A comunidade ortodoxa foi das que mais cresceu em Portugal nas últimas décadas, passando de 2.564 pessoas em 1981 para 60.381 em 2021, enquanto a muçulmana cresceu de 4.335 residentes no país para 36.480, segundo dados do INE.

A Lusa comparou os resultados do recenseamento geral da população residente em 1981 com os do mais recente Censos (2021) para perceber a evolução da liberdade religiosa no Portugal democrático. No Censo anterior a 1974 (1970), não era colocada a questão da pluralidade religiosa.

De acordo com os dados disponíveis para 1981, a religião protestante incluía 39.122 pessoas, havendo 59.985 respostas na categoria “outra cristã”. Em 2021, o Instituto Nacional de Estatística (INE) contabilizou 186.832 fieis da igreja protestante/evangélica, 63.609 testemunhas de Jeová e 90.948 cidadãos pertencentes a outra religião cristã.

A comunidade judaica passou de 5.493 elementos, em 1981, para 2.910, em 2021, tendo em conta a população residente no país (com 12 anos e mais em 1981 e com 15 anos e mais no Censos mais recente).

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Responderam ao inquérito de 1981 um total de 6.721.889 habitantes, dos quais 6.352.705 se identificaram como católicos. No último recenseamento, num universo de 8.781.900 respondentes, 7.043.016 disseram ser católicos.

Em 2021, havia já registo de 19.471 hindus e 16.757 budistas (sem comparação com 1981), enquanto as pessoas que se identificaram com outra religião não cristã correspondiam a um total de 24.366. Cerca de 1,2 milhões não tinha religião, contra 253.786 no início da década de 80.

As grandes religiões do mundo sempre estiveram presentes em Portugal, embora sem direitos e por vezes sujeitas a perseguição, como foi o caso dos judeus e mais tarde daquelas que se opuseram à guerra colonial e se recusaram a cumprir o serviço militar obrigatório, de que são exemplo as Testemunhas de Jeová.

Em entrevista à agência Lusa, o presidente da Comissão da Liberdade Religiosa, Vera Jardim, lembrou que, antes do 25 de Abril, muitas ordens religiosas espanholas, anglicanas, inglesas, americanas, luteranas e outras foram expulsas das colónias, tal como católicos favoráveis à independência dos territórios ultramarinos.

“Havia perseguição antes do 25 de Abril às igrejas minoritárias, sobretudo a propósito da guerra colonial, porque muitos membros das igrejas não católicas e até alguns membros da igreja católica se tinham pronunciado e eram contra a guerra colonial”, afirmou.

Embora permitidas, as igrejas minoritárias não tinham “um estatuto legal mínimo”, com direitos e deveres: “Havia várias religiões. Aliás, há religiões que estão em Portugal há 200 anos e mais”, disse.

“Os batistas, os luteranos, os judeus, desde logo, tivemos a expulsão dos judeus, mas depois tiveram inteira liberdade de culto. Essas religiões todas tinham o seu papel em Portugal e até estavam bem estabelecidas nalgumas colónias portuguesas. Tinham missões. Havia as missões católicas, que aliás eram encarregadas pelo Estado do ensino, o ensino praticamente, salvo alguns liceus existentes nas capitais de Angola, de Moçambique etc. o resto estava nas mãos de organizações religiosas da igreja católica e algumas missões não católicas e essas missões não católicas, de um modo geral, foram acusadas pelo regime e algumas expulsas”, exemplificou o ex-ministro da Justiça, que se empenhou na regulação da liberdade religiosa.

Vera Jardim enumerou também, neste plano, as Testemunhas de Jeová. “Foram bastante perseguidas pelo chamado Estado Novo, porque se recusavam a cumprir o serviço militar. Houve, aliás processos, contra vários membros das Testemunhas de Jeová, que eram uma religião minoritária e continua a ser, continua a existir”, sublinhou.

Portugal viveu sempre com a herança cultural das grandes religiões mundiais, cristãs e não cristãs, com forte presença islâmica sobretudo em Moçambique e na Guiné.

“Havia pequenas colónias judaicas que se tinham formado a partir da República e no fim da monarquia. Até à República havia uma religião oficial do Estado e só os estrangeiros é que podiam ter outras religiões, os portugueses não podiam ter outras religiões”, recordou.

As colónias inglesa e alemã foram constituindo pequenos grupos religiosos, que representavam as várias igrejas protestantes.

“Só o Marcello Caetano, em 1971, é que na chamada abertura caetanista, fez uma lei da liberdade religiosa. Pois, mas obrigava ao registo das religiões obviamente, para terem certos direitos, como existe hoje, só que nenhuma religião conseguiu inscrever-se. A lei estava feita de tal maneira que nenhuma das religiões implantadas em Portugal, os Adventistas do Sétimo Dia, por exemplo, uma religião protestante bastante conhecida e com um nível mundial, tentaram, os batistas também, mas não conseguiram. Havia pequenos grupos religiosos, mas que não conseguiram obter um estatuto jurídico mínimo e foi isso que fez a lei da liberdade religiosa” de 2001, concluiu.

Para Vera Jardim, a lei existente tem dado resposta e é considerada uma das mais liberais da Europa, embora haja aspetos a melhorar no que respeita à aplicação da legislação em ambientes fechados, como prisões e mesmo em hospitais e nas Forças Armadas.

Apesar de considerar que não é necessário rever a lei, em função do crescimento de novas comunidades, o presidente da Comissão tem alertado para a necessidade de uma maior sensibilidade para o apoio que deve ser prestado a quem é religioso, seja quando se encontra em regime de reclusão, numa unidade hospitalar ou ao serviço das Forças Armadas.

