Um estudo sobre literacia no envelhecimento conclui que a transição digital na saúde está a deixar para trás a população mais velha e sugere medidas para as organizações conseguirem integrar os idosos nesta mudança.

O trabalho, coordenado pela psicóloga Tânia Gaspar de Matos e que contou com o envolvimento de entidades como o Laboratório Português de Ambientes de Trabalho Saudáveis (LABPATS), a Universidade Lusófona, a Direção Geral de Saúde e o Instituto de Saúde Ambiental/Universidade de Lisboa, pretendeu caracterizar os níveis de literacia e literacia digital da população reformada no processo de envelhecimento.

Em declarações à Lusa, Tânia Gaspar de Matos lembra a importância de digitalizar a informação, mas sublinha que é essencial que esta transformação não deixe pessoas para trás.

“Há pessoas que estão a sentir que não estão a acompanhar”, alerta a investigadora, relatando algumas respostas dadas pelos inquiridos à equipa de psicólogos que participou no estudo: “Dizem ‘hoje em dia está tudo na internet, mas as pessoas mais velhas não têm acesso a isso’ e pedem para não se olhar para os mais velhos como se soubessem tudo”.

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Tânia Gaspar de Matos destaca os ‘três pilares’ da literacia — conseguir ter acesso à informação, compreendê-la e transformar isso em tomada de decisão — e insiste: “Se não tivermos as três componentes não temos literacia”.

Sobre quem está em maior risco no acesso à informação e cuidados de saúde, o estudo aponta as mulheres, as pessoas mais velhas (81 anos ou mais), os participantes com menor escolaridade, com doença crónica, e os habitantes das regiões autónomas.

O estudo, que contou ainda com o envolvimento da Associação Portuguesa de Psicogerontologia (APP), da RUTIS — Rede de Universidades Sénior e da Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde, está incluído num trabalho mais amplo que a equipa está a desenvolver sobre a literacia ao longo da vida.

Para a recolha de dados sobre os idosos foram ouvidos 684 participantes reformados de Portugal continental e regiões autónomas, mais de metade com pelo menos uma doença crónica.

Os dados sobre os idosos, que serão divulgados esta quarta-feira, mostram que dois em cada três conseguem ter níveis moderados de literacia em saúde, mais de 30% referem dificuldades em “compreender informação sobre rastreios ou exames recomendados”, decidir como proteger-se da doença com base em informação dada através dos meios de comunicação e em “avaliar as vantagens e desvantagens de diferentes opções de tratamento”.

Mais de metade refere dificuldades em “encontrar informação para lidar com problemas de saúde mental”.

Sobre a importância da literacia em saúde, a investigadora afirma: “Grande parte das doenças crónicas são evitáveis. Se tivéssemos desenvolvido competências prévias, muitas doenças crónicas não chegavam sequer a acontecer e tinham menos impacto na vida da pessoa”.

Em relação à “e-literacia” em saúde, os resultados mostram que a maioria dos participantes não sabe quais são os recursos, como utilizar a internet, diz que não tem competências e sente dificuldade em avaliar a qualidade da informação disponível na internet. Mostra ainda falta de segurança na utilização da informação de saúde disponível na net para suportar a tomada de decisão.

“Estas pessoas mostram mais confiança na informação transmitida pelos profissionais de saúde”, afirma Tânia Gaspar de Matos, lembrando a importância de desenvolver formação específica para estes profissionais poderem apoiar os mais velhos no acesso à informação e na sua interpretação.

As pessoas que têm maiores níveis de literacia e e-literacia em saúde revelam um melhor estilo de vida relacionado com melhores hábitos de sono, alimentação, exercício físico e stress, apresentando igualmente melhores indicadores de saúde mental (bem-estar, felicidade e mais competências de gestão de stress) e menos sintomas psicológicos (ansiedade, stress e depressão).