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A Direção Executiva do SNS (DE-SNS) quer fixar 180 médicos dentistas para os Centros de Saúde, até 2026, e criar uma carreira para os médicos dentistas no Serviço Nacional de Saúde, avança ao Observador o bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas, que participou no grupo de trabalho, coordenado pela DE-SNS, e que foi criado para estudar medidas destinadas a reforçar a capacidade de resposta do SNS nesta área.
No entanto, o bastonário dos Médicos Dentistas, Miguel Pavão, sublinha que este reforço do número destes profissionais nos cuidados de saúde primários, ao longo dos próximos três anos, “fica aquém das necessidades”, numa altura em que “há uma procura cada vez maior pelos cuidados de medicina dentária” nos centros de saúde. Também o presidente do Sindicato dos Médicos Dentistas salienta que o reforço é insuficiente. “Deveríamos ter dois dentistas por cada centro de saúde”, diz João Neto ao Observador. Ou seja, o “ideal”, realça, e sendo que existem cerca de 920 centros de saúde no país, seria existirem mais de 1800 médicos dentistas nestas unidades. Ainda assim, admite, a concretizar-se a de 180 dentistas, a situação ficará “melhor do que a que temos agora”.
Dentistas querem criação de carreira para levar mais saúde oral aos centros de saúde
Já o bastonário dos dentistas refere um número mais conservador: admite que seria necessário pelo menos um dentista por cada centro de saúde, ou seja, cerca de 900 profissionais. Mas a realidade está distante desses números. Neste momento, trabalham cerca de 140 dentistas no SNS. A este contingente, que a Direção Executiva quer integrar na carreira especial a ser criada, vão somar-se mais 40 profissionais, contratados até 2026. Assim, e admitindo que não haverá profissionais a deixar vagas as posições atualmente já ocupadas, os centros de saúde terão 180 dentistas, cerca de um quinto da cobertura necessária na estimativa mais conservadora.
Dos atuais 140 profissionais, a maior parte são contratados através de empresas de prestação de serviços. “Os contratos são bastante precários”, admite o bastonário dos dentistas. Um pequeno grupo de 22 profissionais está integrado na função pública com contratos de técnicos superiores e “estão ilegais”, acrescenta o presidente do sindicato, João Neto. Todos serão integrados, segundo proposta do grupo de trabalho — criado em março pela DE-SNS — na nova carreira, que é uma reivindicação antiga da classe.
Criação da carreira é uma reivindicação antiga dos dentistas
“Desde 2017 que temos pedido a criação da carreira e não temos tido resultados, porque o processo tem estado bloqueado no Ministério das Finanças”, revela o presidente do sindicato dos dentistas, lamentando que “nunca tenha havido interesse em integrar médicos no SNS”. A consequência, ao longo dos anos, foi a precariedade, garante. “Neste momento, [os médicos contratados] ganham 10 euros à hora e só podem faltar dez dias por ano, praticamente não têm férias. Há uma precariedade e uma exploração”, critica João Neto, revelando que a maioria está “insatisfeita com as condições que lhes são oferecidas”.
Cético com uma mudança desta situação, o dirigente sindical salienta que é “preciso que os médicos dentistas sejam integrados na carreira” agora prometida. Apesar de a maioria estar “insatisfeita” com as condições que lhes são oferecidas, o excesso de profissionais (Portugal tem mais do dobro dos médicos dentistas recomendados pela OMS) obriga muitos dentistas a aceitarem o que lhes é proposto.
Agora, com a criação de um carreira, sublinha o bastonário, Miguel Pavão, estes profissionais terão “uma capacidade de progressão”, sendo que ficará colmatada outra falha do sistema atual: a ausência de uma relação médico-doente. “Neste momento, a relação médico-doente não existe, o que faz com que os serviços de medicina dentária existentes não estejam a dar uma resposta capaz”, diz o bastonário, que avisa que o investimento em “cuidados de saúde oral não pode ser cíclico”. Miguel Pavão elogia o atual ministro da Saúde por ter, diz, “priorizado este assunto”.
No entanto, para que um consultório dentário possa funcionar, é necessário mais do que um dentista. E em muitos locais há “falhas”, reportadas por diversas vezes ao sindicato dos médicos dentistas. “Há muitas situações de falta de material. E muitas vezes não há assistentes dentárias”, essenciais no apoio ao médico dentista, diz João Neto.
