822kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Entrevista ao comediante e escritor britânico, David Baddiel, que públicou este ano o seu mais recente livro "Os Judeus Não Contam". 16 de Outubro de 2022 Festival FOLIO, Óbidos TOMÁS SILVA/OBSERVADOR
i

David Baddiel é escritor, comediante e apresentador de televisão

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

David Baddiel é escritor, comediante e apresentador de televisão

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

David Baddiel, autor de "Os Judeus Não Contam": "As pessoas nunca conseguiram aceitar verdadeiramente os judeus como vítimas"

Em "Os Judeus Não Contam", David Baddiel abordou o "rebaixamento do antissemitismo", defendendo que o racismo contra os judeus não recebe a mesma atenção que outros racismos da parte da esquerda.

No Twitter, a biografia de David Baddiel tem apenas uma palavra: “Judeu”. Ao contrário de outros membros da comunidade judaica, nunca passou pela cabeça do escritor, comediante e apresentador de televisão britânico esconder o facto de ser judeu. “Não tenho vergonha de ser judeu”, afirmou, “mas há muitas pessoas que não dizem que o são. Estão no armário”.

As razões são várias: alguns têm vergonha; outros temem represálias; e há ainda aqueles que têm medo de não serem compreendidos, porque o racismo contra os judeus não é levado tão a sério como outros tipos de racismo. Na opinião de Baddiel, que tem vindo a falar publicamente sobre antissemitismo e a não inclusão dos judeus, sobretudo no Reino Unido, existe um “rebaixamento do antissemitismo e da identidade e inclusão judaicas” no contexto da discussão aberta e pública “sobre representatividade, inclusão e identidade”, que leva a que muitos não se sintam representados e incluídos nas políticas culturais e identitárias. A ideia andava na cabeça de muitos, mas Baddiel foi o primeiro a dizê-lo de forma acessível para um público mais vasto. Muitos judeus que leram o seu primeiro livro de não-ficção, Os Judeus Não Contam, disseram-lhe isso mesmo:”Que se sentiam assim há muito tempo, mas que nunca ninguém o tinha dito”.

Em conversa com Observador, em Óbidos, onde participou no FÓLIO, o escritor e comediante falou sobre como a esquerda tem vindo a desvalorizar o aumento da extrema direita e do discurso de ódio contra os judeus, em parte devido ao preconceito que permanece profundamente enraizado; as teorias da conspiração que apontam sempre a comunidade judaica como culpada, a única minoria que é considerada ao mesmo tempo superior e inferior; e o peso da história num grupo que, apesar das múltiplas perseguições, nunca foi totalmente considerado inocente.

A edição portuguesa de "Os Judeus Não Contam" foi publicada em abril, pela editora Vogais

Tem sido uma voz ativa na denúncia do racismo contra os judeus, sobretudo nas redes sociais, tendo criado a hashtag #JewsDontCount, que dá nome ao seu livro. Quando é que decidiu sumarizar tudo o que tem vindo a dizer num livro?
O suplemento literário do jornal The Times, no Reino Unido, estava a começar uma coleção de ensaios políticos, na senda de George Orwell, que costumava escrever livros de bolso, geralmente políticos. Essa tradição era bastante forte no Reino Unido, mas não teve continuidade. Tinha escrito nos jornais, nas redes sociais, na comédia também, sobre este fenómeno em particular, que é o rebaixamento do antissemitismo e da identidade e inclusão judaicas no contexto desta conversa, muito viva, que existe hoje sobre representatividade, inclusão e identidade. Nos últimos 20 anos, por causa das redes sociais, a conversa sobre ofensa e representação tem continuado. Isso é bom, mas parecia-me que a forma mais antiga de racismo e exclusão não estava a ser incluída. Ou pelo menos não estava a ser incluída da mesma forma. Para resumir: perguntaram-me se queria escrever sobre isso e resumi as minhas ideias num pequeno livro, fácil de digerir. Acho que este formato mais pequeno é muito importante, porque [o livro] fala sobre uma polémica, não é uma análise profunda do antissemitismo ao longo dos tempos. É muito focado num tipo particular de antissemitismo e fala sobre como os judeus se têm sentido. Isso ainda não tinha sido articulado de uma maneira fácil de digerir. Houve muitos judeus que disseram que se sentiam assim há muito tempo, mas que nunca ninguém o tinha dito.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Apesar de não ser um livro sobre o antissemitismo nas redes sociais, a maioria dos exemplos são tirados do Twitter. Porque é que decidiu dar maior destaque ao que se passa nas redes sociais?
O livro usa muitos exemplos tirados das redes sociais, mas não é sobre isso. Acho que as redes sociais são responsáveis pela atenção extrema que é dada às questões da identidade racial e é através delas que ficamos a saber sobre a não inclusão dos judeus. Falo muito sobre reações, sobre o que tende a acontecer quando alguma coisa ofensiva acontece e a classe progressista é levada a reagir. Não é apenas nas redes sociais que vemos essas coisas. Há um grande movimento social, como o Black Lives Matter, em resposta à morte de George Floyd; o Me Too, em resposta ao Jeffrey Epstein — são hashtags que começaram nas redes sociais e que tiveram consequências no mundo real. [No caso do antissemitismo] Falo de redes sociais, mas também de outros espaços onde vejo isso a acontecer — nos jornais, televisão, filmes, rádio. Porque é um livro literário. Como foi escrito para o suplemento literário do The Times, pensei que devia começar com alguns exemplos literários, como a crítica a Antkind [romance do argumentista Charlie Kaufman], Charles Dickens e T. S. Eliot, e partir daí para coisas diferentes.

