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O Chega tem quatro anos de vida, conta com cinco convenções (a caminho da sexta), três delas por imposição de decisões do Tribunal Constitucional, e está à espera para saber se vai ou não ficar de fora das eleições regionais da Madeira, exatamente devido a (mais) uma decisão do coletivo de juízes do Palácio Ratton — que vai anunciar na segunda-feira o resultado do pedido de impugnação às listas do partido.
André Ventura tem-lhe chamado “a maior perseguição a um partido desde o 25 de Abril”, o partido Alternativa Democrática Nacional (que fez o pedido de impugnação) considera que para cumprir a lei é preciso que “o Chega seja impedido de ser candidato”, mas o Tribunal Constitucional tem a última palavra num processo que já foi descartado pelo Tribunal Judicial da Comarca da Madeira. É mesmo provável que o nome do Chega desapareça do boletim de voto?
O que está em causa?
A notícia foi uma enorme surpresa dentro do Chega. Depois de uma longa batalha com o Tribunal Constitucional — que primeiro anulou todas as decisões da Convenção de Coimbra e depois chumbou os estatutos aprovados na reunião magna de Viseu —, André Ventura acreditava que tudo tinha ficado resolvido em Santarém, até por ter decidido voltar ao ponto de partida e não complicar: elegeu órgãos com base nos primeiros estatutos de 2019, diminuiu a direção, o Conselho Nacional e começou do zero.
Mas não foi suficiente. Uma impugnação encabeçada por Fernanda Marques Lopes, militante número 3 do Chega, levou o Tribunal Constitucional a declarar inválida a última convenção do Chega. Em causa está a convocatória para a reunião magna que foi feita pelo Conselho Nacional que havia sido eleito em Viseu (com base nos estatutos ali aprovados e que nunca chegaram a ser ratificados pelo TC) e que tinha 70 elementos (e não os 30 dos estatutos iniciais). Com esta decisão, o Palácio Ratton deu razão a uma das pessoas que tem sido oposição interna a André Ventura e, mesmo após o recurso do partido, obrigou o Chega a mais uma convenção — que o líder e recandidato já anunciou que irá mesmo acontecer.
Ora, com a deliberação do Tribunal Constitucional começaram a ser colocadas em dúvida muitas coisas. Na altura, um constitucionalista ouvido pelo Observador assegurava que a decisão não só punha em causa a reunião magna, como tudo o que lá foi aprovado, nomeadamente a direção: “Cai por terra a V Convenção, não há dúvidas.”
O que tem a decisão do Constitucional a ver com a Madeira?
A situação do Chega na Madeira há muito que não é fácil (com acusações de inconformidade nas eleições internas no arquipélago e consequentes dúvidas sobre a legalidade das equipas eleitas), mas a decisão do Tribunal Constitucional abriu espaço a uma nova questão: se a direção do partido não está legitimada, as listas para as regionais da Madeira (escolhidas pelos responsáveis máximos do Chega) podem estar em causa?
Gregório Teixeira, militante do partido, fez uma queixa à Comissão Nacional de Eleições (CNE) a dar conta do assunto, prosseguiu com a mesma para o Tribunal Judicial da Comarca da Madeira e pretendia ir até ao Tribunal Constitucional. Porém, apenas como militante, Gregório Teixeira não tinha legitimidade para apresentar uma queixa contra as listas apresentadas pelo partido para concorrer às regionais.
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O próprio André Ventura chegou a dizê-lo numa entrevista à SIC Notícias: “Para contestar as candidaturas apresentadas às eleições têm de ser outros partidos políticos ou outros candidatos, no caso não é nada disso, nem sequer há legitimidade.” Ainda que a queixa de Gregório Teixeira tenha mesmo seguido para o Ratton pelas mãos do tribunal da Madeira, houve um partido que decidiu chegar-se à frente e tornar o pedido de impugnação legítimo (e mais notório).
Como é que o ADN entra nesta equação?
O partido Alternativa Democrática Nacional (ADN) — esse, sim, com legitimidade — deu entrada, no Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, no dia 23 de agosto, de um pedido para impugnar as listas do Chega às eleições regionais da Madeira. Não só citou partes da ação de impugnação de Gregório Teixeira como colocou em cima dos ombros do Chega as responsabilidades de pôr em “perigo iminente” a região por poder “desencadear uma crise institucional”.
Partido ADN entrega pedido para impugnar as listas do Chega na Madeira
Ao Observador, Bruno Fialho, presidente do ADN, argumentou que o partido “luta pela preservação do Estado de direito democrático e a defesa intransigente do escrupuloso cumprimento da Constituição”, pelo que “jamais poderia aceitar que um acórdão do plenário do Tribunal Constitucional, que não é passível de recurso, não fosse integralmente cumprido nesses termos”.
Aliás, disse ainda que o “silêncio dos outros partidos” sobre o tema apenas pode ser entendido como a “prova de que todos, incluindo o partido Chega, fazem parte deste sistema corrupto que vigora no nosso país há décadas”. “Esperamos que seja cumprida a lei e o Chega seja impedido de ser candidato às eleições regionais da Madeira”, afirmou, como justificação para a ação que, agora, aguarda uma decisão do Constitucional.
O que decidiu o Tribunal da Madeira?
O Tribunal Judicial da Comarca da Madeira admitiu, no dia 22 de agosto, as 13 candidaturas apresentadas às eleições regionais, indeferindo o requerimento que contestava a legitimidade do Chega. E também rejeitou o pedido do ADN que pretendia impedir que o partido fosse a essas mesmas eleições. No despacho, o tribunal esclareceu que não foi “invocada, em concreto, qualquer irregularidade processual que obste à manutenção da decisão de admissão da candidatura do partido Chega”, pelo que indeferiu o pedido. Desta forma, ficou tudo nas mãos do Tribunal Constitucional.
