Ao segundo dia de votações na especialidade para o Orçamento do Estado para 2025 o guião era longo, tendo acabado logo no início encurtado com o adiamento das propostas polémicas que visam o aumento extraordinário das pensões, a redução do IVA das touradas e, ainda, a mexida nas comissões bancárias nas amortizações de crédito à habitação. E voltou a ter a presença do ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento.
Com esses pesos pesados adiados, a tarde era de aprovações (muitas) em sede de IRC, de IVA e de benefícios fiscais, além de um número relevante de propostas sobre estradas, hospitais, prisões de âmbito regionais. Pelo caminho ficaram as pretensões “antigas” do PAN de descer o IVA dos serviços médico-veterinários ou da alimentação para os animais de companhia; ou ainda da IL de descer o mesmo imposto na alimentação infantil. Caíram ainda por terra as mais recentes ambições da IL e do Chega de cortarem o IVA na construção, ou a herança social (que dá a cada criança que nasça uma conta com cinco mil euros, em média).
Foram aprovadas cerca de 90 propostas de alteração, com os partidos que apoiam o Governo (PSD e CDS) e o PCP a saírem os mais vitoriosos neste segundo dia de votações, com cerca de duas dúzias (cada) na lista do “sim”. E se o PS no primeiro dia saiu de mãos a abanar, desta vez conseguiu nove aprovações, e foi a IL que teve um dia a zeros. O PSD e o CDS não fizeram o pleno por causa da Zona Franca da Madeira, mas também por via da proposta do IRC que tinham colocado para pressionar o PS, mas que indicaram logo que votariam contra a sua própria proposta para forçar a votação socialista na descida do imposto sobre empresas. E, assim, em 2025 a taxa do IRC desce de 21% para 20% e a das PME de 17% para 16%. O PS e o Chega votaram em sintonia, abstendo-se na votação do IRC, que passou com os votos a favor da AD e da IL.
Taxa máxima de IRC desce para 20% com abstenção do PS e Chega
O Chega viria a ‘salvar’ o Governo de outras derrotas que se afiguravam pesadas. Aconteceu primeiro em relação à majoração, em 20%, em sede de IRC para os seguros de saúde dados pelas empresas aos trabalhadores. A medida era particularmente relevante porque foi inscrita no novo acordo de rendimentos assinado na concertação social com Luís Montenegro e todos os parceiros sociais à exceção da CGTP. A abstenção do Chega, com o voto contra da esquerda, tinha deitado a medida por terra, mas voltou à vida minutos depois quando o partido de André Ventura anunciou a mudança no sentido de voto para “a favor”.
A mesma dança de votos aconteceu com outra medida que está inscrita no acordo da concertação social: a isenção de IRS dos prémios de produtividade, desempenho, participações nos lucros e gratificações de balanço (a medida que ficou conhecida como o “15.º mês”). Também aqui a esquerda votou contra e a abstenção do Chega ditou um primeiro chumbo. Não por muito tempo. O Chega corrigiu e impediu que uma das medidas usadas como bandeira eleitoral da AD — e cuja ideia partiu da CIP — ficasse pelo caminho.
O mesmo não se pode dizer, porém, de uma outra intenção do Governo que acabou chumbada — e, aqui, sem alterações posteriores nos sentidos de votos. Para efeitos de atribuição do benefício de IRC de valorização salarial e da isenção dos prémios, o Governo queria que deixasse de ser impeditivo se houvesse um aumento do leque salarial dos trabalhadores. Os deputados não lhe fizeram a vontade e mantiveram a exigência de não alargar o leque na lei: Chega, PS, Livre, PCP e Bloco votaram contra a proposta do Executivo.
Por outro lado, a AD conseguiu ver aprovada uma proposta que corrige as exigências de aumentos salariais para que as empresas possam pagar prémios isentos de IRS e usufruir do incentivo em IRC de valorização salarial, de forma a assemelhar-se mais ao que ficou inscrito no acordo da concertação social.
AD corrige exigências salariais para benefício de IRC e prémios em linha com o acordado
Ainda em sede de impostos sobre as empresas, nenhuma das propostas para agravar (ou revogar) contribuições sobre setores foi aprovada. No entanto, e como a proposta do Governo entregue ao Parlamento para o orçamento do Estado nada dizia sobre a Zona Franca da Madeira acabou por ser por proposta de alteração que a tributação de 5% ficou prolongada para empresas que obtenham licenciamento até final de 2026, com taxa mais favorável até aos rendimentos de 2028. A proposta que acabou aprovada foi a do PS, já que os partidos do Governo queriam um prolongamento maior, até 2033.
