Enviado especial do Observador em Paris, França

Pode um encontro da segunda ronda do quadro de singulares masculinos de ténis tornar-se “o” momento de todos os Jogos Olímpicos? Muito improvável. Mas sim, pode. As cinco finais de Simone Biles, as principais decisões em falta na natação e o arranque do atletismo têm potencial para igualar um capítulo que pode ficar na história do desporto mundial mas nada bate um encontro entre Rafa Nadal e Novak Djokovic no Philippe Chatrier, o principal court do complexo de Roland Garros. Ninguém pode ainda dar essa garantia mas este poderia ser o 60.º e último encontro de uma rivalidade que superou todos os recordes a nível de duelos e de longevidade. Na melhor das conjugações cósmicas, o espanhol ainda pode tentar gerir a condição para arriscar por uma última vez fazer o Major francês mas nem isso estará assegurado – e vai ser difícil…

Até agora, falávamos de dois dos melhores jogadores de todos os tempos que já tinham um total de 59 vezes desde 2006, altura em que se encontraram nos quartos de Roland Garros com vitória de Nadal por lesão de Djokovic. No primeiro e no último até aqui, ambos em Paris, o espanhol levou a melhor; no confronto total, o sérvio tinha mais um triunfo, 30-29. Aliás, havia algo quase “poético” para aqueles que gostam de números redondos: era o jogo 60, contra 50 entre Djokovic e Federer e 40 entre Nadal e Federer, e podia empatar as contas a 30 no número de triunfos. Também nas finais havia um ligeiro ascendente para o balcânico (15-13) mas aquilo que todos valorizavam no Philippe Chatrier eram os títulos que estavam ali em baixo no court entre dois jogadores: 190, com 98 do sérvio e 92 do espanhol. Era história. Simplesmente, história.

História com a simbologia de que o tempo não volta para trás. É pena. No caso destes ícones, o tempo devia mesmo ter parado. Nadal não joga como jogou, Djokovic estando mais solto para lá caminha mas enchem um court, um complexo, uma cidade ou o mundo só com a sua presença. Aquela que foi tantas vezes a final podia ser o final e ninguém parecia querer acreditar nessa realidade. Aliás, a mesma só aconteceu porque aquele jogador de camisola vermelha e amarela, fita branca na cabeça e fita adesiva por tudo o que era sítio de 38 anos recusou desistir do quadro de singulares. Ponderou, por questões físicas, conversou com os médicos e a restante equipa, sentiu-se bem e foi à luta contra Marton Fucsovics. Ganhou em três sets, sabendo que iria desafiar aquilo que talvez já não conseguisse em termos físicos: desafiar Djokovic. Não teve medo, tentou.

Uma lenda não tem idade, duas menos ainda – embora seja percetível que os 38 anos de Nadal pesam mais do que os 37 de Djokovic. Ainda assim, a grandeza não tem tempo e encontra sempre o seu espaço.

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“Obrigado Paris, obrigado França. Todos sabem que amo esta cidade”, foi repetindo o maiorquino depois do triunfo inicial nos singulares que antecedeu outro nos pares. “Espero aproveitar agora o próximo encontro. Apetece-me apenas aproveitar. Ainda que não sabia realmente a que nível posso chegar com o meu jogo, vou tentar criar problemas ao Djokovic. É muito incerto o que se possa passar, até porque são os Jogos e estamos mais habituados a jogar finais, mas se a inspiração vier, estarei preparado”, explicou o jogador que na última semana foi derrotado na decisão do Open de Bastad, na Suécia, pelo português Nuno Borges. Se é verdade que os espanhóis sempre apontaram mais a uma medalha nos pares do que nos singulares a Rafa Nadal, esta é a sua eterna casa, onde em qualquer condição nunca é de excluir uma possível redenção.

No caso de Djokovic, a história nos Jogos Olímpicos era outra. Inacabada mas outra. O sérvio foi operado ao joelho depois da última edição de Roland Garros, onde não chegou a entrar em campo pela lesão no menisco nos quartos, mostrou que está em condições em Wimbledon apesar da derrota expressiva na final com Carlos Alcaraz (e de continuar a jogar com uma proteção na zona afetada) e queria agora vingar uma das desilusões mais marcantes dos últimos tempos quando “abdicou” de preparar-se para o US Open onde poderia fazer o Grand Slam depois dos triunfos na Austrália, em Roland Garros e em Wimbledon, apostou nos Jogos de Tóquio-2020 mas acabou sem a medalha desejada. O sérvio não exclui Los Angeles-2028 mas esta poderia ser a última oportunidade de fazer o que só Andre Agassi, Steffi Graf ou Serena Williams alcançaram.