ADN recorreu, Chega defendeu-se. E agora?
O Tribunal Constitucional tem a última palavra sobre a possibilidade de o Chega ir ou não a eleições nas regionais da Madeira. Depois do chumbo do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, o ADN recorreu para o Palácio Ratton e voltou tudo ao ponto de partida, já que foi o coletivo de juízes a decidir sobre a inviabilização da convocatória que deu luz verde à convenção.
A resposta do Chega ao recurso do ADN foi entregue esta quarta-feira ao Tribunal Constitucional (após o tribunal da Madeira ter enviado a contestação tanto do partido como de Gregório Teixeira), portanto, a decisão final deveria ser conhecida na sexta-feira — porém, o Observador sabe que o processo só foi distribuído esta quinta-feira e que o Chega só na segunda-feira (dia em que serão afixadas as listas definitivas) saberá se pode ou não ter o nome no boletim de voto.
Chega pode (mesmo) ficar fora das eleições?
De facto, o Tribunal Constitucional pode decidir deixar o Chega fora das eleições regionais da Madeira — mas é previsível que o faça? A constitucionalista Teresa Violante explica ao Observador que no acórdão que decidiu invalidar a convocatória da V Convenção do Chega, o Tribunal Constitucional “não aferiu a questão da validade das deliberações que foram tomadas na convenção nacional”, frisando que esta é “uma questão que exorbitou esse processo”.
“O TC tem entendido, no âmbito do contencioso eleitoral, que não lhe compete neste tipo de processos aferir o processo de formação da tomada de deliberações e decisões de partidos políticos”, argumenta a especialista, esclarecendo que decidir contra o Chega neste caso significaria uma “análise de violação de preceitos estatutários, que é algo que não faz no âmbito do contencioso eleitoral”.
Ou seja, na visão de Teresa Violante, “a questão levantada pelo ADN, à luz da jurisprudência, extravasa o tipo de questões que são tratadas no âmbito do contencioso eleitoral” por estarem em causa “questões para outro tipo de processos, relativos ao contencioso de partidos”.
Aliás, o coletivo de juízes esclareceu que o acórdão “não versou sobre a impugnação de deliberações ou quaisquer atos praticados pela convenção nacional, analisando apenas a validade da deliberação impugnada”, deixando claro que, “se as deliberações da convenção nacional foram válidas ou não em função da anulação da respetiva convocatória, é questão que exorbita o presente processo”.
É possível haver efeitos retroativos?
Além do caso relativamente ao qual o Tribunal Constitucional se vai pronunciar, está ainda em análise um processo de impugnação da própria V Convenção do Chega, também apresentado por Fernanda Marques Lopes. Porém, questionada pelo Observador sobre a possibilidade de efeitos retroativos pós-eleições, Teresa Violante resumiu que neste tipo de processos “todos os atos que vão sendo praticados e não são anulados judicialmente consolidam-se na ordem jurídica”.
Ou seja, mesmo que a convenção em si venha a ser invalidada, bem como os atos ali praticados, na opinião da constitucionalista “isso não terá como efeito a invalidação deste tipo de atos que são destacáveis desse ato”, nomeadamente através da eleição de deputados regionais. Isto é, ainda que todos os atos fossem invalidados, as eleições a que o partido foi a votos não seriam prejudicadas.
Qual a posição do Chega sobre o tema?
O Chega está metido em mais um imbróglio com o Tribunal Constitucional, tem o problema da convenção para resolver — André Ventura já anunciou que o partido vai realizar outra reunião magna e que é recandidato —, mas considera que está a ser alvo de “perseguição”.
“É a maior perseguição a um partido desde o 25 de Abril”, defendeu o presidente do Chega, que disse não ter conhecimento de nenhum outro partido que tenha sido obrigado a “fazer cinco convenções em quatro anos”. “Não somos menos competentes que outros na sua altura, somos é mais perseguidos do que outros”, reiterou perante os mais de 250 militantes que marcaram presença na rentrée do Chega no Algarve.
Ventura está certo de que excluir-se um partido de umas eleições por questões relacionadas com a uma reunião magna abria a porta a um “precedente gravíssimo” — já após ter dito que é preciso ter-se consciência do “dia seguinte” a uma decisão destas, particularmente no exemplo de o Tribunal Constitucional tomar “uma decisão sobre PSD ou PS a três meses de umas legislativas [e isso] significar que o partido não pode ir a votos”.
Depois das duras críticas ao Tribunal Constitucional — em que disse que o órgão tem de decidir se quer ser uma “força de bloqueio” dos partidos e insistiu que são os “dois principais partidos que nomeiam” os juízes —, o presidente do Chega disse ainda que o partido estava disposto a ir para o Tribunal Europeu, mas não especificou os termos nem sequer em que circunstância. Ainda assim, André Ventura deu a entender que a decisão teria efeito por aquilo a que chamou de “ilegalização de secretaria”. “Em vez de irem de frente e dizerem que o Chega não pode existir porque é da extrema-direita ou racista, mais vale dizer que está tudo ilegal e nunca conseguimos ter legitimidade nos órgãos”, disse.
Com mais ou menos críticas por parte dos dirigentes, as dúvidas sobre o futuro do Chega mantêm-se pelo facto de o partido há três convenções não conseguir uma viabilização por parte do Tribunal Constitucional — mas, antes de resolver mais uma questão interna, o Chega aguarda para perceber se pode não ir a votos na Madeira.