Há pronúncias fundamentadas com dados, estudos e anexos, há comentários de uma só página com propostas muito específicas ou com meras notas de cumprimentos pela excelência do trabalho realizado. Há preferências por todas as opções estudadas (e por algumas que ficaram de fora) e manifestações contra todas as opções estudadas.
Há quem questione: “Porquê mais um aeroporto?” e seja contra a construção de qualquer aeroporto, sobretudo na área metropolitana de Lisboa, apelando ao uso do dinheiro na infraestrutura ferroviária. E até há quem defenda que se passe mais tempo a discutir para se poder rever os planos de ordenamento regionais antes de chegar ao aeroporto.”Demoraria 4-5 anos, mas é certo que todos ganharíamos com este processo. Pelo menos ganhávamos assertividade.”
Foram cerca de 30 os particulares que enviaram o seu comentário na consulta pública promovida pela comissão técnica independente (CTI), antes de fechar o relatório com a recomendação final sobre a nova localização aeroportuária. Uma recomendação para a construção da infraestrutura no Campo de Tiro de Alcochete, numa primeira fase em complemento com Humberto Delgado, que foi aprovada pela comissão de acompanhamento esta sexta-feira.
Naquele que terá sido o processo mais participado sobre um investimento público em Portugal, há várias opiniões a contestar conclusões do relatório que irá fundamentar a decisão do Governo, além das posições contrárias já conhecidas da concessionária ANA e do promotor do projeto de Santarém, a Magellan 500.
O maior foco das críticas dirige-se às projeções de tráfego num horizonte de médio e longo prazo que, por assentarem numa expansão da procura elevada, terão como consequência o enviesamento das recomendações. É o que diz Silvino Pompeu. Este membro do conselho da Ordem dos Engenheiros defende que, ao estarem empoladas as projeções de tráfego, “beneficiam as soluções únicas, em particular o Campo de Tiro de Alcochete, e prejudicam as soluções duais, que têm menor capacidade para satisfazer”.
Este tema já estava na discussão publicada, em particular através da intervenção de António Coutinho (engenheiro e presidente da EDP Inovação), que mereceu mesmo uma resposta da coordenadora da comissão técnica, Rosário Partidário, num artigo de opinião publicado no Observador. António Coutinho é um dos participantes da consulta pública, na qual retoma as dúvidas sobre as projeções de tráfego e os pressupostos usados pela consultora TIS para chegar à previsão de 84 milhões de passageiros por ano (que a CTI diz ser para um horizonte de muito longo prazo — 2086).
Aeroporto de Lisboa, 2086 (e não 2050) – uma resposta ao comentário do Dr. António Coutinho
Um nome desconfortável para os americanos e vários aeroportos pequenos em vez de um grande
Na fase inicial da consulta, quando a CTI ainda estava a selecionar localizações possíveis, surgiram propostas mais ou menos absurdas (ou até irónicas) —— como as Berlengas ou Espanha. Na fase final também há comentários menos ortodoxos. Se houvesse uma medalha nesta categoria, provavelmente seria atribuída a um alerta para o nome do futuro aeroporto que causa “desconforto e constrangimento” a amigos americanos quando o ouvem.
Isto “pela simples razão de que em inglês, idioma central na indústria e comunicações aeronáuticas) aquelas expressões [Aeroporto de Alcochete] lhes soam como ‘dog shit’ (caca de cão) aeroporto”. Como Alcochete nem sequer é a vila mais próxima — e a localização proposta no Campo de Tiro de Alcochete até ocupa mais área nos concelhos de Benavente e Montijo (Canha) fica a proposta para se equacionam alternativas “menos passíveis de se transformarem em anedotas” na língua mais usada na aviação (o inglês).
Entre as sugestões mais fora da caixa está a apresentada por um “cientista em inteligência artificial” que propõe uma espécie de Portela mais três ou quatro. Em vez de se fazer um novo aeroporto, “não se teria considerado a alternativa de fazer vários aeroportos, obviamente mais pequenos?”. Esta abordagem teria “a vantagem de começar já a usar aeródromos”, com algumas obras, e permitia uma solução cumulativa e gradual que distribuísse o tráfego por vários locais”, o que teria um impacto ecológico diluído e um alívio imediato do atual aeroporto. E não exigiria um “esforço financeiro colossal”.
Outro cidadão sugere uma versão da Portela mais um, mas em que o aeroporto complementar para as companhias low-cost seria a norte, em Sintra, que é “muito mais vantajoso que Montijo” porque tem autoestrada e linha férrea (a linha de Sintra). A remodelação da base aérea em Sintra “afigura-se mais favorável ambientalmente (Sintra é o segundo concelho mais populoso do país e um dos mais urbanizados) e por fim, o prazo para a conclusão das obras seria por certo mais reduzido que Alcochete”.
Mais uma proposta diferenciadora é a que sugere uma possível nova solução para os terrenos da Portela pós aeroporto. Um parque de diversões e lazer inspirado nos exemplos internacionais dos Tivoli Gardens em Copenhaga ou no Gröna Lund em Estocolmo. Um parque temático que combinaria entretenimento, desenvolvimento urbano e espaços verdes, dando, ao mesmo tempo, um impulso à economia local, sugere este contributo.
