A escalada de tensão no Médio Oriente acabou por se concretizar no sequestro de um navio e de toda a sua tripulação. Depois de dias de avisos por parte dos Estados Unidos de que poderia estar para breve um ataque do Irão a Israel, eis que um cargueiro pertencente a um armador israelita — e com bandeira portuguesa — foi sequestrado no estreito de Ormuz.

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O MSC Aries foi intercetado por um helicóptero que se assemelha aos usados pela Guarda Revolucionária do Irão, notou a Associated Press. Pouco depois, a agência noticiosa do Irão confirmava o sequestro de um navio “estrangeiro com ligações ao regime sionista”, indiciando que Teerão poderá estar por trás do sequestro do cargueiro e da tripulação de 25 pessoas (entre elas 17 indianos, um russo, um estónio e alguns paquistaneses).

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As diplomacias portuguesa e indiana apressaram-se a dar conta de que estão em contacto com o Irão e de que exigem a libertação dos reféns e a devolução do navio à empresa que o detém. Mas será assim tão simples? Como foram resolvidos no passado outros sequestros de navios?

A pirataria somali, resolvida com pagamentos de resgates ou operações militares

Muitos dos casos de navios sequestrados na História recente estão relacionados com pirataria levada a cabo por grupos criminosos, com um propósito bastante diferente deste caso do MSC Aries — que, ao que tudo indica, terá sido sequestrado por questões políticas.

Ao longo das últimas décadas, a pirataria somali foi responsável pela maioria deste tipo de ataques. Um dos casos mais mediatizados foi o do sequestro do Maersk Alabama, em 2009, que acabou por ser recriado no filme de Hollywood Captain Phillips, com o ator Tom Hanks. Ao contrário do que acontecia frequentemente nos casos de pirataria da Somália, em que os armeiros acabavam por pagar os resgates para libertar os tripulantes, o caso do Maersk Alabama terminou com uma operação dos fuzileiros norte-americanos, que mataram a maioria dos piratas e resgataram os reféns.

A pirataria somali tem diminuído ao longo dos últimos anos. No final de 2023, contudo, houve um novo incidente, quando o cargueiro MV Ruen foi sequestrado no Mar Arábico. Os tripulantes acabaram por ser resgatados por uma operação da Marinha indiana, que deteve os piratas. Estes começaram a ser julgados em Bombaim há menos de um mês.

Três meses depois de ser sequestrado pelos houthis, o Galaxay Leader continua no Iémen

Estes casos de pirataria marítima são, contudo, bastante diferentes do que aconteceu este sábado, já que o sequestro não terá sido levado a cabo por um grupo de criminosos, mas sim por um Estado. Isso significa que é mais difícil levar a cabo uma operação militar para resgatar o cargueiro e a tripulação, já que isso poderia levar a um conflito aberto com Teerão.

O caso mais recente semelhante ao do MSC Aries foi o do sequestro do navio Galaxy Leader, em dezembro do ano passado, pelos houthis — grupo próximo do Irão que controla atualmente o Iémen — no Mar Vermelho. Também aqui, o sequestro teve objetivos políticos, com os houthis a invocarem a guerra em Gaza como justificação para sequestrar um navio pertencente em parte a um empresário israelita (embora a empresa responsável pelo navio seja japonesa).

Mar Vermelho. De olhos na situação no Iémen, os Houthis usam Gaza e perturbam o comércio mundial

O que aconteceu com o Galaxy Leader desde então mostra que pode ser difícil a diplomacia internacional conseguir salvar a tripulação do MSC Aries. À altura, o governo do Japão pediu ajuda a Arábia Saudita, Omã e Irão para negociar com os houthis e conseguir assegurar pelo menos a libertação dos reféns — 17 filipinos, três ucranianos, dois búlgaros, dois mexicanos e um romeno.

Mas o caso caiu entretanto no esquecimento. E, três meses depois, a CNN noticiava que os reféns e a embarcação continuavam no Iémen, sem perspetivas de virem a ser libertados brevemente. “Aquilo que ouvimos dos houthis é que eles vão continuar a guardar o navio e a tripulação até acabarem as hostilidades em Gaza”, contou ao canal norte-americano o responsável filipino que tem participado nas negociações, Eduardo de Vega.

Agora, neste caso, o Irão também pode exercer o mesmo braço-de-ferro e manter sob o seu controlo o MSC Aries e a sua tripulação. Este domingo, o embaixador português em Teerão irá encontrar-se com o responsável da diplomacia iraniana. O ministro dos Negócios Estrangeiros português, Paulo Rangel, não excluiu a possibilidade de adotar outras medidas diplomáticas, que poderão “culminar no chamar do embaixador iraniano em Lisboa [para dar] explicações no Ministério dos Negócios Estrangeiros”. Se isso teria impacto na libertação do navio e da tripulação, é algo que ainda não é possível saber.