O dia em que o PS deu a mão ao Chega (numa proposta sobre o regadio)
Acabou aprovada, com uma mãozinha do PS, uma proposta do Chega para que, até ao final do primeiro semestre de 2025, o Governo faça o levantamento das necessidades hídricas da Cova da Beira tendo em vista elaborar um inventário sobre os possíveis troços de expansão do regadio. Foi a primeira vez neste OE que os socialistas disseram “sim” a uma proposta do Chega. O PSD, CDS, Bloco e PAN votaram contra, o PCP absteve-se e os restantes (incluindo o PS) votaram a favor. E assim a proposta do Chega viu a luz do dia com o “sim” socialista, o que muda o rumo do PS em relação às intenções do partido de André Ventura.
PS diz não ao Chega, Ventura não fecha portas. Pensões, a coligação negativa que ainda sobra
Depois desse inventário, o Governo deverá proceder à “agilização de todos os procedimentos necessários à expansão do regadio da Cova da Beira, nos moldes nele apurados”.
Além desta proposta, o Chega conseguiu aprovar outra — neste caso com a abstenção do PS — que compromete o Governo com o “desenvolvimento tecnológico das indústrias portuguesas, promovendo a investigação e desenvolvimento (I&D) como motor do crescimento económico”. O partido diz que para alcançar em 2030 a meta 3% do PIB em Investigação & Desenvolvimento (dos quais 2/3 do sector privado), “o investimento privado em I&D terá de triplicar, com a inerente associação de aproximadamente 25 mil novos empregos qualificados, enquanto no investimento público em I&D deverá duplicar até 2030”.
Depois de no primeiro dia ter sido aprovada a proposta para reforço dos técnicos de emergência pré-hospitalar do INEM (em 400) e de se rever a carreira desses mesmos técnicos, o INEM voltou às votações no segundo dia para aprovar a proposta do PSD e do CDS que impede que os excedentes orçamentais do Instituto sejam destinados a outros organismos do Estado.
Sentenças de primeira instância divulgadas. PAN conseguiu agora (com votos a favor do PS) o que tentou antes e que PS tinha chumbado
Em novembro de 2022, tinha o PS maioria absoluta no Parlamento, o PAN avançou com uma proposta de alteração ao Orçamento para 2023 para que as sentenças judiciais de primeira instância fossem publicadas. O PS ainda votou favoravelmente esta proposta o que, na altura, era o bastante para ser aprovada. Só que no próprio dia da votação recuou e alterou o seu sentido de voto, chumbando a proposta da deputada única.
O PAN voltou a insistir este ano, depois de no orçamento em vigor a proposta ter sido rejeitada – mas dessa vez foi o PSD a propô-la. Também aí todos votaram a favor, exceto o partido que tinha a maioria. E que agora permitiu que a proposta fosse aprovada. A proposta do PAN diz exatamente o mesmo dos anos anteriores. Mas desta vez conseguiu o voto a favor de todos os partidos com assento parlamentar, exceto o do PSD e CDS que se abstiveram, quando nos anos anteriores tinham votado a favor.
Assim em 2025, o Governo terá de assegurar a publicação anonimizada dos acórdãos e sentenças dos tribunais de primeira instância, assim como uma base de dados de jurisprudência única e anonimizada, “dotada de ferramentas avançadas de pesquisa”, “através da qual sejam colocadas à disposição do público, sem exceção, todos os acórdãos e sentenças proferidas pelos tribunais”.
O PAN viu ainda ser aprovada, desta feita por unanimidade, a proposta para que em 2025 haja um reforço do combate à corrupção, fraude e criminalidade económico-financeira, através da criação de centros de competência e redes de conhecimento com técnicos especializados, mais recursos humanos e através da modernização digital da PJ. Além do Governo ter de reforçar os conteúdos curriculares sobre ética, integridade, fenómenos de corrupção no ensino básico e secundário.
Neste momento está em execução da agenda anticorrupção e, por isso, o PAN também pretende – uma proposta aprovada – que até 30 de novembro do próximo ano o Governo divulgue o relatório de monitorização dessa agenda.
É para que haja mais transparência e escrutínio que neste segundo dia foi ainda aprovado o relatório quantitativo de despesa fiscal diferente do atual, já que se pretende que inclua inclua uma análise com a identificação e avaliação discriminada dos custos e dos resultados efetivamente obtidos face aos objetivos inerentes à sua criação ou atribuição”.