Com a reforma que está a ser preparada, serão criadas “equipas de saúde oral, onde higienistas, estomatologistas e assistentes possam trabalhar em conjunto”, diz o bastonário dos dentistas, Miguel Pavão, lembrando que “muitos consultórios estiveram abertos, mas nunca operaram porque não tinham profissionais preparados para o fazer”. Os Serviços de Saúde Oral funcionarão no contexto das Unidades Locais de Saúde, com uma direção única, sendo que terão autonomia para permitir melhorar a alocação de recursos e maximizar o volume de utentes abrangidos. Miguel Pavão lembra, com o modelo atual, “muitos consultórios estiveram abertos, mas nunca operaram porque não tinham profissionais preparados para o fazer”.
Metas de saúde oral nos centros de saúde não têm sido cumpridas
A disponibilização de cuidados de saúde oral nos cuidados de saúde primários é um processo já com alguns anos e que tem vindo a ser marcado por uma série de avanços limitados e metas não cumpridas. Em 2018, o então secretário de Estado da Saúde, Fernando Araújo (hoje diretor-executivo do SNS), anunciava a intenção de dotar todos os agrupamentos de centros de saúde de um consultório de medicina dentária. O objetivo era que essa meta fosse cumprida até ao final do primeiro trimestre de 2019, mas a verdade é que, quatro anos depois, pelo menos quatro dos 55 agrupamentos do país ainda não têm consultas dentárias.
O cenário agrava-se se a análise for feita em função da cobertura geográfica dos dentistas nos cuidados de saúde primários. Até final de junho de 2020, todos os 278 concelhos do continente deveriam estar cobertos por serviços gratuitos de saúde oral. Mas, três anos volvidos, o objetivo de aproximar a medicina dentária da população está ainda distante. Segundo os últimos dados disponíveis, do final de 2022, apenas metade (49%) dos concelhos tinha um consultório instalado. Agora, a DE-SNS quer relançar a meta fixada em 2018 e duplicar o número de consultórios, abrangendo todo o território continental. Relativamente ao investimento nestes consultórios, “há uma linha do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) que vai ser aproveitada e que estará em marcha”, garante o bastonário dos dentistas.
O investimento total, que inclui a duplicação para 350 gabinetes de saúde oral e a fixação de 180 dentistas, será de 8,5 milhões de euros. Vão também ser vinculados ao SNS mais 150 higienistas orais.
“Com a criação [da carreira] de médico dentista, é importante usá-la para fixar profissionais e aquilo que nós acreditamos é que temos de conseguir ter uma distribuição de profissionais cujo número seja, por um lado, realista do ponto de vista orçamental e de estabilidade financeira do próprio país, mas, por outro, que permita dar resposta à população. Por isso, chegamos a este número”, disse, à Lusa, Francisco Goiana da Silva, da Direção Executiva do SNS, referindo-se ao rácio de um dentista por cada dois consultórios de saúde oral.
Perante estes números, o bastonário dos dentistas admite que são necessárias medidas, uma vez que “os cuidados disponibilizados à população portuguesa em termos de saúde oral são reduzidos”. “Somos o país com os piores índices de saúde oral”, lembra também o presidente do sindicato dos dentistas, que defende que o plano de saúde oral no SNS deve ser reavaliado dentro de 3 a 5 anos, uma vez que as metas definidas até hoje “nunca foram cumpridas”.
Entre as 26 recomendações dos peritos do grupo de trabalho para aumentar o acesso aos cuidados de saúde oral estão novas parceiras com municípios para “complementar a capacidade infraestrutural na área da saúde oral em áreas carenciadas”, assim como a criação de incentivos para a fixação de médicos dentistas.
“O objetivo é melhorar os indicadores de saúde oral que têm caracterizado a população portuguesa e que não têm comparado de forma muito positiva face a outras realidades, de outros países. A nossa visão é essa, usando todos os instrumentos necessários para mudar esta realidade”, explicou à Lusa Francisco Goiana da Silva. Outra das recomendações é a criação de um sistema de informação comum à operação e atividade de todos estes profissionais. “Temos de ter dados estandardizados, harmonizados e que comuniquem. Assim vamos conseguir fazer um muito melhor uso dos recursos”, acrescentou o responsável.
Nota: este artigo foi editado às 15h40, corrigindo a informação inicial de que iriam ser contratados mais 180 dentistas. Na verdade, o número total de dentistas no SNS em 2026 será de 180, sendo que os atuais 140 profissionais serão integrados na carreira e outros 40 novos profissionais serão contratados