O plano de desconfinamento só é apresentado ao país pelo primeiro-ministro na quinta-feira, mas, um dia antes, as linhas gerais são apresentadas e discutidas com sindicatos e confederações patronais na concertação social. Com ou sem propostas escritas, e talvez por estarem conscientes de que o encontro de quarta-feira não lhes dará grande margem para mudarem as ideias do Governo, os parceiros sociais já começaram a delinear, e a anunciar, o que consideram que deve ser a estratégia de retoma de atividade.
A prioridade está nas escolas — mas com testes e vacinação — e, no caso do comércio, há quem fale num regresso semelhante ao de maio do ano passado, consoante a área do estabelecimento (e começando pelos que têm até 200 metros quadrados). Os cabeleireiros e as livrarias também devem desconfinar primeiro, defendem, antes da restauração. E já se pensa no regresso ao trabalho presencial. Estas são as propostas que os parceiros sociais levam à reunião com a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, e com o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, esta quarta-feira.
Escolas reabertas já na próxima semana até ao 6.º ano, pede CIP. Mas só com vacinação, acrescenta UGT
O regresso de alguns alunos às escolas é uma das prioridades tanto de sindicatos, como de confederações patronais como forma de libertar os pais para o regresso aos postos de trabalho. A CIP propôs esta terça-feira que o plano de desconfinamento apresentado pelo Governo preveja na primeira fase, a partir de 15 de março, a reabertura das creches e das escolas até ao sexto ano. “As escolas têm que abrir porque está em causa a formação e desenvolvimento de mais de um milhão de crianças e jovens portugueses”, defende a confederação liderada por António Saraiva.
A medida é acompanhada pela UGT, mas a central sindical condiciona-a ao cumprimento de um pressuposto: mais do que a testagem (que foi anunciada pelo Governo, com a compra de 20 milhões de euros em testes para as escolas), pede que o regresso seja acompanhado pela vacinação de pessoal docente e não docente. “Se, até dia 15, o Governo entender que tem condições de implementar estas medidas, isso seria ótimo. Se entende que ainda não há condições de vacinar todos estes profissionais rapidamente, então que defina uma data em quando está em condições para o fazer”, afirma Carlos Silva ao Observador. Em entrevista à SIC, a ministra da Saúde, Marta Temido, já admitiu que os professores e o pessoal não docente podem vir a ser incluídos como prioritários no plano de vacinação.
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A CGTP, por sua vez, não quer colocar calendários em cima da mesa — compete às autoridades de saúde e ao Governo decidir, com base no risco e nos indicadores epidemiológicos, defende Isabel Camarinha — mas a central sindical tem como ponto assente que a abertura das escolas só deve acontecer se estiverem garantidas algumas “condições fundamentais”. “Se deve ser o primeiro ciclo e depois o segundo a reabrir, não conseguimos dizer. Mas é muitíssimo importante a abertura, porque sabemos as desigualdades que estão a ser criadas. É preciso que existam as efetivas condições [para o regresso], como o distanciamento, a testagem, a vacinação, os equipamentos de proteção individual, o rastreio efetivo”, refere ao Observador. E um reforço dos transportes públicos, para evitar aglomerações.
Cabeleireiros, livrarias e alfarrabistas também na primeira fase
Sem uma data definida em mente, mas pedindo que seja o mais rapidamente possível, os patrões do comércio pedem que o Governo recupere uma das medidas do desconfinamento de maio passado: que comece por reabrir os estabelecimentos comerciais até 200 metros quadrados, com as devidas condições de segurança e lotação máxima — uma proposta que a UGT acompanha. E, independentemente da dimensão, aqueles estabelecimentos que a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) considerem não serem foco de aglomerações e filas — como os stands de automóveis ou as livrarias. Os cabeleireiros também devem estar incluídos na primeira fase até “em prole da saúde mental”.
A UGT concorda que é “importante dar um sinal de retoma” a algum comércio, como cabeleireiros ou barbeiros, tendo em conta que os “números apresentados em Portugal” sobre a situação epidemiológica “induzem alguma confiança”. Essa retoma poderia ser feita “tão depressa quanto possível”, diz Carlos Silva, que é favorável à ideia da CCP de que aconteça em moldes semelhantes ao de maio do ano passado. “Vamos amanhã [quarta-feira] auscultar essa possibilidade, se quiserem até de baixar a área para 100 ou 150 metros quadrados, porque há muitas pequenas lojas de conveniência, minimercados, o pequeno comércio. Achamos é que é preciso dar um passo”, defende.