"O antissemitismo enquanto preocupação não é muito 'fashion'. A moda é bastante importante no ativismo. Quem está interessado em ser ativista, está provavelmente interessado na mais recente forma de ativismo. O antissemitismo parece uma coisa antiga."
David Baddiel, escritor e comediante

Esperava que Os Judeus Não Contam tivesse o impacto que teve no Reino Unido?
Nem por isso. Quando faço alguma coisa, nunca penso em qual será a reação, penso naquilo que deve ser dito. Não sei se sabe, mas, há uns anos, escrevi uma canção de futebol chamada “Three Lions (Football’s Coming Home)”. É a canção de futebol mais famosa do Reino Unido. Chegou quatro vezes a número um do top nacional. Sou eu que a canto, com outro comediante, o Frank Skinner, com quem costumava fazer uma comédia televisiva sobre futebol [“Fantasy Football League”]. O público estava sempre a cantá-la nos jogos e perguntaram-me se esperava que tivesse tanto sucesso. Não esperava nada, apenas a escrevi, porque nos perguntaram, a mim e ao Frank Skinner, se a queríamos escrever, e também porque queríamos falar sobre apoiar a equipa de Inglaterra de uma maneira diferente. É semelhante ao que aconteceu com o livro. Senti que isto nunca tinha sido dito e que precisava de ser dito. Fico contente com a reação, mas não estava à espera. Os judeus são uma pequena minoria no Reino Unido. São 275 mil. As pessoas pensam que há mais judeus do que há. São 15 milhões globalmente. Esperava-se que [o livro] fosse uma coisa de nicho. Tornou-se maior do que isso, porque aborda a forma como as políticas identitárias funcionam. É pensado para judeus, mas também para todos os que estão interessados em políticas identitárias.

Quando se fala nos grupos minoritários britânicos, nunca se referem os judeus. 
Ligamos mais os judeus a Israel e, talvez, a Nova Iorque. São os lugares onde existem mais judeus. A história dos judeus em Inglaterra é muito interessante. A expulsão dos judeus, que aconteceu em todos os países, começou em 1340 em Inglaterra. Foram expulsos por três séculos. Depois foram expulsos de Espanha e Portugal. Falo de um momento muito específico, mas existe também no livro a ideia de que a realidade histórica de que os judeus têm sido sucessivamente perseguidos tem sido esquecida pelos progressistas. Pensam que acabou com o Holocausto.