Djokovic, que antes do jogo de Swiatek esteve no Philippe Chartrier menos de uma hora com um parceiro que era canhoto, seria sempre favorito à vitória, nunca ninguém colocou isso em causa. Questão? Com Nadal, há uma esperança quase inconsciente de que a Fénix renasça das cinzas como tantas vezes aconteceu ao longo de duas décadas. Quem entrou no court foi o jogador Rafa e a memória Nadal, duas figuras numa só que fizeram recordar o maior Super Homem do ténis no local que será sempre seu por direito próprio. Aliás, se dúvidas houvessem de que o herói existe, bastava ver aqueles 15 minutos em que conseguiu reabrir o segundo set para se perceber que um jogo com o espanhol é sempre uma caixa de Pandora pronta a abrir. Não chegou. Agora, sobra a versão mais humana que apaixona tanto ou mais do que o extraterrestre que ganhou 14 vezes Roland Garros e é o segundo com mais Grand Slams atrás do sérvio. As lendas são eternas.

A entrada em campo dos dois jogadores trouxe a primeira ovação, a escolha de campo deu o primeiro grande momento da tarde quando ambos se juntaram na rede para a habitual foto da praxe que deixou tudo e todos em delírio pelo que estava prestes a começar (sendo que, a título de curiosidade, o espanhol deixou que fosse o sérvio a escolher a cor da moeda por uma questão de cortesia). O calor começava a fazer-se sentir nas duas principais bancadas, havia uma pequena brisa nas zonas que estavam à sombra, começavam a sair cá para fora os leques. Eram às dezenas, quase tantos como as bandeiras espalhadas pelas quatro bancadas do court Philippe Chatrier. Sobre o jogo, o break inicial de Djokovic começou a ler a sentença do set inicial.

Enquanto atrás de nós se iam ouvindo os protestos de alguns jornalistas por já não haver mais lugares na bancada de imprensa (e a certa altura não eram alguns, eram mesmo dezenas que estavam no corredor de acesso), houve mais choros de duas crianças mais pequenas que estavam no campo do que aquele “Vamos” de Rafa Nadal. Havia um entusiasmo maior quando os constantes gritos do espanhol após a pancada eram pela força e não pelo esforço mas as forças estavam desequilibradas. Se no jogo inicial o maiorquino levou o sérvio às vantagens, a partir daí foi-se rendendo sem render às evidências de quem quer mas não consegue mais até uma derrota pesada no parcial inicial por 6-1 que o levou a abanar a cabeça até ao banco.

As subidas à rede eram autênticos hinos ao ténis, daqueles que começam a levantar o ruído nas bancadas, que não desconcentram os jogadores e que acabam com os melhores pontos do jogo. Era aqui também que se via o respeito entre os dois jogadores, com quem perdia a levantar o polegar ou aplaudir com a raquete para o outro lado. Nadal e Djokovic sempre foram assim, mesmo que um tenho mais fama e proveito disso.

O segundo set trouxe mais Nadal nas bancadas e o mesmo ao menos no court. Depois da grande festa com milhares de pessoas a dançar de bandeiras no ar ao som de “Sweet Caroline”, Djokovic voltou a quebrar logo o serviço ao espanhol e confirmou o break com o 2-0, deixando o encontro bem encaminhado. Encaminhado mas não fechado. Por alguns minutos, o espanhol voltou a vestir a capa de Super Homem e mostrou aos mais novos aquilo que o define como jogador, como pessoa e como lenda: com as bancadas já em quase maioria do seu lado, conseguiu concretizar o primeiro break que teve no jogo, segurou depois o seu serviço e fez mais um break com tudo em delírio. Durante 15 minutos, Nadal mostrou o que construiu em mais de 15 anos. Mas do outro estava Djokovic, que mostrou nos minutos seguintes o porquê de ser… Djokovic.

Ser Djokovic é ter a capacidade de perder por alguns momentos o controlo de um jogo que era seu e ir logo de seguida fazer o break na melhor fase do adversário. Ser Djokovic é retomar o trilho da vitória num jogo sem esquecer a maneira como as bancadas estavam a tentar empurrar Nadal para a vitória, quebrando por breves momentos um comportamento sempre tranquilo para colocar a mão na orelha após fazer o 5-4 e ouvir o maior (bem, na verdade o único) coro de assobios do encontro. Ser Djokovic é ganhar a oportunidade de fechar um encontro no seu serviço e não falhar, fazendo o 6-4. A festa era do sérvio e dos sérvios, os louros iam para o espanhol e para todos: apesar de ter perdido, Nadal recebeu “a” ovação da tarde, maior do que um Djokovic mais calmo, com três bolas assinadas distribuídas pelo público e dois ou três autógrafos dados. Mesmo sendo o jogador com mais Grand Slams, há coisas que os números não “compram”.