A gravata era azul e tinha pequenos elefantes dourados. Mario Conde usava-a em todas as ocasiões em que considerava necessitar de sorte. O acessório-talismã terá ajudado o antigo banqueiro a protagonizar uma rápida ascensão, nos anos 1980. Primeiro, para chegar a principal acionista do Banesto, aquele que era, na época, um dos maiores bancos privados do mercado espanhol. Depois, com 39 anos, para arrebatar a presidência da instituição, que controlava um grupo empresarial vasto, dos mais importantes de Espanha.

Mas o percurso que o colocou entre as estrelas mais admiradas e invejadas do exclusivo clube da gente guapa, onde se destacava com fatos de corte impecável e o cabelo cuidadosamente penteado com gel, terminou mal. O banco foi intervencionado no final de 1993, Conde foi levado a tribunal e acabou por ser condenado a 20 anos de prisão por crimes como fraude e apropriação indevida. O brilho dos elefantes tinha empalidecido e a sorte do banqueiro tinha mudado. Com perdas pesadas para o Estado, para os bancos e para os acionistas do Banesto, bem como escândalo e estrondo, numa história de ascensão e queda meteóricas que também envolveu Portugal.

O advogado que agora regressa aos principais destaques da imprensa por ter sido detido, ainda por causa de questões ligadas ao colapso do Banesto, nasceu em Tuy, Galiza, a 14 de setembro de 1948. A imprensa espanhola descreve-o como “orgulhoso, severo e arrogante”, mas as origens são modestas. Filho de um inspetor aduaneiro, batizado com o nome completo Mario Antonio Conde Conde, estudou no colégio dos Maristas, em Alicante.

Foi nesses tempos que aprendeu a tocar guitarra pelos seus próprios meios. “Na época dos Beatles e dos Rolling Stones, quase toda a gente queria ter uma banda”, afirmou numa entrevista ao Wall Street Journal. E Mario Conde, apesar de ter confessado “não saber tocar bem”, teve a sua. Chamava-se Los Moscas.

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O rock acabou por ficar para trás. Aluno recordado como brilhante e dedicado, decidiu prosseguir os estudos no curso de Direito da Universidade de Deusto, em Bilbau, tempo em que, já confessou, não escondeu as suas simpatias pelos ideais de esquerda.

Veja aqui a primeira parte de um documentário sobre a vida de Mario Conde

https://www.youtube.com/watch?v=HZQ7KfJ1nW8

Terá sido por esta altura, enquanto fazia a licenciatura, que Mario Conde começou a desenvolver o talento para os negócios. Conta-se que vendia os cadernos de apontamentos aos colegas, bem como os textos em que explicava as suas interpretações da lei. Com o diploma no bolso, concorreu a “advogado do Estado” e obteve a melhor nota de sempre no acesso à carreira profissional que reúne os juristas que, em Espanha, defendem os interesses públicos em conflitos judiciais.

A experiência duraria quatro anos. Em 1977, Mario Conde decide mudar de vida e entra para a indústria farmacêutica por uma porta grande, como diretor executivo adjunto e “braço direito” de Juan Abelló Gallo, filho do fundador dos laboratórios Abelló. A dupla iria conhecer sucesso nos negócios. Em 1983, vende a empresa à Merck Sharp and Dohme. No ano seguinte, tomava conta de mais de 23% da Antibióticos, que seria alienada à Montedison por 58 mil milhões de pesetas, numa das operações de maior valor alguma vez realizadas em Espanha.

O dinheiro realizado na indústria farmacêutica era uma soma importante e a ambição de Conde tinha, finalmente, a possibilidade de apontar para objetivos mais altos. Com a banca espanhola a passar por um período de consolidação, os dois sócios decidem comprar uma participação no Banesto e ascendem à vice-presidência do banco. A oportunidade seguinte chegou pela mão do Banco de Bilbao.

Acompanhe aqui a segunda parte do documentário sobre a vida de Mario Conde

https://www.youtube.com/watch?v=MnAHax0YJOc&nohtml5=False

Alvo de uma oferta pública de aquisição hostil por parte da entidade financeira basca, o Banesto defendeu-se. Mario Conde convence a administração e os acionistas a não venderem as posições, consegue provocar o fracasso da investida do Bilbao e acaba por ser nomeado presidente executivo do Banesto. É por esta altura, anos finais da década de 1980 e quando era visto como um dos símbolos de uma nova era na economia espanhola, que começa a olhar para Portugal.

