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A pressão sobre o TikTok tem aumentado ao longo dos últimos meses. Os receios de espionagem, o alegado acesso indevido a dados e a proteção de menores levaram o CEO Shou Zi Chew a passar mais de cinco horas no Congresso dos Estados Unidos. O debate centra-se, em particular, nos laços da rede social, propriedade da chinesa ByteDance, a Pequim. Porém, apesar de ser a mais escrutinada, esta não é a única aplicação criada pela empresa-mãe com sede na China que faz sucesso entre os norte-americanos.
Mas não são apenas as da ByteDance que estão nos telemóveis dos cidadãos dos EUA, em particular os jovens. Quatro das cinco plataformas mais populares no país eram, segundo dados de março, chinesas: a Temu, o CapCut, o TikTok e a Shein. Os algoritmos, que têm o poder de recomendar e definir o que os utilizadores veem, podem ser o ingrediente secreto para o sucesso, nota o The Wall Street Journal.
Para evitar o escrutínio de que a ByteDance — que detém não só o TikTok e o CapCut como também a Lemon8, plataforma que recentemente começou a ganhar algum destaque nos EUA — tem sido alvo, há empresas que já tentam distanciar-se das suas raízes chinesas. A marca de roupa chinesa low cost Shein, por exemplo, mudou a sua empresa-mãe de Hong Kong para uma entidade registada em Singapura, a Roadget Business Pte.Ltd. Por sua vez, a rival Temu (empresa fundada há sete meses que exibiu um anúncio publicitário no Super Bowl deste ano) tem sede em Boston e gere os seus negócios em solo norte-americano através de uma empresa localizada em Delaware.
Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia” sobre o “perigo” das redes sociais chinesas.
EUA estão preocupados com o TikTok e as outras redes sociais?
O TikTok também não tem sede em solo chinês, mas sim em Los Angeles e Singapura. Contudo, o facto de continuar a ser detido por uma empresa de Pequim deixa a administração Biden apreensiva. O governo dos EUA já terá, alegadamente, pedido aos proprietários chineses para venderem as ações da aplicação — uma venda forçada a que a China se opôs “firmemente”.
China opõe-se “firmemente” à venda forçada do TikTok, que é pedida pelos EUA
Para os especialistas ouvidos pelo Observador, é a popularidade do TikTok que coloca a rede social e a ByteDance no centro das preocupações dos deputados norte-americanos. E antecipam a possibilidade de a Lemon8 e o CapCut passarem também a estar “sob o mesmo escrutínio”. Dan Ives, analista sénior da gestora de ativos Wedbush Securities, acredita na possibilidade de a aplicação ser banida dos EUA, ainda que possa levar algum tempo até ter efeito. “Decretada uma proibição, ainda terá de se esperar que o processo se desenrole nos tribunais”, podendo levar “12 meses a resolver-se”.
A popularidade do TikTok deu limões, a ByteDance lançou a Lemon8 nos EUA
É descrita como uma mistura entre outras duas redes sociais: o Pinterest e o Instagram. O foco está nas imagens e nas respetivas legendas, onde são partilhadas dicas e recomendações de moda, beleza, comida, bem-estar ou viagens. Ao contrário do que acontece no TikTok, a rede social de maior sucesso da ByteDance, na Lemon8 raros são os vídeos partilhados.
Foi lançada em 2020, no Japão, e dois anos depois chegou à Tailândia, Indonésia, Malásia, Vietname e Singapura. No ano passado contava, no total, com mais de cinco milhões de utilizadores mensais ativos. Em fevereiro deste ano voltou a expandir-se, para entrar nos mercados britânico e norte-americano, onde, até ao dia 2 de abril, contava com 290 mil downloads. Uma fonte com conhecimento dos planos da Lemon8 afirma, ao The New York Times, que centenas de criadores de conteúdo dos EUA já se inscreveram na plataforma, o que poderá ajudá-la a atingir uma meta particular: ficar ‘recheada’ de milhares de publicações ao longo da primavera. Este mês será, precisamente, a fase de “acumulação de conteúdo” para que no próximo a plataforma se concentre no aumento do número de utilizadores e no apoio aos influenciadores para conquistarem seguidores.
Para incentivar a entrada dos criadores de conteúdo, a Lemon8 está, segundo o Business Insider, a pagar-lhes para que façam publicações. Cinco influenciadores do Reino Unido, que não foram identificados, dão conta de que existem diretrizes específicas a seguir para receberem o pagamento: devem publicar fotografias com alta definição tiradas na vertical; colocar entre três e sete imagens por post; as legendas devem ser “entusiasmantes” e “autoexplicativas” para “informar e inspirar pessoas” e ter entre 100 e 300 palavras; devem utilizar hashtags.
