Aumento de benefícios fiscais, criação de vales culturais e fomento de projetos colaborativos estão entre as medidas da proposta de lei de mecenato cultural, aprovada na segunda-feira em Conselho de Ministros, para incentivar investimento de privados no setor.

A conclusão da proposta de lei e o seu envio para a nova formação parlamentar tinha sido anunciada na semana passada pelo ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, no Palácio da Ajuda, durante a sessão de assinatura de um memorando entre o Estado português e a Fundação Livraria Lello, no âmbito da aquisição do quadro “Descida da Cruz” de Domingos Sequeira (1768-1837).

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A proposta de lei sobre mecenato cultural e incentivos ao investimento na área da Cultura, a que a Lusa teve acesso, revê o quadro legislativo atual, nomeadamente ao nível do IRC, propondo que o mecenas possa optar por “usufruir de uma majoração de custos para efeitos da formação do lucro tributário” ou “benefício fiscal por meio de um mecanismo de dedução à coleta do IRC, permitindo uma perceção mais clara e imediata da poupança fiscal conseguida com o mecenato”, como descreve uma síntese de apresentação do diploma.

A proposta prevê o aumento para 1,5% da atual dedução da base tributável do volume de negócios, que se fixa num máximo de 0,8%, alargando os limites dos benefícios fiscais “em especial para o mecenato de longo prazo ou para o mecenato realizado por micro e pequenas empresas”.

Permite ainda, “em caso de opção pela dedução à coleta”, que quando esta não puder “ser efetuada integralmente num só período de tributação por insuficiência de coleta, possa sê-lo nas liquidações dos dez períodos de tributação seguintes”.

Propõe-se igualmente, no diploma, a criação do vale cultural, à semelhança dos já existentes “vale infância” e “vale educação”, fornecidos pelas empresas para os trabalhadores, considerados como encargos dedutíveis em IRC, e rendimentos não tributados em sede de IRS para os trabalhadores.

Para aumentar a visibilidade do mecenato cultural, está prevista a inscrição, na página online do Gabinete de Estratégia, Planeamento e Avaliação Culturais (GEPAC), uma listagem permanentemente atualizada dos maiores mecenas, ou seja, aqueles que aprovem apoios mecenáticos de valor superior a 100 mil euros por ano, com exclusão dos que queiram manter o anonimato, e “obrigar as entidades beneficiárias que recebam apoios superiores” àquele montante, “a colocarem nas suas comunicações externas um logótipo alusivo ao mecenato” recebido.

Por outro lado, o diploma inclui um estímulo fiscal temporário à aquisição de obras originais de artistas vivos, uma área da cultura “com maior deficit de investimento privado, face ao seu elevado risco”, com um benefício fiscal “de natureza estritamente temporária”, possibilitando que o montante gasto possa ser deduzido em cinco anos, a 20% ao ano, com algumas condições da fruição das peças ao público.

“Inspirado por incentivos fiscais de natureza semelhante em vigor no Reino Unido, ao abrigo deste novo incentivo fiscal permite-se que as empresas possam deduzir como gasto fiscal, em partes iguais, no ano de aquisição e nos quatro anos de exercício seguintes, o custo de aquisição de obras originais de artistas vivos, atendendo a que se tratam de ativos não depreciáveis, contando que, durante esse período, a obra seja afixada num local acessível ao público (integrante da Rede Portuguesa de Museus ou da Rede Portuguesa de Arte Contemporânea) e sejam apenas eventualmente revendidos passado esse período”, descreve uma síntese do diploma.

A proposta de diploma prevê ainda o “alargamento das situações de dispensa de necessidade de comunicação prévia para a exportação e expedição de certos bens culturais móveis”, nomeadamente “obras que sejam propriedade do respetivo autor, independentemente da sua antiguidade e de a exportação ou a expedição ser promovida pelo próprio ou por um seu representante”, e “bens culturais, com antiguidade inferior a 100 anos e desde que o seu valor não exceda os limiares financeiros” previstos no regulamento europeu sobre exportação de bens culturais (Regulamento CE 116/2009 – Anexo 1).

Na última semana, o ministro da Cultura tinha indicado que o diploma resulta da auscultação de um vasto número de entidades, como fundações, grandes mecenas, teatros nacionais, promotores privados, estruturas representativas da cultura e colecionadores.

Numa carta dirigida esta segunda-feira às entidades auscultadas, a que a Lusa teve acesso, Pedro Adão e Silva considera que “o país tem um escasso envolvimento do setor privado no financiamento do setor da cultura”, agradece a colaboração prestada sobre o tema, e refere que o diploma aprovado em Conselho de Ministros irá ser enviado ao novo parlamento.

“O diploma consolida, clarifica e simplifica um conjunto de procedimentos e de práticas associadas ao mecenato cultural, aprofunda e diversifica os incentivos fiscais ao mecenato, e introduz um conjunto de mecanismos inovadores para mobilizar mais recursos de forma transversal para a cultura”, explica o ministro cessante, na missiva sobre as mudanças propostas à lei atual.