A solução financeira para a TAP não tem de passar necessariamente por uma privatização ou apenas por investimento privado. O Estado pode voltar a apoiar financeiramente a companhia aérea até porque é acionista e poderá, no limite, invocar a perda de capital em caso de falência para vencer a resistência da Comissão Europeia.

As regras da União Europeia não o proíbem e até há exemplos recentes. Mas esses casos mostram, também, que o investimento ou apoio financeiro do acionista público demora meses (ou anos) a ser negociado e só é autorizado em troca de condições duras para a própria empresa: reestruturação, venda de ativos, redução de postos de trabalho ou, no mínimo, corte nos custos laborais, fazem parte do preço a pagar para ter a “luz verde” de Bruxelas. E esse preço terá de ser pago pelos trabalhadores, mas também pelos passageiros.

Para o especialista em concorrência, Carlos Pinto Correia, o apoio público à TAP, pela informação que é pública, é “possível, mas exigiria condições tanto ou mais penalizadoras do que aquelas que previsivelmente um privado irá impor.” O advogado da Linklaters remete para as últimas orientações sobre a matéria definidas pela Comissão Europeia em julho de 2014.

TAP pode receber apoio, porque última ajuda foi há mais de dez anos

Segundo Bruxelas, o principal critério consiste na apresentação de um plano de reestruturação viável, em que pelo menos 50% do esforço seja financiado com uma contribuição da própria companhia. Isto significa que a empresa apoiada terá de gerar ganhos, seja pela venda de ativos ou de poupanças obtidas na operação e, em particular, cortando nos custos laborais.

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A Comissão Europeia defende, por exemplo, uma aproximação ao modelo de negócios das transportadoras low-cost com a redução de custos de catering na classe económica, cobrando por serviços extra. A refocagem da oferta para rotas lucrativas, a diminuição da frota, o redimensionamento da rede e redução ou venda de atividades deficitárias (no caso da TAP seria certa a venda ou fecho da manutenção no Brasil), fazem ainda parte da lista de tarefas para uma companhia área que receba apoio público.

Por outro lado, as diretivas de Bruxelas abrem a porta à possibilidade de a TAP vir a beneficiar de um novo plano de apoios públicos, na medida em que o último pacote de ajudas foi concedido há mais de dez anos. “As guidelines para resgate e reestruturação contém uma regra muito forte: não haverá mais ajuda para companhias que receberam apoios para reestruturação na última década”.

PS: Se for para privatizar, que seja em bolsa e até 49%

O PS liderado por António Costa tem aumentado a pressão contra a privatização da maioria do capital da TAP, contestando o argumento do governo de que é a única solução possível para atrair o investimento necessário à recapitalização da transportadora. O deputado socialista, Rui Paulo Figueiredo, defende que, ainda antes de avançar com a venda, e “independentemente da sua fúria privatizadora, o governo deveria ter estudado alternativas de recapitalização, aferindo da sua viabilidade com a Comissão Europeia, o que não aconteceu.”

O deputado considera, ainda, que a matéria deveria ter sido discutida com o PS, considerando a proximidade das eleições legislativas, e só se se chegasse à conclusão de que não existiam alternativas, poderia então avançar a privatização que, defendem os socialistas, deveria englobar até 49% do capital, via aumento de capital e colocação de ações em bolsa. “Não está demonstrado que a TAP precisa de um parceiro estratégico”, nem que tenham sido estudados outros cenários.

E porque é que o PS não estudou soluções de capitalização com Bruxelas quando esteve no poder? Os governos de Sócrates sempre defenderam a privatização parcial da TAP. Rui Paulo Figueiredo diz que é uma boa pergunta para colocar aos dirigentes dos executivos em causa, mas deixa a nota: “a posição atual do PS é muito clara”.