Os influenciadores que falaram com o Insider afirmam que, devido às regras estabelecidas, criar conteúdo para a Lemon8 demora mais tempo e exige mais esforço do que em outras redes sociais. Dois dos criadores dizem não saber se criar esses conteúdos vale o seu tempo, enquanto os restantes três permanecem otimistas de que a plataforma cresça no Reino Unido nos próximos meses. A ByteDance já garantiu que “o mesmo mecanismo de recomendação que ajuda o TikTok a ter sucesso” está presente na Lemon8.
Ainda assim, neste momento, a ByteDance poderá estar a tentar impor uma maior distância entre si e a Lemon8 — ao contrário do que fez com o TikTok. Na App Store da Apple e na Google Play Store está escrito que a rede social em questão pertence a uma empresa chamada Heliophilia, com sede em Singapura. Porém, segundo a revista Fast Company, o endereço dessa firma é o mesmo da sede do TikTok no país.
Além disso, a ByteDance já falou sobre o seu mais recente lançamento nos EUA algumas vezes. Recentemente, Erich Andersen, consultor jurídico da empresa-mãe chinesa, assegurou que dará o seu melhor para garantir que a aplicação cumpre “a lei norte-americana”. “Mas acho que ainda temos um longo caminho a percorrer com essa plataforma – ainda está, basicamente, na fase de startup“, acrescentou.
Embora ainda esteja numa fase inicial, poderá ser um plano de reserva da ByteDance para o caso do TikTok ser banido no país? “É quase como se a ByteDance pudesse ver o destino traçado para o TikTok e quisesse transferir a sua base de utilizadores para uma nova aplicação. É mais fácil dito do que feito”, considera Lindsay Gorman. Ao Observador, a diretora de tecnologia e geopolítica do German Marshall Fund e antiga consultora de tecnologia da administração Biden admite que “a curto prazo” a Lemon8 pode ser um “backup plan“, mas alerta que é improvável que resulte devido ao “elevado” escrutínio sobre a ByteDance. Já o analista Dan Ives acredita que os “EUA não vão deixar que o TikTok, com a sua proprietária ByteDance, tenha um plano de reserva”.
CapCut, o segundo ‘irmão’ menos conhecido do TikTok
A versão original chamava-se JianYing e só estava disponível na China. Há três anos, a ByteDance tomou a decisão de lançar a plataforma globalmente e mudou-lhe o nome. A partir daí, a aplicação de edição de vídeos passou a chamar-se CapCut. Atualmente, conta com mais de 200 milhões de utilizadores mensais ativos, um número que a torna o segundo ‘irmão’ mais conhecido do TikTok — que, por sua vez, tem mais de mil milhões de utilizadores em todo o mundo.
Ao navegar em redes sociais como o TikTok ou o Instagram aparecem vários vídeos verticais com a indicação de que foram editados no CapCut. Há ainda diversos utilizadores que recorrem a templates criados nessa plataforma para sobrepor aos mais diversos fundos. O de Pedro Pascal a comer uma sanduíche de manteiga de amendoim e geleia é, provavelmente, o mais utilizado do momento. Um scroll rápido no TikTok basta para ver o ator chileno — que protagonizou a série “The Last of Us”, da HBO — a comer à frente de uma secretária ou de um fundo verde (mais conhecido como green screen) com frases como “são 9h30 e já estou a percorrer o meu caminho até ao almoço”.
O template, com o nome “Pedro Pascal PB&J [sanduíche de manteiga de amendoim e geleia de Pedro Pascal]”, foi criado no CapCut por uma utilizadora chamada Rosie e, desde então, já foi utilizado mais de um milhão de vezes e com os mais diversos fundos. O The Information escreve que parte da popularidade da plataforma se deve a templates como este (que foi feito a partir de um vídeo do YouTube), que os utilizadores podem sobrepor nos seus vídeos verticais e exportar diretamente para o TikTok ou outras aplicações como Instagram e WhatsApp.
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No CapCut, os utilizadores conseguem editar vídeos, colocar-lhes áudios (desde músicas a sons originais do TikTok), textos, legendas automáticas, stickers ou efeitos visuais (como flash, alterar a cor do cabelo ou até colocar lasers nos olhos). A revista Time nota que esta não é uma plataforma que ofereça tantos recursos como o Adobe Premiere ou o Final Cut Pro, mas que torna a edição acessível aos mais amadores pois é simples de utilizar.
