Estamos na Rua das Escolas Gerais, numa Alfama que se esconde da confusão. Ouvimos o elétrico. O 28 dobra a esquina da estrada estreita e, do outro lado, conseguimos ver o número 88. Chegámos. Atravessamos, abrimos a porta e deparamo-nos com a equipa que, numa cozinha aberta, está encarregue dos últimos preparativos para o dia da inauguração. Encara-nos com um olhar de estranheza — afinal, são 17 horas e os clientes só vão começar a ser recebidos às 18. Os cestos de bambu estão à vista, prestes a acondicionar os dumplings chineses, naquela que é a noite de abertura do novo Aura Dim Sum.
O espaço deixa o seu lab na Bica — onde, com um número muito limitado de mesas, já ia recebendo clientes — para se instalar em Alfama oficialmente como um restaurante especialista na arte de criar as várias versões dos dim sums, bolinhos com massa e recheio chineses. Com chão em pedra, no espaço sobressaem painéis brancos e dourados, fixos numa estrutura de metal. Os tons transmitem a serenidade oriental e chama-nos a atenção uma mesa corrida em madeira, instalada a meio da estrutura do balcão. Que ideia feliz: acompanhada por cadeiras com encosto, soluciona o desconforto dos bancos altos sem apoio para as costas.
Catarina Goya de Jesus, proprietária do espaço em conjunto com o marido José Luís Suárez Pimentel, é quem nos recebe. É ela a autora da carta e a verdadeira artesã por detrás destes dim sums que não inventam: replicam as receitas originais e mantêm-se fieis ao que são. Aqui não há conceitos de fusão, não se ocidentaliza a tradição oriental.
“O que diferencia a nossa comida é que tudo é feito artesanalmente e com conhecimento. Usamos as técnicas da comida e da cultura que me foram passadas por pessoas dessa cultura”, conta Catarina ao Observador. “O mais importante é manter o tradicional, manter os sabores, entender a mistura dos ingredientes. São os segredos da culinária asiática no geral.”
Características que se refletem numa carta nova e maior: mantém os dim sums clássicos, mas, com as condições providenciadas pelo novo espaço, tem agora margem para apresentar novas propostas. Mantém a divisão por modo de confeção, acrescentando uma secção exclusiva de fritos e novas opções em cada um destes capítulos. Bem resumido: conte com dim sums cozidos a vapor, grelhados e fritos, wontons, baos, opções vietnamitas e saladas. Com marisco, com vegetais, pato, borrego ou galinha. Já vamos a pormenores.
Ilhas Canárias, Londres, Brasil, Lisboa e um negócio que cresce com a pandemia
Nasceu no Brasil, cresceu nas Ilhas Canárias e noutros países foi expandindo a sua ideia de mundo. Encorajada por José (que primeiro foi seu vizinho e só depois namorado), partiu de Lanzarote para Londres, cidade onde cresceu a sua paixão pela comida tradicional chinesa. Foi um acaso. No aniversário de José (que entretanto também se mudou para a capital inglesa), foram com Nadine Torterot, atual sócia do Aura, jantar ao Yauatcha, restaurante de gastronomia chinesa mundialmente reconhecido. Depois do babysitting, de ter sido rececionista e de ter trabalhado numa fábrica de mel, Catarina estava novamente à procura de trabalho: “Por coincidência, chamaram-me para este restaurante. Acabei por ficar lá durante três anos. Mais e mais, a minha paixão foi crescendo por essa comida.”
Debruçou-se seriamente sobre o estudo deste elemento do receituário chinês — e não podia ter sido mais bem guiada: durante três anos, teve aulas particulares e intensivas com Jeremy Pang, inglês de origem chinesa, fundador da School of Wok (a mais prestigiada escola de cozinha oriental na Europa) e protagonista de programas de culinária na BBC. Está quase há uma década a dedicar-se obsessivamente aos dim sums: de Londres, partiu com José para Singapura, onde, durante um ano, fez um curso com a mentora do seu mentor. Daqui seguiu para o Arraial d’Ajuda, na Baía, no Brasil, onde a dupla inauguraria o primeiro Aura Dim Sum.