O executivo defende a privatização da TAP por convicção, mas também argumenta que é a melhor solução para capitalizar a empresa. Um apoio público do Estado, embora não impossível, implicaria uma reestruturação da companhia, com redução da oferta e de trabalhadores, quando o objetivo é o de que a empresa cresça, defendeu já o secretário de Estado dos Transportes, Sérgio Monteiro. O governo remete ainda para os casos da Alitalia e da Cyprus Airways, companhia que anunciou já este ano que ira fechar portas depois de Bruxelas exigir a devolução de ajudas ilegais de 65 milhões de euros.

Segundo Sérgio Monteiro, a TAP precisa, no mínimo dos mínimos, de 300 milhões de euros para comprar novos aviões. A venda de uma posição minoritária não seria atraente para investidores privados. E a dispersão em bolsa não é uma opção para uma companhia que necessita de capital e que não está em condições de pagar dividendos, como sucede com os CTT, outra razão que sustenta a opção pela privatização de 66% da transportadora.

Como a Dinamarca e a Suécia financiaram a SAS como “investidores privados” 

As regras definidas para as ajudas de Estado às companhias de aviação, aplicam-se independentemente de quem é o seu acionista. Mas, considerando que o capital da TAP é público, o Estado português poderia, em tese, apoiar a empresa se seguisse a lógica de investidor privado, o que fugiria ao mecanismo do auxílio de Estado.

Bruxelas já deixou passar apoios públicos a companhias de transporte aéreo com base nesta argumentação. Isto porque não é considerado auxílio de Estado quando um apoio é dado em simultâneo com uma injeção considerável de capital por parte de um privado, em condições e circunstâncias tidas como comparáveis, sublinha outro jurista ouvido pelo Observador. Foi o que aconteceu com a linha de crédito de 400 milhões de euros, concedida à companhia escandinava SAS, que recebeu “luz verde” em julho do ano passado.

Bruxelas começou por torcer o nariz à concessão de uma linha de apoio à liquidez por parte dos governos da Dinamarca, Suécia e Noruega em 2012. O financiamento era a renovação de uma outra linha, mas os acionistas públicos passavam a assumir maior exposição do que os privados. E esta é precisamente a questão central. Convencer a Comissão de que, para os privados, o envolvimento do Estado não é uma condição essencial para investirem. O facto de a SAS ter capital privado, 50%, ajuda a reforçar esta tese.

Os estados tiveram de provar que um investidor privado teria participado no apoio nas circunstâncias em que ele ocorreu e com condições semelhantes. Suécia e Dinamarca recorreram a consultores internacionais (a Goldman Sachs) para ajustarem o plano de reestruturação e de negócios às reservas de Bruxelas. Em causa estava a adoção de um conjunto de medidas exaustivas e consequentes que garantissem a viabilidade da empresa a médio e longo prazo e assegurassem um retorno convincente, pelo menos no papel.

O plano passou pelo corte do número de trabalhadores – segundo adiantou ao Observador um porta-voz da SAS o efetivo diminuiu em dois mil funcionários e existem negociações para a venda total do handling, com cinco mil colaboradores, redução de custos, incluindo a revisão de acordos salariais e de pensões e a redução de benefícios, venda de ativos e reorganização das operações. Ou seja, a receita acabou por não ser assim tão diferente da imposta em caso de ajuda de Estado. A SAS tem mais do dobro da dimensão da TAP em passageiros e receitas.

Será mais difícil financiar a TAP se o Estado deixar de ser acionista

Para aquele apoio passar foi também fundamental o argumento, usado pelos estados, de que a alternativa seria a falência da SAS, o que implicaria perdas muito mais avultadas para o acionista público do que o financiamento dado. Esta condição também é invocável na TAP e até pode servir de argumento aos que contestam a privatização, na medida em que o Estado ficará mais condicionado para apoiar a empresa no futuro se deixar de ser acionista.

Por outro lado, a concessão de apoios públicos numa solução mista que envolvesse privados teria maior aceitação em Bruxelas, para quem o objetivo da privatização é sempre um ponto valorizado.