Entrevista ao comediante e escritor britânico, David Baddiel, que públicou este ano o seu mais recente livro "Os Judeus Não Contam". 16 de Outubro de 2022 Festival FOLIO, Óbidos TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

David Baddiel tem sido uma voz ativa na denúncia do racismo contra os judeus, sobretudo nas redes sociais

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Que é uma coisa do passado?
Exato. De certa forma, o antissemitismo enquanto preocupação não é muito fashion. A moda é bastante importante no ativismo. Quem está interessado em ser ativista, está provavelmente interessado na mais recente forma de ativismo. O antissemitismo parece uma coisa antiga. Mas acho que está a haver uma mudança. Não acho que tenha sido apenas por causa do meu livro, mas também por causa disso — houve uma pequena mudança. Notei isso quando foi do tweet do Kanye [que tem sugerido que os judeus estão por trás de movimentos antirracismo como o Black Lives Matter]. O tweet do Kanye West é um bom exemplo do que estou a falar, porque inclui todos os argumentos típicos sobre os judeus. Quando as pessoas são racistas em relação aos judeus, nunca acham que estão a ser racistas — acham que estão a lutar contra o poder e as figuras que estão a tentar impor-se. É esse tipo de antissemitismo e racismo contra os judeus que se costuma ver e de que falo no livro. Ao mesmo tempo, acho que a reação ao tweet foi um pouco mais informada, com as pessoas a perceberem melhor como é que o racismo contra os judeus funciona do que há três anos. Senti que as pessoas percebiam melhor que isto não é aceitável.

Diz uma coisa muito interessante no livro: que os judeus são a única minoria que é imaginada pelos racistas como sendo de estatuto superior e inferior; como sendo donos do mundo e, ao mesmo tempo, menos do que humanos.
Acho que todas as minorias são vistas como sendo menos do que humanas pelos racistas mas, no caso dos judeus, há uma junção de características. São a única minoria constantemente associada ao poder e ao privilégio e que tem um estatuto superior e inferior. A melhor forma de o descrever é que os judeus são vistos como seres monstruosos. Por exemplo, houve uma pessoa de esquerda que retweetou uma imagem, que acho que tinha origem num site de extrema direita, que mostrava a criatura do “Alien” a sair de dentro da Estátua da Liberdade. A criatura tinha a Estrela de David no corpo. É disto que estou a falar: [os judeus são] poder e, ao mesmo tempo, um inseto enorme.

"Há muita vergonha interna entre os judeus. Sou bastante invulgar nesse aspeto. Não tenho vergonha de ser judeu e nunca me ocorreria dizer que não o sou, mas há muitas pessoas que não dizem que o são. Estão no armário."
David Baddiel, escritor e comediante

De onde vem essa ideia? 
Vem de muitos séculos de tradição cristã. Obviamente que os judeus também foram discriminados em países muçulmanos, mas de maneira diferente. No livro, falo muito sobre o antissemita que acha que os judeus são responsáveis por todas as coisas más que lhes aconteceram. Por alguma razão, a maioria cultural sempre foi capaz de encontrar alguma coisa que considera ser responsável pelos males do mundo. Os judeus são imaginados dessa maneira, porque são, na cultura branca e para os brancos, diferentes, mas não visivelmente diferentes, o que significa que podem infiltrar-se. Em 1933 ou 1934, estabeleceram-se na Alemanha leis sobre a exclusão dos judeus, que impunham o uso de braçadeiras. Os judeus foram colocados em listas e existem fotografias que mostram as autoridades a medirem a cara de pessoas para perceberem se eram judeus ou não. Isso tem a ver com a ideia de que os judeus estão infiltrados [na sociedade] e que, dessa infiltração, vem o seu poder. Acho que a paranoia e racismo em relação aos judeus vem da ideia de que eles estão no meio de nós e a fazer coisas más, porque há coisas más a acontecer, então deve ser esta coisa secreta. É a teoria da conspiração. Todas as teorias da conspiração terminam com a conclusão de que a culpa é dos judeus.

