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Mais de 100 dias depois do início da invasão russa em território ucraniano, o mundo alterou-se profundamente. A guerra que teve início a 24 de fevereiro envolve formalmente apenas Rússia e Ucrânia, mas os seus impactos fazem-se sentir um pouco por todo o mundo: desde a crise de refugiados que atinge toda a Europa até ao aumento exponencial do preço do trigo, passando pelo dinheiro investido por vários países em ajuda financeira e militar aos ucranianos, são várias as áreas em que as consequências do conflito na Ucrânia se fazem sentir.

Para compreender melhor a dimensão desta guerra, o Observador reuniu algumas informações e apresentou-as em formato gráfico, para ilustrar a proporção de cada um destes efeitos. Por todo o mundo, a guerra na Ucrânia está a provocar ondas de choque a vários níveis.

Número de civis mortos

A primeira dimensão a que é impossível fugir é a tragédia humana. O número de civis mortos, sobretudo devido aos bombardeamentos russos, segue na ordem dos milhares. Oficialmente, não é ainda possível saber com exatidão quantas pessoas morreram. As Nações Unidas já confirmaram quase quatro mil mortes, mas admitem que “os números reais são maiores”.

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Com base nas estimativas avançadas pelas autoridades ucranianas e pelos relatos de jornalistas presentes no terreno, estima-se que possam já ter morrido quase 50 mil civis. Cerca de 25% das mortes no primeiro mês do conflito terão ocorrido na região de Kiev e arredores.

Nos últimos dois meses, a maioria das mortes ocorreu nas regiões que compõem o Donbass (Donetsk e Lugansk). Em Lugansk, estima-se que terá havido cerca de 1.500 mortes de civis, sobretudo em Severodonetsk. Já a região de Donetsk é aquela que regista o maior número de mortes, sobretudo devido à situação em Mariupol: o autarca estima que o número de mortes possa chegar às 22 mil. Inegáveis são os relatos de imprensa no local, como a Associated Press, que calcula que pelo menos 600 pessoas terão morrido num só ataque a um teatro da cidade.

Outras cidades da Ucrânia registaram igualmente mortes de civis, embora não à mesma escala. A ONU confirma que morreram civis em Cherkasy, Chernihiv, Kharkiv, Kherson, Mykolaiv, Odessa, Sumy, Zaporíjia, Dnipropetrovsk, Poltava, Rivne, Vinnytsia e Zhytomyr. As autoridades ucranianas e os media dão conta de estimativas que vão desde apenas sete em Lviv até mais de 500 civis mortos em cidades como Kharkiv.

Equipamento militar russo inutilizado

Se antes do início desta guerra a Rússia era tida como uma das maiores potências militares do mundo, o decorrer da invasão colocou essa perceção em perspetiva. Isto porque as forças armadas ucranianas, muito inferiores em termos de dimensão, têm sido capazes de infligir danos profundos no exército russo — e o equipamento e armamento militar cedidos a Kiev por outras potências tem contribuído para esse resultado.

Sem confirmação por parte de Moscovo, Kiev diz que já destruiu mais de 1.300 tanques russos e mais de 800 aeronaves. O grupo holandês Oryx, que faz pesquisa em open-source, tem estimativas mais conservadoras, mas que ajudam a compreender a dimensão da debacle russa: cerca de 700 tanques destruídos, bem como outros tantos veículos militares de transporte.

Soma-se a isso mais de 300 tanques abandonados, o que indicia operações mal planeadas. Tudo isto num exército onde a grande maioria dos soldados não são profissionais.

Nota para o facto de que o levantamento feito pela Oryx corresponde apenas a material do qual foi possível obter provas em vídeo ou foto. O número real pode, por isso, ser superior.

Dimensão da crise de refugiados

Quase sete milhões de pessoas (6,7) abandonaram a Ucrânia desde o início do conflito, o correspondente a cerca de um sexto da população do país. É um êxodo tremendo, que se registou em poucos meses e que já se assemelha ao número de refugiados provocados por outros conflitos como a guerra na Síria ou a crise israelo-palestiniana, muito mais prolongados no tempo.