O primeiro Governo maioritário liderado por Cavaco Silva estava a preparar o arranque do processo de privatizações. Na banca, encontravam-se alguns dos alvos mais apetecidos para os investidores e, entre eles, estava o Banco Totta e Açores. A instituição é escolhida como a primeira do setor financeiro a ser alienada. Numa primeira fase, seria oferecido 49% do capital.

A operação decorreu em julho de 1989 e o Banesto foi um dos investidores estrangeiros que entrou na corrida. José Roquete, gestor que tinha trabalhado no Banco Espírito Santo e ajudado o grupo a reerguer-se após as nacionalizações de 1975, tinha-se divorciado dos negócios da família e vendido a participação que detinha no GES (Grupo Espírito Santo). Com os recursos recolhidos, ambicionava vir a tomar conta do Totta e tornou-se, a par de Belmiro de Azevedo, líder da Sonae, um dos acionistas portugueses com maior peso.

Contagem de espingardas no Totta

A contagem de espingardas começou. E Roquete encontrou em Mario Conde, ou vice-versa, o parceiro que o poderia ajudar a alcançar o controlo da instituição. Os dois empresários juntaram as participações de que eram detentores no capital do Totta numa holding, a Valores Ibéricos, que, nos anos seguintes, iria estar no centro de uma polémica que agitou os meios financeiros e políticos.

Em causa estava o facto de existirem limites à participação de investidores estrangeiros em empresas em processo de privatização. O teto foi fixado, inicialmente, em 5%, e passou, posteriormente, para 10%. As suspeitas, que se foram avolumando, eram as de que, através do acordo com José Roquete, da constituição da Valores Ibéricos, de uma cascata de holdings que impediam de se seguir o rasto dos verdadeiros detentores das ações do Totta e, posteriormente, da utilização de acionistas que eram vistos como testas de ferro de Mario Conde, o Banesto teria garantido o controlo do banco português, o que se revelou ser correto.

Sucessivos anos de batalhas políticas, que se transformaram no “caso Totta” e a que não faltou uma comissão parlamentar de inquérito, terminaram quando o Governo forçou a venda do Banco Totta e Açores a António Champalimaud, em 1994. A primeira aventura espanhola de assalto ao Totta terminava aqui. Mas, em Espanha, já os ventos tinham deixado de soprar de feição para o antigo advogado do Estado.

O “caso Banesto” foi objeto de muitas reportagens e análises, como esta

Pelo final de 1993, o Banesto encontrava-se numa situação difícil. Uma inspeção realizada pelo Banco de Espanha tinha detetado uma insuficiência de capital no valor de 2,7 mil milhões de euros. Em dezembro, a entidade de supervisão de Madrid decide intervir no banco e tomar conta das operações, depois de Mario Conde ter falhado uma recapitalização do Banesto com o envolvimento do JP Morgan. Menos de seis meses depois, o banco era vendido ao Santander e a marca desapareceria no final de 2012.

Para o banqueiro, que no auge da carreira tinha recebido distinções como a de doutor honoris causa pela Universidade Complutense numa cerimónia testemunhada pelo rei Juan Carlos, é o princípio do fim. E de uma sucessão de processos judiciais relacionados com indícios de crimes praticados enquanto presidente do Banesto. Nunca pediu desculpa pelas consequências dos seus procedimentos. “Pedir perdão é um ato de soberba. Só Deus pode perdoar”, afirmou, numa das tiradas com que costuma pontuar as intervenções nos órgãos de comunicação.

Pai de dois filhos, Mario Conde ficou viúvo em 2007 e casou pela segunda vez três anos mais tarde. Divorciou-se em 2016. Sempre alegou inocência nos delitos de que é acusado, defendendo, entre outras, a tese de que foi alvo de uma conspiração do PSOE e do PP, alegadamente receosos da sua ascensão, do seu poder e da sua potencial influência política. Entre 2011 e 2013, presidiu ao partido político que fundou, o Sociedad Civil y Democracia.

A experiência no sistema prisional do país-vizinho, onde garantiu que se come “muito bem”, deu origem a um livro que conta, na primeira pessoa, o seu percurso e os respetivos “acidentes”. O título é “Memorias de un Preso”. Um preso que se distinguia por andar sempre de gravata. Porquê? “Era um sinal de protesto, porque eu sabia que estava ali em consequência de uma decisão política”.

Mais sucesso teve outra obra, lançada em 2010, e que deu origem a um documentário [ver acima]: “Los días de gloria”. Ou os tempos em que a gravata azul e os elefantes dourados ainda tinham poderes mágicos e nada indicava que, um dia, contribuintes, bancos e acionistas do Banesto iriam carregar o fardo de um “buraco” financeiro assinalável. Nas contas finais, a queda de Mario Conde e do Banesto custou mais de 3,6 mil milhões de euros.