O aeroporto Humberto Delgado merece igualmente a atenção de um especialista em transportes que aponta aquele espaço como um bom sítio para acolher a estação de alta velocidade porque a melhor entrada em Lisboa da nova linha seria pela margem direita do Tejo e não pela terceira travessia (hipótese que fica em aberto no relatório preliminar da comissão técnica). Há mais comentários a questionar a necessidade de uma nova ponte e recuperando uma ideia que já existiu de dedicar uma via na Vasco da Gama (em prejuízo da rodovia) a um metro ligeiro entre a Gare do Oriente e o CTA.
Contra qualquer aeroporto na margem sul. E muito menos na pacata Vendas Novas
Ficou para a história dos 55 anos de discussão sobre o aeroporto, as expressões jamais (nunca) e a margem sul é um deserto, usadas pelo então ministro das Obras Públicas, Mário Lino, para qualificar a construção de um aeroporto na margem sul quando a decisão política consolidada era a de fazer a Ota.
Porque é tão difícil decidir o aeroporto? Volta a Lisboa em 17 localizações e 53 anos de debate
A ausência desta localização na lista generosa de possibilidades estudadas pela comissão técnica causa “espanto”. Um general da Força Aérea reformado elenca vantagens e desvantagens das várias localizações (mesmo as que foram afastadas pela CTI, como Rio Frio e Alverca) para concluir que afinal a solução Ota é a que “menos exigências tem”. Apesar de exigir mais terraplanagens que outras soluções, “assim mesmo será a solução menos onerosa para o bolso dos esmifrados portugueses”, argumenta.
Todas as opções a norte — Ota, Santarém ou outro local com “uma visão estratégica do território” — são melhores para o cidadão que se mostra categoricamente “contra qualquer aeroporto na margem sul” — porque “não foi considerada a população da zona centro como utilizadora”. Se Leiria já está a 120 quilómetros do atual aeroporto, mais longe ficaria do novo. “Ainda devia ser considerada a hipótese de qualquer catástrofe como uma guerra ou tremor de terra, sendo que nestes casos as pontes serão as primeiras construções a ruir deixando Lisboa e toda a população entre Tejo e Douro sem socorro aéreo”.
Dentro da margem sul, Vendas Novas suscita a oposição num outro comentário. Não só porque fica longe de Lisboa — 70km — e dos concelhos mais populosos a norte do Tejo (90 km), mas porque seria mais um aeroporto a sul, a juntar a Beja e Faro. “Não serão aeroportos a mais para uma zona tão pouco povoada?”. O único aeroporto a Norte — Francisco Sá Carneiro — fica a mais de 300 km de Lisboa. Lembrando sismos recentes com epicentro na região, e ainda os sobreiros e outras espécies florestais e o aquífero que existem nesta área, deixa a reflexão: “Não vos parece um pouco perverso estar a enfiar um aeroporto de três ou quatro pistas, encravado entre uma pequena e pacata cidade alentejana e uma pequena e pacata vila?”.
A favor e contra Santarém (a pior opção para os trabalhadores)
Confesso apoiante do Campo de Tiro de Alcochete, este particular mudou de opinião quando apareceu Santarém porque está mais no centro (do país), tem já infraestruturas rodoviárias e ferroviárias e autarcas a favor. Este “leigo em questões técnicas aeroportuárias” não ficou convencido com os conflitos invocados pela CTI face à base de Monte Real para descartar esta localização. “Achei esse argumento muito pouco credível, e pergunto: não existem bases aéreas mais próximas de Alcochete (Alverca, Ota e até Sintra), do que Santarém fica de Monte Real?!? Muito honestamente, esse argumento não me conseguiu convencer!”
Santarém também é a eleita por uma das duas mulheres que participaram nesta consulta. Defendendo que o contrato de concessão não deve ser mais importante na decisão do que as opções estratégicas, alerta para o aumento da população nos concelhos a sul do Tejo — Montijo e Alcochete — e para o congestionamento da ponte Vasco da Gama que obrigaria a fazer uma nova ponte. E há ainda problemas ambientais a sul.
Por outro lado, há quem afaste Santarém e, não apenas por causa das restrições aeronáuticas invocadas pela CTI. Outras preocupações manifestadas são mais uma vez a distância de 100 km da saída para o Areeiro, “isto é cerca de um terço da distância de Lisboa ao Porto” e a construção em cima de um dos maiores lençóis freáticos, “o que inviabilizaria a sua exploração” e seria “um rude golpe à agricultura intensiva que se desenvolve naquela região e que tão necessária é ao país”.
Santarém perde também na avaliação dos trabalhadores aeroportuários por causa da distância. “Uma pessoa que resida em Loures, percorre de automóvel diariamente cerca de 30km em 35 minutos. Na opção Santarém, passaria a percorrer cerca de 180km em duas horas. Enquanto na opção CTA esse percurso seria 80km numa hora e 10 minutos.” O Campo de Tiro é apontado por este cidadão como a “melhor opção do ponto de vista dos trabalhadores”, numa avaliação que deixa de fora o Montijo.
