Depois de Mar Atividário de Ricardo Henriques e André Letria (2012), Verdade?! de Bernardo P. Carvalho (2015), Barriga de Baleia de António Jorge Gonçalves (2017), Os Peixes que Fugiram da História de Maria João Freitas e Mariana Rio e Pequeno e Precioso: O Cavalo-Marinho de Joana Bértholo e Mariana Malhão (2021), a editora Pato Lógico lança este livro de Judite Canha Fernandes e Yara Kono, insistindo na literacia ambiental dos seus leitores de palmo e meio ou já de dois palmos e tanto. Nunca é de mais, de facto, dar aviso — sob todas as formas abertas pela imaginação — às gerações do futuro sobre o estado atual do mundo e o que cada um de nós pode e deve fazer para travar a corrida desenfreada para o suicídio planetário. Não é lícito dizer “quem cá estiver para ver que se amanhe”. A prodigiosa maravilha de ecossistemas complexos em que a vida humana se inseriu — e ela própria — merece muito mais que isso.

Mostrar que gestos e boas práticas no quotidiano, por pequenas que sejam ou aparentem ser, são a quota-parte individual de cada um como parcela duma solução, conservadora e revolucionária ao mesmo tempo, que nunca chegará apenas por virtuosa porém improvável habilidade de autarquias, governos e instituições internacionais, é dizer, e bem, que estamos diante de um enorme imbróglio que todos interpela e desafia. Explicar o que se passa de forma clara e com dados atualizados já é algum caminho andado para se alcançar uma literacia ambiental tão precoce quanto possível. E o tema oceano, ou mar, pela fácil, imediata perceção que em qualquer ponto do globo é dada pela sua fluidez ininterrupta afigura-se como o mais sugestivo e adequado para transmitir o carácter global da urgência climática. “Alguma vez pensaste que a saúde do planeta depende da saúde dos oceanos? Além de ser fundamental para a regulação do clima e do cuclo da água, os oceanos também são muito importantes na produção de oxigénio e na absorção de gases com efeito de estufa, nomeadamente o carbono. Metade do oxigénio do planeta é produzido pelos oceanos”, lê-se a dado momento.


Título: “Talassa. O Mar afinal não é azul”
Texto: Judite Canha Fernandes
Ilustrações: Yara Kono
Editor: Pato Lógico, Imprensa Nacional e Aquário Vasco da Gama
Páginas: 48

Judite Canha Fernandes escolheu abordar o tema imaginando uma Grande Reunião dos Oceanos para discutir tudo isto, exibindo diferenças de carácter ou de humor entre eles, mas o que fica é um discurso dum só com variantes que têm como finalidade cativar a atenção — diria mesmo a perplexidade — dos pequenos leitores para o que vai sendo dito, e vai explicado ou desenvolvido em breves mas elucidativas didascálias, à maneira de verbetes de dicionário ou enciclopédia, quer ao longo livro quer já no fim, como “bolas de Neptuno”, “Fitoplâncton”, “Redes de arrasto”, “Antropoceno”, “Efeito de Coriolis”, e outras, como “Peixe-lua”, “Baleia-de-bossa” e “Peixe-diabo-negro”. Surge então, de repente, Círia, uma menina de 7 anos nascida em Santa Maria, Açores, sabichona da história dos oceanos, que saiu a plantar ilhas, corais, plantas e filoplâncton e foi dar, já perdida, à Terra Nova, intrometendo-se no fórum dos irmãos oceanos (“Uma humana! Não estávamos nada à espera!”). E com ela aparece o Tempo — Cronos, na figura duma ursa-polar (“Nós também estamos a desaparecer). A conclusão é pragmática e pró-ativa, como convém: a dupla página que informa sobre “O que se está a fazer” e “O que podes fazer” (dez coisas, que “podes fazer tu” ou “podes propor ou conversar com a família”).

E uma vez que, logo depois, o programa educativo Geração Azul é invocado, cabe perguntar porque é que livros como este — e não apenas este, obviamente — não são adaptados aos sistemas audiovisuais das salas de aula no primeiro e segundo ciclos, generalizando a literacia ambiental, em particular esse “O que podes fazer” tão indispensável ao bom regulamento dos dias de amanhã? Para isso apontam, aliás, a capa e sobrecapa que, abertas, se desdobram em mapas-síntese de bom efeito pedagógico. Até quando se esperará para que estes temas sejam introduzidos como prioridade na instrução e ilustração dos pequenos portugueses, para que os comecem a ter em devida conta nos seus gestos diários? País atlântico, estamos desde o início fortemente condicionados pela nossa condição marítima, que agora tem desafios de alcance imprevisível, para os quais conviria estarmos minimanente preparados. Um pequeno esforço, portugueses!

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