“Há leis especiais para essas situações e essas leis foram aprovadas e publicadas precisamente por imposição da lei da liberdade religiosa. E aí há falhas, continua a haver falhas” admitiu.

Comissão da Liberdade Religiosa tem sempre novos pedidos para analisar

A Comissão da Liberdade Religiosa reúne-se mensalmente e tem sempre novos pedidos para analisar sobre religiões que pretendem implantar-se em Portugal, revelou o presidente, Vera Jardim, que observa um crescimento do Islão e de grupos evangélicos.

“Todos os meses temos três, quatro processos para analisar. Continua a haver religiões que querem implantar-se em Portugal. Neste momento, há os islâmicos [que continuam a chegar], que não constituíram até agora outra comunidade [integram-se nas que já existem], não temos pedidos nesse sentido. Há um movimento de ortodoxos também relativamente importante, vindo da Europa oriental, sobretudo da Ucrânia”, disse Vera Jardim, em entrevista à Lusa, lembrando que o fluxo migratório de leste nas décadas anteriores foi intensificado com o estatuto de proteção concedido a milhares de ucranianos, devido à guerra no país invadido pela Rússia há dois anos.

Nos últimos anos, a Comissão tem observado igualmente a chegada a Portugal de muitos grupos brasileiros evangélicos, organizados em pequenos núcleos, com padres que tentam estabelecer igrejas que têm “uma expressão importante” no Brasil.

Das mais de 600 religiões que existem em Portugal atualmente, mais de 400 são evangélicas, organizadas em pequenos grupos de 60 a 70 pessoas, com “autonomia em relação às outras”, indicou Vera Jardim. Religiões com um impacto maior, com milhares de fiéis, serão 12 ou 13, estimou.

“Há um processo de registo, que é feito no registo central de pessoas coletivas religiosas. O registo, na maior parte dos casos, tem dúvidas. Pede o parecer da Comissão, isto está previsto na lei”, explicou.

Segundo o mesmo responsável, a comunidade judaica registou também um crescimento, em consequência da lei dos sefarditas, que permitiu a muitos descendentes de judeus com antepassados em Portugal pedir a nacionalidade portuguesa, no âmbito de um processo de reparação histórica, pela perseguição e expulsão deste povo.

Ainda assim, os judeus em Portugal estão representados em pequenas comunidades, de acordo com o presidente da Comissão, que estima em centenas de pessoas a comunidade de Lisboa, sendo a do Porto mais numerosa.

As grandes religiões, afiançou, estão praticamente todas representadas em Portugal. “Há religiões que são pouco conhecidas, mas que têm alguma importância universal. Os Baha´i, por exemplo, a religião Baha´i, que tem origem no Irão, tem sido muito perseguida no Irão, mas é uma religião importante, que tem expansão mundial. Nasceu no Irão, mas dada a perseguição tem-se deslocado para muitos outros países. Há esse fenómeno da perseguição religiosa”, notou o ex-ministro da Justiça.

Portugal é considerado um porto seguro para as diferentes religiões e comunidades, que há mais de 20 anos têm direitos consagrados na legislação que regulamentou os princípios da não discriminação proclamados na Constituição de 1976.

“Portugal é um exemplo, dada a lei e o bom ambiente que existe, e espero que continue a existir, entre as religiões”, advogou Vera Jardim.

Mas nem sempre foi assim. A própria lei da liberdade religiosa em vigor só surgiu em 2001, fruto de repetidas petições dirigidas à Assembleia da República pelas igrejas minoritárias.

“É evidente que a seguir ao 25 de Abril não se podia falar completamente em falta de liberdade religiosa total, não era esse o panorama. O que havia era um quadro jurídico de direitos e deveres para as religiões que não era compatível sequer com a Constituição democrática, porque não havia o mínimo de igualdade entre as várias religiões”, explicou o jurista, recordando que o próprio Concílio Vaticano II, nos anos 60, havia reconhecido a liberdade religiosa como um valor importante para a organização das sociedades, numa posição encarada como um passo revolucionário na igreja católica.

Portugal vivia entre a abertura da revolução e os velhos valores conservadores.

“Havia uma lei do Marcello Caetano, que se chamava lei da liberdade religiosa, que foi discutida e aprovada pela chamada Ala Liberal, um movimento que elegeu para a Assembleia Nacional na altura uma série de pessoas que lutaram também pela liberdade religiosa, recordo-me do Sá Carneiro, Miller Guerra, etc,”, contou Vera Jardim.

Mesmo sem perseguição, não havia “o mínimo de igualdade para as religiões minoritárias”, referiu.

Logo a seguir à revolução de 25 de Abril, foi alterada a Concordata no que diz respeito ao divórcio de pessoas casadas segundo os ritos da igreja católica, “no sentido de permitir o divórcio às pessoas que eram casadas pela igreja católica”, indicou Vera Jardim.

“Isso era um problema grave em Portugal, havia várias pessoas que tinham casado segundo a lei da igreja católica reconhecida pelo Estado português que não podiam divorciar-se, essa foi uma primeira alteração muito importante, porque havia um movimento geral de contestação a essa situação quando foi do 25 de Abril e já havia alguns princípios, além dos artigos constitucionais com respeito à liberdade religiosa, que proclamam a liberdade religiosa nos seus vários aspetos; a liberdade de consciência, a liberdade de escolha da religião, a liberdade de culto, mas havia apenas a Constituição. Aquele programa constitucional estava por cumprir. Porque não chega o artigo da Constituição, é preciso depois regulá-la, completá-la e foi isso que foi feito com a lei da liberdade religiosa”, explicou.