De “belíssimo cenário” para quem chega de avião a “galinheiro”. O Montijo divide
O comentário de um autarca recorre a uma descrição poética para a localização do Montijo que “reflete uma experiência de viagem fantástica, ao dar continuidade à entrada em Portugal pelo belíssimo cenário que é a vista do Estuário do Tejo, culminando na chegada à Praça de Comércio, a verdadeira porta da cidade, beneficiando de todo o investimento feito pelas gerações passadas, conciliando o passado e o futuro sublimando uma visão de Lisboa alargada à AML. Mas esta visão cenográfica, quase épica, por muito bela que seja, não pode sustentar por si uma qualquer solução aeroportuária.”
Questionando a “forma de condução não democrática de todo este processo”, o autarca defende um estudo territorial para toda a AML (área metropolitana de Lisboa) e o lançamento de um processo de debate mais transparente, aberto e participado que se inicie com a revisão do PROT (Plano Regional de Ordenamento do Território). “Demoraria 4-5 anos, mas é certo que todos ganharíamos com este processo. Pelo menos ganhávamos assertividade.” Nesta perspetiva seria de manter em vigor o acordo feito com a ANA (o tal que previa o Montijo como aeroporto complementar) e a Portela a operar porque a decisão sobre a nova solução aeroportuária não pode resultar de uma “facada nas costas” do ordenamento porque isso, “seria uma ferida insanável por décadas”.
Montijo tem os seus defensores enquanto aeroporto complementar à Portela — a solução que a ANA propôs e que o Governo de Costa chegou a aceitar. O engenheiro Silvino Pompeu critica a exclusão desta opção com base na introdução “martelada” de critérios “suplementares” e no empolamento das projeções de tráfego que favorecem opções únicas. Defende que, para uma procura mais verosímil, da ordem dos 50 milhões de passageiros/ano até 2050, a solução Portela+Montijo é plenamente satisfatória, provavelmente até ao final da concessão (2062). Além de que permite dispensar a nova ponte e tem um custo direto inferior ao do CTA.
Naquele que é talvez o parecer mais crítico nos comentários feitos por particulares, são apontadas “falhas relevantes” que põem em causa a credibilidade do trabalho e poder discricionário na escolha das localizações que, ao excluir Rio Frio, compromete a “idoneidade e validade” e um processo que diz não ter sido transparente e que propõe seja retomado com outra metodologia.
Montijo também é a solução que parece suscitar recusas mais veementes. Na modesta opinião de um piloto aviador, que já não está em atividade, “Montijo é uma aberração. Espaço muito limitado, condicionando à partida uma larga maioria de voos. É incorreto afirmar que está pronto para operação. Nem a pista 01-19 tem capacidade de carga para receber continuamente tráfego comercial de aviões de médio porte. Seria muito mais caro do que afirmam, se o quisessem dotar de duas pistas”.
Outro participante partilha a sua experiência de passageiro frequente para elogiar os exemplos de Barajas (Madrid) e Istambul, e recorre a expressões “menos canónicas” e mais populares para comentar essa possibilidade. “Mas galinheiro já temos, será que queremos um outro no Montijo?”
O que faltou na avaliação? Mais engenharia, energia e crise climática
De acordo com a reflexão de um dos participantes nesta consulta “foi produzida muita informação financeira, jurídica e ambiental neste processo mas “descura-se o básico” que é o aeroporto e as suas características, espaço para crescer, os movimentos por hora, a aeronavegabilidade”. Mas há outro aspetos que foram secundarizados, segundo vários cidadãos.
Falta a engenharia civil no processo de avaliação, diz um deles. Sem esta componente não se podem comparar os custos de construção — drenagens, movimentações de terra. Defende a manutenção da pista Humberto Delgado para garantir a segurança global da Área Metropolitana de Lisboa, para casos de eventos ambientais muito intensos (exemplo de sismos e tsunamis) e para todas as ocorrências de instabilidade social, interna ou externa, como uma base logística.
Num dos comentários enviados à CTI lamenta-se que não tenham sido mais considerados os efeitos das alterações climáticas e o seu impacto potencial no paradigma das viagens de avião. Apesar de estes fatores de mudança estarem identificados, “a análise sobre a sua relevância na decisão do viajante não é conclusiva. “Estamos numa crise climática e não se pode descartar esse aspeto como uma mera decisão de viagem”.
Um engenheiro, que tentou enviar a sugestão por mail ao primeiro-ministro (não se percebe se com êxito), defende para o Campo de Tiro de Alcochete o lema de primeiro aeroporto do mundo da transição energética. Uma infraestrutura concebida para os novos motores elétricos, ainda que com infraestruturas mistas.
“Em turbinas elétricas, a posição de Lisboa para voos de África e Américas, seria uma mais valia devido à posição geográfica. Porque não aproveitar para que tenhamos um aeroporto preparado (quando terminar) para receber aviões de muito baixo ruído… poluição ..verde…? Julgo até que todos os representantes políticos na Assembleia da República, movimentos ambientais, associações e pessoas singulares estariam de acordo”.