Já em maio de 2021 o CapCut tinha tido um pico de popularidade, que se voltou a registar este ano. De lá para cá, a plataforma deixou de ser totalmente gratuita e passou a cobrar aos utilizadores pelo serviço de cloud, bem como por determinados recursos ou efeitos. O The Wall Street Journal, que cita fontes familiarizadas com os planos da ByteDance, avança que a aplicação se encontra a trabalhar para lançar novas funcionalidades com recurso à Inteligência Artificial, como, por exemplo, permitir aos utilizadores gerar vídeos em segundos através de um pequeno texto.
O mesmo jornal escreve que, ao ser uma plataforma de edição de vídeos, o CapCut tem conseguido evitar o escrutínio acerca da forma como lida com os dados dos utilizadores, uma das questões que mais preocupa os deputados norte-americanos no que ao TikTok diz respeito. Ainda assim, a aplicação detalha na sua política de privacidade que recolhe várias informações pessoais, que incluem o endereço IP, o modelo do telemóvel ou dispositivo, o ID do Android, o número da versão da aplicação que está a usar, a linguagem do sistema e a região, as informações de bateria e informações sobre o uso (como os stickers e os filtros; recolhem ainda as imagens e os vídeos originais e depois os que são gerados após a edição).
Desta forma, a especialista Lindsay Gorman alerta que o CapCut “contém riscos de segurança de dados e provavelmente deveria ser banido dos dispositivos governamentais”, como tem acontecido com o TikTok. “Mas haverá sempre um maior grau de escrutínio das plataformas tecnológicas autoritárias que ascendem até se tornarem parte da infraestrutura crítica de informação das democracias.”
As outras apps da ByteDance vão ter o mesmo escrutínio do TikTok?
Nos Estados Unidos, o futuro do TikTok é incerto. Há quem preveja que, além dessa, outras aplicações populares entre os jovens norte-americanos sejam banidas no país. É o caso de Glenn Gerstell, ex-conselheiro geral da Agência de Segurança Nacional dos EUA, que afirma que uma proibição do TikTok pode “ameaçar” outras empresas, como as lojas online de venda de roupa Shein e Temu.
A partir de Singapura, Lorraine Tan, diretora de equity research da Morningstar na Ásia, não parece acreditar nessa opção: “O TikTok é uma rede social, mas a Shein não. As apps de comércio online não parecem estar a receber o mesmo tipo de escrutínio e acho que é porque nessas plataformas não partilhas tanta informação pessoal”. Questionada pelo Observador sobre a presença de dados de pagamento nessa aplicações, a especialista desvaloriza explicando que esses “são só a tua informação financeira; não serão capazes de dizer às pessoas onde estiveste, nem o que tens vindo a fazer”.
Apesar do aumento do ceticismo norte-americano relativamente às aplicações desenvolvidas por empresas chinesas, nenhuma outra aparenta estar a ser tão escrutinada como o TikTok. Lorraine Tan e Dan Ives concordam que é uma questão de popularidade. Porém, o analista da Wedbush Securities defende que o CapCut e a Lemon8, ao serem detidas pela ByteDance, “vão estar sob o mesmo escrutínio” dado à rede social ‘irmã’, ainda que com uma “mão mais suave”. E alerta que a empresa-mãe vai “lutar contra as ações dos EUA” e contra “os tribunais” para evitar que o TikTok seja banido.
Por seu turno, Lindsay Gorman também acredita que a Lemon8 e o CapCut vão estar sob escrutínio, mas não “ao mesmo nível do TikTok”. A antiga consultora de tecnologia da administração Biden defende que a “dimensão da base de utilizadores do TikTok apresenta riscos únicos quando uma parte significativa da população pode ser alvo de operações de espionagem e informação“. E aponta que a grande diferença entre essa aplicação e outras como, por exemplo, a Shein é ter um algoritmo que “faz escolhas sobre o conteúdo a promover e o conteúdo a despromover”. Desta forma, “existe uma preocupação de propaganda e influência relacionada com o TikTok que não existe para outras aplicações chinesas”. Até ao momento, a ByteDance não se pronunciou sobre se espera que as suas outras duas plataformas tenham um escrutínio semelhante ao TikTok e tem-se recusado a explicar como planeia responder se isso vier a acontecer.
[Já saiu: pode ouvir aqui o quinto episódio da série em podcast “O Sargento na Cela 7”. E ouça aqui o primeiro episódio, aqui o segundo episódio, aqui o terceiro episódio e aqui o quarto episódio. É a história de António Lobato, o português que mais tempo esteve preso na guerra em África]