A Polónia foi o país vizinho que mais refugiados ucranianos recebeu (mais de 3,5 milhões). Outros vizinhos como a Hungria (mais de 600 mil), a Roménia (quase 600 mil) e a Moldávia (quase 500 mil) absorveram a maioria desses refugiados. Portugal acolheu até agora 38 mil ucranianos.

Além dos refugiados, há ainda oito milhões de ucranianos deslocados dentro do próprio país, segundo a Organização Internacional para as Migrações. A maioria teve de fugir de Kharkiv, Kiev e Donetsk.

Contudo, segundo as Nações Unidas, cerca de dois milhões de ucranianos terão entretanto regressado ao país, a maioria à capital Kiev.

Protestos em todo o mundo

Logo a seguir ao início da guerra, realizou-se uma onda de protestos contra a invasão russa um pouco por todo o mundo. Só na primeira semana, o Armed Conflict Location & Event Data Project (ACLE) estima que se realizaram mais de 1.800 manifestações de apoio à Ucrânia.

A grande maioria ocorreu no mundo ocidental. De acordo com o levantamento da Al Jazeera, só nos EUA terá havido manifestações em pelo menos 14 cidades. Houve ainda várias em países europeus como o Reino Unido (12), Itália (5), França (5) ou Alemanha (3). Mas também noutros pontos do globo se registaram protestos, como em Teerão (Irão), Kuala Lumpur (Malásia) ou Manila (Filipinas).

Às manifestações somaram-se a solidariedade demonstrada em vários edifícios públicos iluminados com as cores da bandeira ucraniana — ou até mesmo os protestos como a dita iluminação na embaixada russa em Lisboa.

O mapa não inclui essa contabilização, mas também na Rússia ocorreram vários protestos. Segundo o ACLE, houve pelo menos 150 manifestações no país ao longo dessa semana — 95% delas tiveram resposta das autoridades.

O apoio financeiro e militar à Ucrânia

Os países ocidentais uniram-se em torno da Ucrânia, comprometendo-se com largas somas em ajuda financeira e militar, no valor de mais de 60 mil milhões de euros.

A maior parte dessa fatia vem dos Estados Unidos, que já enviaram 43 mil milhões de euros em apoio militar. O pacote mais recente, anunciado pelo Presidente Joe Biden, é no valor de 700 milhões e inclui sofisticados sistemas de lançamento de foguetes, os HIMARS.

Em termos proporcionais, contudo, a ajuda de alguns países europeus é mais significativa. A Estónia, a Letónia e a Polónia são os países que mais ajudaram a Ucrânia face às suas possibilidades, com ajudas que correspondem a 0,8%, 0,7% e 0,5% do seu PIB, respetivamente. As contas são do Kiel Institute for the World Economy, que destaca que o apoio da Alemanha, por exemplo, só corresponde a 0,06% do seu PIB.

A estas contas somam-se o apoio dado pelos países europeus com gastos para acolher refugiados. Nesta matéria, os vizinhos Polónia, Roménia e Hungria apresentam os maiores contributos.

O preço do trigo

Os impactos económicos desta guerra são evidentes e traduzem-se em áreas como o preço da energia e o aumento da inflação. Mas uma das áreas onde a correlação é mais evidente é no preço do trigo, já que a Ucrânia e a Rússia exportam, em conjunto, mais de um quarto do trigo consumido em todo o mundo. Com os portos no mar Negro atualmente bloqueados pelos navios russos, a situação pode traduzir-se numa crise alimentar mundial.

Tal é já evidente no aumento do preço deste bem alimentar. Os dados do Banco Mundial revelam que, no final de 2021, uma tonelada de trigo custava em média 315 dólares; em março deste ano, poucas semanas depois do início da guerra, o valor já tinha disparado para os 486 dólares. Atualmente, em maio, já valia mais de 500.

A situação pode agravar-se particularmente em países onde a maioria da alimentação é feita à base de trigo, grande parte dele importado da Ucrânia e da Rússia. É o caso de países como a Turquia, o Egipto e o Cazaquistão.

A fome é um impacto quase certo desta guerra. Basta olhar para um país como o Iémen — também ele em guerra há oito anos — onde 100% do trigo consumido é importado. Atualmente, 17 milhões de iemenitas já estão em situação de insegurança alimentar e a guerra na Ucrânia deverá fazer aumentar ainda mais esse número.