O PAN conseguiu ver, ainda, aprovada a obrigatoriedade da Autoridade Tributária e Aduaneira disponibilizar na sua página de internet, até ao final de fevereiro de 2025, a lista de municípios onde vigora a prorrogação de vigência da isenção de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) para prédios urbanos de valor patrimonial tributário igual ou inferior a 125 mil euros, destinados à habitação própria e permanente. Ou ainda a entrega até ao final do primeiro semestre de 2025 à Assembleia da República e publicitar no Portal Autárquico de “um relatório que relativamente ao Fundo Geral Municipal identifique, de forma desagregada, os montantes transferidos aos municípios em 2025, bem como as variáveis, os elementos e indicadores de cálculo subjacentes a tais transferência”. Uma obrigação para ser cumprida pelo Governo.
INEM mantém excedentes e bombeiros passam a ter direito à pensão de “preço de sangue”
Ao longo dos últimos anos os vários orçamentos foram retirando do INEM os excedentes, determinando a sua entrega à ACSS – em 2024 não foi na lei do Orçamento que essa determinação ficou aprovada, mas o Governo de António Costa optou por inscrever essa norma na lei de execução orçamental. Numa ou noutra norma, certo é que o INEM tem entregado, todos os anos, desde 2020, os saldos ao SNS, não retendo esses montantes. Agora, sob proposta do PSD/CDS, numa aprovação unânime no Parlamento, impede-se que esse dinheiro saia do organismo.
Numa proposta que teve origem no PCP ficou decidido que o protocolo entre as Associações Humanitárias de Bombeiros, o Instituto Nacional de Emergência Médica e a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil tem de ser revisto, para “contemplar os valores que cubram de modo integral os custos efetivos dos serviços prestados”. A AD e o PS abstiveram-se, o que viabilizou a proposta. Além disso, o Governo terá de garantir o pagamento atempado às Associações Humanitárias de Bombeiros, regularizando as dívidas.
Nesta área de socorro e salvamento, e sob proposta do PSD, este segundo dia garantiu aos bombeiros que receberão a chamada pensão de preço de sangue caso fiquem com “incapacidade absoluta e permanente para o trabalho quando tal resulte de ferimentos ou acidentes ocorridos no desempenho da sua missão”. Atualmente esta pensão só é dada aos familiares em caso de morte. Uma proposta que mereceu um voto unânime a favor, tal como a proposta, também dos partidos que apoiam o Governo, para que os corpos de bombeiros possam aceder ao programa de remoção de amianto para os imóveis onde estejam.
No âmbito do grupo de trabalho que está a estudar as medidas sobre bombeiros, O PSD/CDS querem que se avalie a criação da carreira dos bombeiros que integram de forma profissional os quadros de pessoal dos corpos de Bombeiros das Associações de Bombeiros Voluntários (ABV).
Aprovadas ficaram também propostas do PAN e do PSD para que os serviços de protecção civil da Madeira e dos Açores, assim como os municípios e entidades intermunicipais, possam beneficiar de IVA reduzido na compra de “utensílios e outros equipamentos exclusiva ou principalmente destinados a operações de socorro e salvamento”, tal como já acontece hoje em dia com as associações humanitárias e corporações de bombeiros, Instituto de Socorros a Náufragos, SANAS – Corpo Voluntário de Salvadores Náuticos e o Instituto Nacional de Emergência Médica.
PCP, o “promotor” de obras públicas (e quase líder das aprovações)
E se no primeiro dia das votações o PAN levou a melhor, saindo do hemiciclo como o partido com mais propostas aprovadas, na segunda ronda foi dominada pelo PCP. Esta terça-feira, os comunistas só foram ultrapassados em número de propostas aprovadas pela própria AD. Mais de 20 propostas de alteração do PCP vão ser, assim, inscritas no Orçamento para 2025. Algumas com dotação orçamental prevista, outras sem. O PCP foi, depois do Chega, o partido que mais alterações propôs ao OE – 510 no total.
E houve uma área na qual os comunistas se destacaram nas votações deste segundo dia: as obras públicas. Entre estradas, caminhos de ferro e hospitais, há vários compromissos que o Governo terá de assumir para dar cumprimento às propostas do PCP. Como por exemplo, garantir a ampliação e modernização dos hospitais de Portalegre e Beja.
No capítulo das estradas, o partido conseguiu luz verde em propostas como o início da requalificação do IC8, entre Pombal e Vila Velha de Ródão, do IC1, no troço Palma – Alcácer do Sal (Sul), na construção de um novo troço no IC3 e na criação de um “plano de requalificação urgente de estradas perigosas e obras de arte degradadas da região de Trás-os-Montes e Alto Douro”.
