O contexto era diferente, o momento surgia de forma distinta, os argumentos e características das equipas também tinham poucos pontos de contacto. Ainda assim, havia algo que unia Arsenal e Bayern numa ideia: desafiar a cultura do “quase”. Um quase que andou a adiar a chegada dos ingleses aos quartos da Liga dos Campeões durante 14 anos, um quase que continua a adiar uma redenção dos alemães na presente época onde há uma espécie de lei de Murphy onde tudo o que podia correr mal, corre ainda pior. Até em situações no Campeonato diametralmente opostas, com os gunners a dependerem apenas de si para chegarem ao título que foge há 20 anos e os bávaros a saberem que é uma questão de tempo até perderem a série de mais de uma década de triunfos consecutivos para o Bayer Leverkusen, esta eliminatória era mais do que uma mera eliminatória que podia marcar o resto da temporada para o bem ou para o mal – e sem margens de erro.

“O futebol é um ambiente competitivo e é difícil ser consistente, aquilo que está a acontecer com o Bayern esta época pode acontecer a qualquer um. Mas eles são uma equipa de topo e eu sou um grande admirador de Thomas Tuchel. A forma como ele monta as equipas, a forma como jogam, a forma como comunicam… Aprendi muito com ele quando esteve em Inglaterra e olho para eles como uma equipa de topo. Derrotas pesadas nos jogos entre o Arsenal e o Bayern? É outra coisa que não me diz muito, que faz parte do passado. Quando olhamos para a história deles nesta competição, é clara. Temos de provar de novo aquilo que somos capazes de fazer, isso é certo”, salientara Mikel Arteta na antevisão ao encontro com o Bayern no Emirates, passando ao lado do momento dos alemães e também da desvantagem no confronto histórico.

Pepe, o gigante que ficou a 11 metros de um céu que fez por merecer (a crónica do Arsenal-FC Porto)

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“Apesar de tudo, a época não está perdida. As críticas são merecidas depois de termos perdido na Taça [da Alemanha] e de não irmos ganhar o Campeonato. Isso é um facto. Aceitamos as críticas, não tivemos a paixão e a fome na Bundesliga que esperaríamos de nós próprios. Na Liga dos Campeões, temos jogado num nível muito alto até agora. Atingimos o nosso objetivo mínimo. Muitas equipas grandes não chegaram aos quartos. Agora temos de jogar ao mesmo nível porque, nesta fase, o Arsenal é a melhor equipa da Premier. Todos os dados mostram isso, eles têm dados incríveis na Liga dos Campeões também. Eles estão em ótima forma. Será um grande teste para nós”, apontara Thomas Tuchel, treinador que vai deixar o clube no final da temporada e que voltava a Londres depois de se sagrar campeão europeu em 2021 ao serviço do Chelsea.

Se há maldição, não é de Kane: Bayern consegue reviravolta frente à Lazio com 33.º golo em 33 jogos do inglês (que nunca ganhou nada)

Apesar desse regresso, havia outro que chamava mais a atenção: Harry Kane. O mítico capitão do Tottenham trocou a Premier League pela Bundesliga em busca da única coisa que lhe faltava no mundo do futebol entre tantos recordes de golos mas nem assim chegou aos tais títulos desejados. Nem na Supertaça, nem na Taça, nem no Campeonato. Sobrava a Liga dos Campeões para fugir a essa maldição, com esse passado de 51 golos em dérbis de Londres e 14 em encontros frente aos gunners, clube que chegou a representar por um período curto de tempo antes de ser dispensado por ser um miúdo “um bocado gordito e sem grandes características atléticas”. “Ele era encantador mas achávamos que não tinha o suficiente para ser um jogador profissional. Estávamos totalmente equivocados, claro, mas não tínhamos uma bola de cristal…”, admitiu o número 2 da Academia do Arsenal nessa altura, Roy Massey, numa entrevista ao TalkSport.

Como parecia estar escrito, Kane marcou no regresso a Inglaterra e o Bayern conseguiu deixar uma imagem totalmente diferente daquela que tinha ficado na segunda parte da última partida com o Heidenheim em que permitiu uma reviravolta de 0-2 para 3-2 apesar da entrada a tremer bem aproveitada pelo Arsenal. Ainda assim, e com tudo em aberto para a Allianz Arena, aquilo que mais fica é a prova de como o FC Porto merecia mais na eliminatória com os gunners, uma das equipas que mais facilidade tem em marcar golos.

Apesar de Arteta passar ao lado do momento que o Bayern atravessa, as indicações foram claras em relação ao tipo de entrada exigida ao Arsenal: a pressionar, a jogar no meio-campo adversário, a “massacrar” a saída dos germânicos, a tentar de tudo para chegar ao primeiro golo. Conseguiu. Gabriel Martinelli teve um aviso inicial num remate que passou perto da baliza de Manuel Neuer após uma recuperação de Saka em zona adiantada (7′) mas esse 1-0 não demoraria a chegar, com Saka a entrar em terrenos mais por dentro e a atirar em arco para a vantagem dos londrinos celebrada em euforia no Emirates (12′). As coisas pareciam até fáceis e foi esse facilitismo que traiu a formação inglesa, que viu o Bayern dar uma primeira amostra daquilo que consegue ser (e não daquilo que é) numa saída rápida para o ataque entre movimentos de rutura que terminou com a assistência de Goretzka para o empate no centro da área de Gnabry (18′).

Se o Arsenal tinha condições para agarrar no jogo e cavalgar em cima da vantagem, a reação do Bayern foi deixando a equipa da casa no plano que mais favorecia aos germânicos: a incerteza. A pressão não estava a sair da mesma forma, o jogo entre linhas ia desaparecendo, as transições defensivas continuavam a falhar e a isso juntaram-se ainda os erros individuais, com Saliba a ter uma abordagem mal calculada na área depois de uma entrada na área de Leroy Sané para uma grande penalidade convertida com grande frieza por Harry Kane (32′). Estava feita a reviravolta no Emirates, que só não complicou ainda mais a situação porque o mesmo Sané teve mais uma saída rápida para o ataque mas não conseguiu rematar quando chegou à área.

O segundo tempo começou numa toada diferente, com o Bayern a mostrar o conforto de estar em vantagem num dia mais semelhante à qualidade que tem do que aquele que passou no sábado com o Heidenheim e o Arsenal a não ter os mesmos argumentos para causar perigo junto da baliza contrária. Aí, Arteta mexeu e o encontro voltou a mudar: Gabriel Jesus e Trossard mexeram com o jogo, deram outro ímpeto ofensivo aos londrinos e conseguiram mesmo trabalhar numa jogada que terminou com o empate do belga (76′) que deixava tudo em aberto para 15 minutos finais frenéticos, com uma bola no poste de Kingsley Coman a fechar e uma grande penalidade reclamada por Saka na último lance que não conseguiram desfazer o 2-2.