“É um sítio maravilhoso, mas o restaurante funcionava muito por temporada. Tínhamos dois meses por ano muito agitados e o resto do ano era muito parado”, conta. “O nosso melhor cliente era um francês, que tinha o filho a morar aqui em Lisboa. Disse-nos que a cidade estava a evoluir, que estava aberta a novas ideias e que aqui não havia dim sums de qualidade. A gente se jogou.”
Mas longe estavam ainda de saber que nasceria um restaurante em Alfama. O plano não tinha raízes, era muito diferente. “Depois de termos tido um restaurante, dissemos que não queríamos outro.” Desta forma, na chegada à capital portuguesa, o Aura Dim Sum ganha um caráter itinerante: surge em eventos pop-up, faz residências em diferentes espaços da cidade (como o Machimbombo) e e leva os dim sums a casa das pessoas, organizando jantares particulares.
Com a pandemia, a perspetiva era a de um negócio que cairia e de uma Lisboa que seria trocada pelo aconchego da família em Lanzarote. Mas aconteceu precisamente o inverso. Um daqueles casos em que a ausência de expectativas ou de planeamento resulta em boas surpresas. O Aura explodiu.: “Quando veio a pandemia, tínhamos três eventos marcados, que foram cancelados. Tínhamos connosco já toda uma produção de dim sum. Não sabíamos o que fazer com tanto produto. Não queríamos fazer entregas da nossa comida, porque não é a mesma coisa: fica feia, fica menos saborosa”, conta. “Mas um cliente, que se tornou nosso amigo, sugeriu que vendêssemos congelado aquilo que tínhamos para que as pessoas pudessem fazer em casa e ver o que é que acontecia. Foi um boom. Não queríamos acreditar.”
Catarina e José começaram a vender o produto para fora, acompanhando com tutoriais que davam conta do passo a passo para completar a confeção. Uma espécie de Aura Dim Sum em verão Do It Yourself, a fórmula certa para manter a qualidade e entreter um país impossibilitado de viver para lá das paredes de casa.
“Fazia, congelava, colocava as porções nas caixinhas, enviava os vídeos e as pessoas faziam. O nosso público era na maioria português”, conta. O poder de disseminação das redes sociais foi crucial no passa-a-palavra: “Toda a gente começou a partilhar nos IG Stories. Começámos a receber cada vez mais pedidos — de Cascais, da Ericeira, enfim, cresceu muito.” De tal forma que, antes da pandemia, o Instagram do Aura Dim Sum contava com 1200 seguidores, somando hoje quase dez mil.
Com a reabertura gradual da sociedade, era altura de sair de casa e de procurar um espaço que permitisse aumentar a produção. “Encontramos um espaço na Bica, onde ficou a nossa cozinha, o nosso LAB, onde também fazíamos eventos e alguns jantares.”
Mas não funcionou muito bem. A ideia era dedicar o espaço a eventos mais esporádicos, pop ups sem lugares marcados, em que as pessoas pudessem fazer uma refeição descontraída de pé e na rua. Mas as regras da pandemia e próprias as pessoas não deixaram. Queriam sentar-se, apreciar a refeição, beber um copo de vinho. “Acabou por se tornar num restaurante de cinco mesas. Todas as semanas, estávamos a recusar clientes. Era um espaço muito limitado”, conta.
De um laboratório para o restaurante
Catarina e José deixaram cair várias promessas. Lisboa trocou-lhes as voltas e empurrou-os para outros planos. Voltaram, afinal, a viver numa cidade — depois de Londres, o plano era fixarem-se em locais mais ligados à natureza. Depois, fizeram aquilo que garantiram que não voltaria a acontecer: com o sucesso do lab, acabaram por abrir um novo restaurante. Da Bica passaram para Alfama e de 16 lugares passaram para 38.