Na ferrovia também houve conquistas, como a reposição das acessibilidades no Distrito de Bragança (e a garantia de uma ligação ferroviária à própria cidade de Bragança), a reabertura da Linha de Leixões, “com ligação entre Leixões e Campanhã, por Ermesinde, com a modernização das paragens existentes e a construção de novas, nomeadamente nas proximidades do Hospital São João”, ou a adoção de medidas para o aproveitamento regional do investimento da ligação ferroviária Sines-Elvas (Caia).
O PCP garantiu ainda que o Governo deve destinar verbas para avançar na construção da barragem da Foupana – Algarve e no domínio hídrico fez aprovar mais três propostas: em 2025, devem começar as operações de despoluição do rio Vouga, devem ser tomadas “medidas para o controlo da espécie invasora conhecida como “Erva-das-Pampas” e deve ser criado um programa para erradicar espécies “exóticas invasoras” nos rios Lima e Minho.
O partido ainda se destacou com três medidas para o alojamento de estudantes. Deve ter início a construção de uma nova residência para os estudantes do Instituto Politécnico da Guarda e outra para os estudantes do Instituto Politécnico de Santarém. Deverão ser também tomados “os procedimentos necessários para a transformação do edifício da Messe dos Sargentos em residência estudantil pública”.
Um “pacotão” de propostas para as Regiões Autónomas
Eram várias as propostas que tinham as Regiões Autónomas como destinatário e muitas saíram com luz verde do segundo dia das votações. Em destaque, o prolongamento do regime da Zona Franca da Madeira até 31 de dezembro de 2026 (e ficarão com uma taxa de 5% até 31 de dezembro de 2028). Foi aprovada a proposta do PS. O PSD queria um prolongamento maior, mas a proposta foi rejeitada.
A AD conseguiu incluir no documento que, em 2025, o Governo vai promover “as diligências para o lançamento de um concurso público internacional para a existência de uma linha marítima regular de transporte de passageiros entre a ilha da Madeira e o continente”, sendo que o PS apresentou, e também viu aprovada, uma proposta semelhante. Além disso, o PS viu aprovada uma proposta para que o Governo estude, até ao final de 2025, um novo modelo de subsídio social de mobilidade aérea entre o Continente e a Região Autónoma dos Açores que reduza a carga burocrática do modelo atual e o montante adiantado pelo passageiro, sem perda de direitos.
Os partidos que suportam o Governo fizeram também aumentar o montante permitido às regiões autónomas para contraírem dívida que permita regularizar pagamentos em atraso, de 75 milhões (como estava previsto na proposta do Governo) para 150 milhões. A coligação garantiu ainda que a contração de empréstimos pelas Regiões Autónomas possa ser concretizada através de operações de emissão de dívida estruturadas pelo IGCP.
Outra proposta da AD, aprovada, obriga o Governo a avaliar a possibilidade de mais trabalhadores em funções públicas nas regiões autónomas receberem um subsídio de insularidade (no caso da Madeira) e uma remuneração completar (nos Açores).
Ainda da AD foi aprovado o IVA reduzido para as operações de socorro e salvamento para por parte do Serviço Regional de Proteção Civil da Madeira e dos Açores.
A aposta nas obras públicas do PCP também não deixou as Regiões Autónomas de fora. Foram aprovadas as obras de requalificação do edifício que alberga a Cadeia de Apoio da Horta, no Faial. O Bloco também fez aprovar uma proposta no mesmo sentido. Ficou ainda consagrado no OE que deverá avançar em 2025 o novo estabelecimento prisional da ilha de São Miguel, com propostas aprovadas neste sentido do PS e do BE.
Ainda nos Açores, ficou aprovado que o Governo avance para a verificar a viabilização da antecipação da ampliação da pista do aeroporto da Horta.
Na Madeira, os comunistas viram passar uma proposta que obriga o Governo a promover diligências para a reabertura do edifício da Fundação Inatel e outra para a requalificação do edifício onde funcionou o Centro Educativo da Madeira.
AD e Bloco conseguiram que o Governo assegure “o apoio financeiro correspondente a 50% do valor de construção, fiscalização da empreitada e aquisição de equipamento médico e hospitalar do futuro Hospital Central e Universitário da Madeira”.
Ficou ainda definido, por proposta da AD, que é ao Governo que cabe garantir os encargos dos meios de combate a incêndios na Madeira, nomeadamente a utilização de meios aéreos e o apoio às populações afetadas.