Em Os Judeus Não Contam, argumenta que essa ideia de que os judeus não são indistinguíveis da restante população tem a ver com o facto de serem considerados brancos, uma afirmação que ignora o facto de os judeus sempre terem sido perseguidos por causa da raça.
Quando escrevi o livro, houve certas coisas que achei que eram óbvias e que acabaram por não ser. Uma das coisas que achava que era óbvia é que o antissemitismo é uma forma de racismo. Digo que afinal não é óbvio, porque notei que, se dissermos que é racismo, as pessoas respondem que não é, porque podemos mudar de religião. Então sou obrigado a explicar que não sou religioso. Há muitos anos que sou ateu e, se estivesse na Alemanha nazi, era fuzilado. O meu tio-avô, que morreu no gueto de Varsóvia, não era religioso. Na verdade, muito poucos judeus são verdadeiramente ortodoxos. Historicamente, a palavra “antissemitismo”, que surgiu no século XIX na Alemanha, não tem nada a ver com religião. Os antissemitas não estavam interessados nisso; não estavam interessados se os judeus comiam comida kosher, se rezavam a Hashem ou se acreditavam em Jesus. Em 1190, houve um massacre de judeus na cidade de York, porque um nobre, que tinha pedido dinheiro emprestado a judeus, não quis pagar as dívidas. Então lançou o rumor de que os judeus andavam a beber o sangue de bebés cristãos. Isso gerou uma revolta e cerca de 150 judeus foram encurralados dentro de uma torre. A população que estava do lado de fora exigiu que se convertessem. A maioria recusou e deitaram fogo à torre. Houve cerca de oito que disseram que se converteriam, mas mataram-nos na mesma. Isso é muito importante, porque mostra que a conversão não é verdadeiramente importante para a multidão enraivecida contra o bode expiatório. A intolerância religiosa já não é tida como importante. O racismo é importante, e dizer que o antissemitismo é intolerância religiosa é uma forma de rebaixá-lo.

Entrevista ao comediante e escritor britânico, David Baddiel, que públicou este ano o seu mais recente livro "Os Judeus Não Contam". 16 de Outubro de 2022 Festival FOLIO, Óbidos TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Escritor, comediante e entrevistador de televisão, David Baddiel é autor de vários romances e livros infantis. "Os Judeus Não Contam" é o primeiro livro de não-ficção

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Parece existir uma confusão entre raça e religião e a maioria das pessoas parece não saber ao certo o que significa ser judeu. 
Está absolutamente certa. É elusivo. Se não souber o que é um judeu, é muito difícil saber o que é o antissemitismo. O livro é, em parte, uma espécie de explicação. Teve três respostas de três grupos diferentes, diria. Uma delas foi que houve judeus que me disseram que era isto que tinham andado a dizer. A segunda foi das pessoas a quem é dirigido, aos não judeus progressistas. A reação tem sido bastante boa. Uma pessoa disse-me no Twitter que sentia que muitas das coisas que se costumam dizer sobre os judeus se aplicavam a ele e que agora entendia que o antissemitismo é o racismo que passa despercebido por nós. O que ele queria dizer era que achava que era contra o antissemitismo mas não sabia o que era. Não o conseguia ver, porque é elusivo — não é claro, não é óbvio, como os outros racismos. E não é óbvio sobretudo porque os antissemitas acham que estão a lutar contra o poder estabelecido, não acham que estão a ser racistas. A terceira resposta, que não tem exatamente a ver com a sua pergunta, mas que acho que é muito interessante, é que houve judeus que me escreveram a dizer que nunca diziam que eram judeus. Há muita vergonha interna entre os judeus. Sou bastante invulgar nesse aspeto. Não tenho vergonha de ser judeu e nunca me ocorreria dizer que não o sou, mas há muitas pessoas que não dizem que o são. Estão no armário. Alguns leram o livro e saíram do armário, incluindo pessoas mais velhas, que têm, por exemplo, pais que são sobreviventes do Holocausto, e que tinham medo; e pessoas mais novas, que participaram em encontros com outros jovens ativistas e que me disseram que passaram a vida inteira a ouvir perguntar como é que podemos lutar contra a homofobia, o racismo contra os negros ou contra os trans, e que tinham medo de falar no antissemitismo, porque achavam que não iam ser levados a sério. Mas depois leram o meu livro e decidiram que iam tentar fazer os outros entender que isto é real.