“Este espaço tinha acabado de ser remodelado, mas só tinha o chão e as colunas”, conta. “O resto foi tudo colocado por nós”. A construção do novo Aura Dim Sum fez-se da união entre vários amigos. “O balcão, as estruturas de ferro, as mesas, os bancos de madeira foram fetos por Félix e Lecínio, um argentino e um português dos Açores que deixaram a fábrica de madeiras em que trabalhavam para criar o próprio negócio.”
A decoração é de Peter Odegaard. “Conhecemos num dos jantares que fizemos n’A Sociedade. Ele é dinamarquês, mas vive aqui há oito anos. Adorou a nossa comida e quis fazer um jantar de aniversário surpresa ao marido, em casa. Ficámos amigos a partir daí”, conta. “Ele ajudou a decorar o Lab e o restaurante.” Já a arquitetura ficou a cargo do arquiteto sueco Love di Marco, também a residir em Lisboa. “A mãe dele é das melhores amigas do Peter e trabalharam os dois em conjunto no espaço.”
A carta mantém os clássicos do Lab, mas acrescenta novas opções. Há dumplings cozidos a vapor, salteados e, agora fritos, a que se juntam saladas e propostas vietnamitas. “É tudo cem porcento artesanal”, garante Catarina. As receitas dispensam dos floreados ocidentais e mantém-se fieis à cultura asiática. É a união destas características que permite o nascimento de um produto saboroso e de qualidade, capaz de homenagear as suas origens.
Nos cozidos a vapor, há seis opções, entre os quais o Her Gao, com camarão, rebentos de bambu, gengibre e cebolinho (9,5€, três unidades), ou o Sea Shuami, com caranguejo, vieiras, camarão, gengibre e cebolinho (12,5€, três unidades). Na secção dos salteados, tem cinco opções, com pato, com cogumelos shiitake, castanha de águe e cebolinho (11€, cinco unidades), peixe fresco do dia, coentros, gengibre e cebolinho (10,75€, 5 unidades) ou ainda os espargos, papaia verde, milho, gengibre e cebolinho (9,75€, cinco unidades). Nos fritos, há três propostas: o porco, camarão cogumelo preto chinês e cebolinho (10,25€, cinco unidades), o frango do campo, erva príncipe, gengibre e espinafres (9,5€, 5 unidades) ou o cogumelo shiitke, alho chinês, pak-choy e cebolinho (9,5€, 5 unidades).
Depois, há ainda quatro opções de spicy wontons — de porco, gengibre e cebolinho (8,5€, 4 unidades) ou de borrego, pak choy e gengibre (9,5€, 4 unidades) — e de baos. Nestes últimos, vêm sempre três unidades. Entre as propostas, há clássico bao de porco caramelizado com molho artesanal barbecue (9,25€) ou o com camarão, vieiras, cebolinho, chilli oil de camarão seco artesanal (10,75€).
O menu é complementado com duas sugestões da gastronomia vietnamita. “Amo o Vietname e vou lá fazer um curso de culinária. Quero apostar mais na gastronomia vietnamita. Agora estamos a testar com estes dois pratos”, conta Catarina.
Os cocktails resultam de mais uma feliz união. São da Living the Drink”, de Cheila e Semi, que Catarina e José tiveram a oportunidade de conhecer na altura em que fazia uma residência no Machimbombo. “Eles fazem uns cocktails incríveis. A nossa comida e os cocktails deles fizeram match.” Aqui não há especialistas em mixologia e volta a apostar-se na fórmula vencedora do DIY. “Os cocktails são todos novos, excepto o wasabi mule, e foram feitos exclusivamente para o Aura Dim Sum. Vêm engarrafados e só precisamos de colocar o gelo e a guarnição.” A lista de vinhos também cresceu, mantendo opções “leves”, característica importante para deixar sobressair o sabor de uma comida que, por si só, já tem sabores intensos.
O Aura Dim Sum fica na Rua das Escolas Gerais, 88. Funciona de terça a sexta, das 18h00 às 23h00, exceto sábado, em que também abre para o almoço, funcionando entre o 12h30 às 15h00 e as 18h30 as 23h30.