Após a chamada para o 112, às 3h01 desta segunda-feira, a equipa da 3.ª Divisão da Polícia de Segurança Pública (PSP) demorou cerca de três minutos a chegar ao prédio onde um agente daquela força de segurança baleou mortalmente o homem que alegadamente o sequestrou e tentou assaltar. Já a Polícia Judiciária (PJ), sabe o Observador, só foi acionada mais de duas horas depois. Sem confirmar oficialmente esse intervalo entre a primeira chamada, para a linha de urgências, e s segunda, para o piquete da PJ, a PSP considera, ainda assim, que essa seria uma demora necessária para “responder à ocorrência” e realizar todas “as diligências urgentes para preservar o local”.

Nessa madrugada, um morador de um dos prédios do Montepio da PSP de Lisboa da Rua Actriz Maria Matos, em Benfica, foi acordado por um pedido de socorro do agente do Corpo de Segurança Pessoal da Unidade Especial: “Ajuda-me! Fui assaltado”, terá dito, após o disparo fatal, que não foi detetado por ninguém a não ser pela cadela de um dos moradores do prédio, revelou ao Observador um dos vizinhos.

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Após ter ouvido o “grito” de desespero, o vizinho ter-se-á apressado a ligar para o 112, tendo os polícias de serviço chegado às 3h04. Já o piquete da PJ, sabe o Observador, só foi acionado às 5h10, duas horas após a chegada da PSP ao local.

Contactada pelo Observador, a Direção Nacional da PSP não confirma a hora em que transmitiu as primeiras informações à PJ, mas diz ter respondido “à ocorrência” e efetuado “as diligências necessárias e urgentes para preservação do local da ocorrência” até fazer a chamada para o órgão de polícia criminal competente para investigar um caso que envolvia o uso de uma arma de fogo e uma morte.

A Direção Nacional adianta ainda que “foram acionados os meios policiais necessários […], nomeadamente polícias da Divisão Policial da área (3.ª Divisão) e da Divisão de Investigação Criminal”, para fazer a “ativação dos meios de socorro, criação de perímetro de segurança, interceção de eventuais suspeitos e comunicação ao órgão de polícia criminal competente para a ulterior investigação” — neste caso, a PJ.

A “interceção de eventuais suspeitos” surge, de acordo com a informação disponível até ao momento, a propósito de uma mulher que seria cúmplice do assaltante, de acordo com a versão apresentada pelo autor do disparo, que continuava dentro do carro estacionado junto ao prédio, quando a equipa da PSP chegou e a deteve. Esta quarta-feira, aliás, a mulher ficou em prisão preventiva, por estar fortemente indiciada pelos crimes de sequestro e roubo.

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O Observador também contactou a Polícia Judiciária para esclarecer as questões relacionadas com o tempo que demorou até os inspetores de serviço naquela noite serem informados do caso. Na resposta, a PJ indicou que essas informações fazem parte da investigação e estão em segredo de justiça.

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Tudo terá começado às duas da manhã, numa estrada em Algés. O agente do Corpo de Segurança Pessoal da PSP terá parado o carro num semáforo, tendo nesse momento sido abordado por um homem que carregava uma arma de fogo, revelou ao Observador fonte oficial da Polícia Judiciária, na segunda-feira.

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O suspeito, A.P., terá depois entrado no carro do agente, “obrigando-o a conduzir para um descampado”, onde à sua espera estaria um outro carro, um BMW cinzento, com uma mulher sentada ao volante.

Nesse momento, os dois alegados assaltantes terão obrigado a “vítima a entrar [nesse carro] e à posteriori a deslocar-se a um multibanco e de seguida à sua residência”, informou a PSP em comunicado enviado às redações na segunda-feira, baseando-se na versão do seu agente.

Contudo, após questionada sobre a ordem para ir à caixa multibanco, fonte da PJ, que tem agora a investigação em mãos, disse não ter informação relativa a esse assunto.

Chegados à casa do agente, na Rua Actriz Maria Matos, o suspeito do assalto terá subido com o homem, tendo a mulher ficado a “aguardar (…) no exterior da residência”.

No interior da casa, o polícia terá pegado na arma de serviço que tinha guardada e disparado sobre o alegado autor do assalto, tendo alertado que era polícia antes de atingir mortalmente o suspeito na zona do peito.

Naquela rua pouco, se sabe sobre o que aconteceu dentro da casa do agente da PSP ou sobre a viagem entre Algés e Benfica. No entanto, os vizinhos que conhecem o agente visado e que admitem saber parte da história desmentem alguns dos pormenores noticiados.

“Fala-se [nas notícias] numa emboscada. Como assim? A pessoa está a ser assaltada e faz uma emboscada ao assaltante?”, questiona um vizinho do prédio ao Observador, assegurando que, na versão que conhece da história, o polícia não atraiu os suspeitos até casa para matar um deles.

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“Os outros é que o obrigaram a vir para cá”, segundo lhe contaram. “Ele até disse que tinha a filha em casa para ver se lhes tocava no coração, mas eles não quiseram saber”, adianta. A verdade é que tanto a filha como a mulher do agente estavam de férias. Tinham ido à terra, no norte do país, passar a Páscoa.

Desde a madrugada de segunda-feira que mais ninguém do prédio se cruzou com o agente, tendo alguns moradores revelado ao Observador que já antes havia pouco contacto com o polícia, visto não terem turnos coincidentes.

Quem o conhece, descreve-o como uma “pessoa muito reservada”, que fala quando necessário, mas que não conversa sobre detalhes da vida privada, e uma “pessoa super tranquila”, que não costuma levar pessoas de fora do seu círculo para casa