGPC.

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A secção portuguesa do Conselho Internacional de Museus (ICOM-Portugal) manifestou na terça-feira indignação com a condução do processo que levou à saída do país do quadro e exigiu respostas ao Governo.

Anteriormente, no início de fevereiro, um grupo de 12 especialista da área do património também dirigiu uma carta aberta à tutela manifestando repúdio pela condução do processo.

Nessa altura, em resposta à missiva dos 12 especialistas, entre eles os historiadores de arte Raquel Henriques da Silva, António Filipe Pimentel e Victor Serrão, a secretária de Estado da Cultura, Isabel Cordeiro, assegurou estarem em curso “todos os esforços” para conhecer as “eventuais condições de compra” da obra.

“Nestas situações de aquisições de obras de arte e peças importantes para o património nacional, a discrição é uma mais-valia, e, infelizmente, não está a ser o ponto fulcral desta negociação”, comentou o presidente da associação fundada em 1965 com o objetivo de defender os profissionais da área da museologia e as boas práticas nos museus.

Para João Neto, “é bom que as pessoas sintam que o Estado português está preocupado e interessado em fazer boas incorporações para os museus nacionais”, mas considera que “este caso [da venda da “Descida da Cruz”] já devia ter tido um ponto final”.

“O Estado português, que afinal somos todos nós, não deve adquirir uma obra por valores que não são reais, e da maneira como está a ser pressionado. Não se deve envolver, por muito que custe a todos”, defendeu.

O presidente da APOM recordou que uma pintura do mesmo conjunto de Domingos Sequeira, “Adoração dos Magos, foi adquirida, em 2016, numa campanha pública de angariação de fundos por 600 mil euros, anunciados na altura pelos mesmos proprietários.

O presidente da APOM diz já ter manifestado anteriormente, junto do Ministério da Cultura, a necessidade de revisão da classificação de obra de arte: “Não pode existir classificação sem uma boa comunicação com os proprietários, e o Estado não pode nem tem dinheiro para classificar e adquirir tudo. Temos de criar uma diferente estratégia para saber o que é realmente importante”.

Na terça-feira, em Évora, o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva comentou o caso: “Toda esta especulação não é, certamente, interessante para ninguém, desde logo para os próprios proprietários do quadro”.

A saída da “Descida da Cruz” do país foi avançada a 26 de janeiro pelo semanário Expresso, indicando que estaria à venda em Madrid, “apesar dos pareceres negativos sobre a sua saída de Portugal”, após uma autorização de saída, justificada pela “inexistência de qualquer ónus jurídico”.