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Alexandre Homem Cristo. Dia 31, vamos acordar num pântano
Nas suas primeiras intervenções, António Costa e Rui Rio tentaram bipolarizar a eleição: o primeiro-ministro será um dos dois e, por isso, os votos que farão a diferença seriam, respectivamente, no PS ou no PSD. A tentativa foi completamente derrotada. Primeiro, pela realidade — é extremamente improvável que haja uma maioria absoluta de um partido. Segundo, porque é cada vez mais evidente que a bipolarização existente não é entre dois partidos, mas entre dois blocos políticos — a geringonça à esquerda, uma alternativa à direita.
Então, nada de novo? Nem é bem assim. É certo que, nos duelos televisivos, já tinha ficado claro que estas eleições legislativas seriam sobre a composição de um novo parlamento, com vista a entendimentos pluripartidários à esquerda ou à direita. Mas havia ainda uma pergunta por responder: qual o projecto de cada um desses blocos políticos? Era isso que este debate, com todos os protagonistas em simultâneo, poderia esclarecer.
À esquerda, a resposta não entusiasmou. Catarina Martins e João Oliveira esforçaram-se para passar despercebidos neste debate, enquanto choraram o fim da geringonça e abriram a porta a entendimentos. António Costa falou de estabilidade política ou de crescimento económico, mas não encontrou resposta para as perguntas óbvias. Primeiro: que estabilidade é essa que faz do já chumbado Orçamento de Estado 2022 um guião para o futuro, sem que se perceba quem o aprovaria agora? Segundo: que crescimento económico quando, sob a liderança do PS, Portugal tem estado a ser ultrapassado pelos parceiros europeus do Leste? “A História explica”, disse Costa atabalhoadamente. Realmente, contra factos não há argumentos.
O que sobrou à esquerda, então? Sobrou o diabo — ou o “filme de terror”, como Cotrim Figueiredo lhe chamou. Catarina Martins falou múltiplas vezes da troika, António Costa inventou que o PSD quer privatizar a Segurança Social ou os hospitais, João Oliveira falou do grande capital. O muro pode ter caído mas, na política portuguesa, há coisas que não mudam — como esta diabolização estratégica dos perigos da direita. Hoje, de mito em mito, já não há Passos Coelho para colar a geringonça, mas Catarina Martins lá encontrou os seus cúmplices: são os quatro líderes dos partidos à direita. Talvez isto valha algum voto, mas custa acreditar que alguém leve isto a sério.
À direita, os desempenhos individuais foram melhores, em particular de Cotrim Figueiredo, que liderou nas críticas a António Costa. Nos duelos televisivos, assim como neste debate a nove, reconhece-se vitalidade e entusiasmo nos partidos à direita, com ideias e propostas que estão a marcar a campanha eleitoral. Mas sobressai também um défice de coesão estratégica, que poderá ser fatal. Francisco Rodrigues dos Santos, por exemplo, não perde uma oportunidade para atacar o Chega ou a Iniciativa Liberal. André Ventura nunca resiste em fixar metas e condições para viabilizar um eventual governo liderado pelo PSD. E Rui Rio não consegue disfarçar o desinteresse pelo lugar de líder da direita portuguesa — as suas prioridades e propostas estão muito mais próximo do PS do que da Iniciativa Liberal.
Tudo somado, o debate ajudou a antever o que aí vem nesta campanha até dia 30. De um lado, um PS agarrado ao OE2022 e a um projecto esgotado, uma geringonça avariada (mas com arranjo) e a diabolização do costume sobre os perigos da direita. Do outro lado, um diagnóstico da estagnação económica e social, acompanhado de uma luta fratricida entre partidos à direita e da ausência de uma liderança política para um projecto comum. O mais provável é que, no dia 31, acordemos num pântano.
André Azevedo Alves. A História explica
De um debate a nove, mesmo com a moderação sóbria e competente de Carlos Daniel, não seria de esperar grande esclarecimento de posições nem a discussão aprofundada de propostas, e assim foi. Cada líder levou os seus talking points principais e procurou passá-los o melhor possível dadas as (difíceis) circunstâncias.
O momento mais marcante acabou por ser protagonizado por António Costa quando não foi capaz de responder a uma pergunta sobre as razões pelas quais Portugal foi ultrapassado por tantos países europeus nas últimas duas décadas. Ao remeter a resposta para os historiadores, Costa acabou por confirmar que a mensagem do PS para estas eleições se concentra quase exclusivamente no apelo à estabilidade e em explorar os receios do eleitorado (em especial do mais idoso) relativamente à mudança. A aposta do PS numa maioria (de preferência absoluta) que lhe permita continuar no poder passa essencialmente por aqui.