Além da confusão que existe quanto ao que significa ser judeu, existem várias ideias preconcebidas que ainda persistem. Não é só a questão do poder, mas, por exemplo, que os judeus são pessoas muito agarradas ao dinheiro, que têm narizes grandes…
E que são uma comunidade muito fechada, que olha apenas por si e não se importam com mais ninguém. Essas ideias ainda persistem definitivamente, e de forma bastante difundida, mas acho que isso está mais enraizado na esquerda. A extrema direita, sobretudo aqueles que escrevem online, são muito claros e é incrível como os progressistas não os ouvem. A extrema direita é obcecada por judeus. Sempre foi, mas são-o talvez agora mais do que nunca. Por exemplo, agora existe uma teoria da conspiração chamada “Grande Substituição”, que é muito comum, sobretudo entre a extrema direita americana, que diz que a raça branca americana, ou a raça branca em geral, está a ser substituída por negros que são levados para a América para minar o país. E quem é que controla isto tudo? Os judeus. Houve um motim em Charlottesville [na Virgínia] de supremacistas brancos que gritavam “os judeus não nos vão substituir”. O caso não recebeu muita atenção, mas eles estavam a marchar contra os judeus. Os progressistas tentam lutar contra os supremacistas brancos porque eles estão contra os negros e contra todas as pessoas de cor, e de facto estão, mas, para aquelas pessoas, a raça significa os judeus. Se olhar para as páginas da extrema direita e para o que dizem online [verá é que é sobre isso que falam]. Houve um supremacista branco que escreveu um manifesto de oito páginas só sobre os judeus e sobre o poder dos judeus. Estas ideias — sobre poder, privilégio — são muito perigosas e estão presentes em todo o espectro político, mas estão a ser fundamentalmente ignoradas pelos progressistas e isso é muito perigoso.

"Em todo o lado, a certa altura, os judeus foram massacrados. É uma história de fuga, expulsão e morte. É muito depressivo. A ideia de que [a perseguição] acabou e não precisamos de nos preocupar mais com isso é completamente a-histórica. As pessoas esquecem-se demasiado depressa."
David Baddiel, escritor e comediante

Considera que parte do problema tem a ver com o facto de a questão do antissemitismo nunca ter sido seriamente discutida? Depois da Segunda Guerra Mundial, houve uma certa tendência para tentar esquecer o passado e as coisas horríveis que aconteceram, incluindo entre os sobreviventes do Holocausto. Muitos recusaram-se a falar do que tinham sofrido nos campos de concentração.
Sim, é verdade. É um tipo de negação do Holocausto que aconteceu logo após a guerra. Mais ou menos 50 anos depois, já ninguém falava do Holocausto. Fiz um documentário sobre negacionismo do Holocausto [“Confronting Holocaust Denial”]. A negação do Holocausto também é interessante. Acho que uma das razões pelas quais a ideia do poder e do controlo dos judeus está tão enraizada nas pessoas é porque nunca conseguiram aceitar verdadeiramente os judeus como vítimas. Vemos isso a toda a hora. Quando 11 judeus foram mortos em 2018 [numa sinagoga] em Pittsburgh, uma mulher reagiu quase de imediato culpando o Médio Oriente, por causa dessa ideia de que os judeus nunca podem ser verdadeiramente inocentes. A negação do Holocausto é uma versão disso. Trata-se da mais direta vitimação de um grupo na história do mundo e, no entanto, as pessoas não querem aceitar o que aconteceu. Preferem aceitar que os judeus são incrivelmente eficientes a criar uma mentira por causa de dinheiro — é o que os negacionistas do Holocausto acreditam. Não sou historiador, tenho mais consciência histórica desde que comecei a falar destes assuntos, mas o problema não é só o Holocausto. Se olharmos para a história dos genocídios de judeus, descobrimos que houve muitos, até em países como a China. Em todo o lado, a certa altura, os judeus foram massacrados. É uma história de fuga, expulsão e morte. É muito depressivo. A ideia de que [a perseguição aos judeus] acabou e não precisamos de nos preocupar mais com isso é completamente a-histórica. As pessoas esquecem-se demasiado depressa.

Como é que, enquanto judeu, se consegue viver com o peso da História?
Através da comédia. Acho que é a única forma. Há uma coisa engraçada. Em cada festival judeu, há sempre alguém que, tentado sumarizar o que o festival significa, diz: “Eles tentaram matar-nos, falharam. Vamos comer”. De alguma forma, os judeus sobreviveram. Em pequenas comunidades, mas sobreviveram. É incrível que tenham conseguido fazê-lo. Acho que é isso: com uma combinação de comédia e uma espécie de alegria que surge do facto de termos sobrevivido.

O Observador viajou até Óbidos a convite do FÓLIO — Festival Internacional de Literatura de Óbidos

 
FLASH SALE
Assine o Observador a partir de 0,12€/ dia

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver planos

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

FLASH SALE - Assine o Observador
a partir de 0,12€/ dia
FLASH SALE Assine o Observador
a partir de 0,12€/ dia
*exclusiva para novos assinantes