O plano da CIP é mais preciso — e já estabelece um calendário (15 de março) para a reabertura dos cabeleireiros, das livrarias e dos alfarrabistas. Segundo a confederação, é só uma questão de tornar oficial algo que já está em prática: “Portugal já desconfinou. Só não está a trabalhar!“. “A atividade económica tem que retomar para mitigar os efeitos da crise e do desemprego”, argumenta, acrescentando que “um confinamento cego e sem fim à vista, pode levar-nos a uma vitória sobre a pandemia, mas obtida a um custo muitíssimo elevado, com prejuízos irreparáveis, havendo outras alternativas”.
Restauração mais tarde, mas ainda em março
Se a primeira fase de desconfinamento (a 15 de março) proposta pela CIP está circunscrita às creches, escolas até ao 6.º ano e aos cabeleireiros, livrarias e alfarrabistas, a segunda fase, começaria a 22 de março para a restauração e o comércio a retalho até às 18h00. Também nessa altura haveria um regresso gradual ao trabalho presencial mesmo quando o teletrabalho é possível e só quando há acordo entre o empregador e o funcionário.
Já na fase 3, a partir de 5 de abril, seria a vez dos restantes graus de ensino, de museus, galerias, jardins zoológicos e botânicos, a abertura de teatros, concertos, óperas e cinemas, com lugares marcados e limitados e o reinício de desportos coletivos amadores ao ar livre em grupos de até 20 crianças de até 14 anos de idade. Numa fase posterior, a partir de 12 de abril, retomariam as “restantes atividades até às 18h”.
O plano da CIP é o seguinte:
Fase 1 – a partir de 15 de março
Reabertura de jardins infantis, creches e ensino até ao 6.º ano, cabeleireiros, livrarias e alfarrabistas.
Fase 2 – a partir de 22 de março
Flexibilização das regras do teletrabalho de modo que, havendo acordo entre trabalhador e entidade empregadora e estando garantidos testes prévios, se possa retomar o trabalho presencial em condições de segurança;
Autorização do reinício da atividade de restauração e comércio a retalho até às 18h, com definição de taxas máximas de ocupação e plano de testagem periódica seguida de imediata quarentena dos seus colaboradores, a definir pelas autoridades competentes;
Fase 3 – a partir de 5 de abril
Reabertura dos restantes graus de ensino
Reabertura de museus, galerias, jardins zoológicos e botânicos
Abertura de teatros, concertos, óperas e cinemas, com lugares marcados e limitados
Reinício de desportos coletivos amadores ao ar livre em grupos de até 20 crianças de até 14 anos de idade
Fase 4 – a partir de 12 de abril
Reinício das restantes atividades até às 18h, com definição de taxas máximas de ocupação e plano de testagem periódica seguida de colaboradores.
Patrões pedem um sistema eficaz de testagem
A confederação liderada por António Saraiva pede ainda um “sistema eficaz de testar-rastrear-isolar”. Como “grande parte das empresas” podem não conseguir implementar essa testagem, a CIP sugere a definição periódica de um plano de testes em cada concelho, “de acordo com os níveis de risco e cadeias de transmissão conhecidas e definição das amostras a testar nas empresas“.
Nos casos em que a testagem não possa ocorrer nas instalações da empresa, esta deve ser “articulada, designadamente, com as Câmaras Municipais com uso das infraestruturas já existentes (ex: centros de vacinação Covid-19para onde devem ser direcionados os colaboradores) e com recurso a parceiros externos”. As farmácias também devem poder ser locais de testagem, pede a CIP, e devem ser implementados testes rápidos antigénio.
O Observador também contactou a Confederação do Turismo de Portugal (CTP) para saber quais as prioridades que os patrões do setor do turismo vão defender na quarta-feira, mas até ao momento não obteve resposta. As ideias da CTP para o desconfinamento serão incluídas neste trabalho se e quando chegarem.
Estas são as reivindicações que os parceiros sociais vão levar à mesa da concertação social, esta quarta-feira. O plano só é apresentado ao país na quinta-feira, mas o Governo já ouviu os especialistas. A proposta apresentada pela equipa de peritos, liderada pelo investigador Óscar Felgueiras e pela pneumologista Raquel Duarte, é muito diferente do desconfinamento de maio passado — primeiro porque não define datas, mas critérios epidemiológicos para que o país possa passar ao nível de desconfinamento seguinte. A cada duas semanas, seria feita uma reavaliação.