À esquerda, destaque para os desempenhos de João Oliveira — que se posiciona cada vez mais como o candidato mais habilitado para suceder a Jerónimo de Sousa na liderança do PCP —, e de Rui Tavares —, bem mais claro do que a líder do PAN, a explicar as razões que podem levar o eleitorado insatisfeito com os restantes partidos de esquerda a votar no Livre.
À direita houve maior equilíbrio nos desempenhos, mas é justo destacar que João Cotrim de Figueiredo conseguiu que temas introduzidos pela Iniciativa Liberal marcassem o debate e marcou pontos na discussão sobre a fiscalidade e sobre a TAP.
Nuno Gonçalo Poças. Ver Costa pelas costas
Parecia uma reunião de um condomínio falido num prédio a precisar de obras estruturais. E nela apareceu um administrador, sem grandes resultados para mostrar, a pedir ainda mais poderes e ninguém percebeu para quê. De resto, todos os outros pareciam, por motivos diferentes, ansiosos por vê-lo pelas costas. Os antigos apoiantes deixaram claro que com António Costa a solução de 2015 não se repete. Do lado direito da sala, naturalmente, a vontade de ganhar parece ser cada vez maior, mesmo que atabalhoada. E os únicos que se mantêm mais ou menos crédulos são Rui Tavares, que parece, depois da aliança autárquica, mostrar novamente que pode ter uma espécie de toque de Midas ao contrário, e o PAN, que na verdade nenhum dos outros suporta.
Em resumo: se António Costa continuar, depois de hoje, a pedir a maioria absoluta (que vislumbrou no horizonte no dia em que Marcelo Rebelo de Sousa anunciou que dissolvia o Parlamento se o OE2022 fosse chumbado), fá-lo-á apenas porque já não pode voltar atrás. O pior que lhe pode acontecer, neste cenário, é ganhar as eleições. O que ainda é o mais provável que aconteça. Porque se a Iniciativa Liberal parece estar a crescer na campanha e o CDS mostra que pode ter um resultado superior ao que as sondagens têm previsto, Rui Rio não arranjou ainda uma forma de recuperar eleitorado suficiente para ficar em primeiro lugar no dia 30. A única coisa que ficou mais ou menos certa no debate foi que, ganhe quem ganhar, o condomínio continuará, com grande probabilidade, falido. E o prédio a precisar de obras.
Nota: num debate com todos ainda se percebe melhor o quão politicamente superficial é André Ventura.
Raquel Abecasis. A história de um debate que não explicou o que a História explica
Nove líderes, nove histórias, todas elas batidas. Novidades não houve, só escorregadelas. “A História explica isso”, justifica António Costa quando é apertado sobre o porquê de os países de leste estarem a ultrapassar Portugal. E então o que explica a História? Já não houve tempo para explicar. Objetivo cumprido! Deve ter pensado o primeiro-ministro que para este mau resultado não tem narrativa.
Rui Rio escapou-se às escorregadelas, em compensação não atrasou nem adiantou com a prestação desta noite. Valeram-lhe os companheiros à direita, cada um ao seu estilo, que o mimaram com o seu apoio e com a ausência de divergências de fundo. Até André Ventura se aguentou quase até ao fim, sem a gritaria dos bandidos, da prisão e dos castigos físicos. Cotrim e Rodrigues dos Santos fizeram as despesas da casa para confortar o eleitorado de direita, garantindo que vão ajudar Rui Rio a cumprir a promessa que deixou neste debate: “Estou aqui para cumprir uma missão.” À direita tudo pacífico, portanto. E mesmo a nova linha azul de Rodrigues dos Santos, “o CDS não faz acordos com o PAN”, em caso de necessidade, pode ser ultrapassada.
À esquerda só dá eco-geringonça, e mesmo essa parece ser um enfado para António Costa, talvez porque perceba que se trata apenas de uma miragem. PCP e BE já desistiram de se justificar perante o antigo parceiro. Pedem desesperadamente ao PS uma nova oportunidade para serem felizes, mas a paixão acabou com o fim dos retrocessos da troika e agora já só sobram diferenças. Já não há amor nem terreno fértil para um casamento do PS com os partidos à sua esquerda. Pelo menos com António Costa, que não reagiu à provocação de Rodrigues dos Santos quando o desafiou a trazer também Pedro Nuno Santos para estas conversas.
António Costa continuou barricado no Orçamento que não conseguiu aprovar e os seus olhos continuam teimosamente sem piscar, nem à direita, nem à esquerda.
A história dos próximos dias no terreno vai ditar a história que este debate não contou.