Com as eleições antecipadas à porta, o Chega vai apostar tudo numa convenção de “propaganda política” e deixar os problemas para resolver mais tarde. As listas para deputados só vão ser conhecidas depois da reunião magna, o que se prevê que contribua para um ambiente calmo e sem críticas às escolhas de André Ventura, mas está confirmado que haverá nomes de independentes nas listas a deputados, em particular ex-PSD.

Depois do muito criticado documento de nove páginas com que o Chega foi a votos em 2022, antes de André Ventura passar a ter companhia na bancada, o partido investiu em contributos de deputados, militantes e pessoas da sociedade civil de modo a alcançar aquilo que o presidente do partido descreveu como um programa “ambicioso e completo” para servir de “alternativa à bipolarização PS e PSD”.

Cristina Rodrigues, ex-deputada do PAN e assessora do Chega, é a responsável jurídica e coordenadora desse programa eleitoral, uma função que tinha sido de Gabriel Mithá Ribeiro nas últimas eleições. Apesar da contratação polémica, Cristina Rodrigues foi ganhando destaque no partido nos últimos anos e nos corredores do Chega há até quem aponte para a possibilidade reconquistar o lugar de deputada, desta vez com o símbolo de outro partido, mas o Observador sabe que pode ser cedo para essa aposta. Primeiro porque ainda há pouco tempo a ex-deputada tinha ligações ao PAN, um partido ideologicamente distante do Chega, e depois porque quando foi anunciada para assessora houve uma grande contestação no partido, que motivou até desfiliações.

Entre os vários nomes independentes a trabalhar no documento, seguindo a estratégia seguida nos outros partidos, está o ex-secretário de Estado do PSD e ex-vice da bancada parlamentar Henrique de Freitas, que será cabeça de lista pelo Chega num dos círculos do Alentejo e que preenche as intenções de André Ventura ter nas listas independentes, nomeadamente ligados ao PSD.

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Nuno Gonçalves da Cunha (advogado, que representou o ex-ministro Manuel Maria Carrilho no mediático processo de divórcio de Bárbara Guimarães) e Fernando Silva, que foi com André Ventura professor de Direito Penal da Universidade Autónoma e presidente da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo das Caldas da Rainha fazem parte dessa lista de nomes da sociedade civil. Ambos já colaboraram em jornadas ou conferências parlamentares do Chega, à qual também se juntaram, tal como já tinha sido tornado público, ex-membros da IL, como é o caso de Nuno Simões de Melo, Diogo Prates ou Mariana Nina.

Para a elaboração do programa o Chega criou grupos de trabalho, dividiu o documento em 25 áreas e fonte oficial do partido assegura que este será “mais elaborado, feito com mais tempo e com mais pessoas a trabalhar” do que o anterior, desde logo porque existem mais recursos e pessoas a dar a cara pelo partido. A reforma da Justiça, da Saúde, da Educação e o combate à corrupção estão no topo das prioridades que serão apresentadas por André Ventura na convenção, sendo que a apresentação da proposta completa fica para mais tarde.

A estratégia de atirar nomes para depois

A queda do Governo no seguimento da demissão de António Costa e a marcação de eleições legislativas antecipadas levou o Chega disparar nas intenções de voto, o que obriga André Ventura a construir uma nova bancada de deputados partindo do princípio que o número de lugares pode crescer exponencialmente. Se já não foi tarefa fácil há dois anos, tendo em conta que o partido é recente e é constantemente colocada em causa a qualidade dos quadros, agora Ventura tem mais um problema na equação: o Chega cresceu, tem milhares de militantes e muita gente a sonhar com um lugar na Assembleia da República.

Ainda que a oposição interna já não tenha um rosto visível com a saída de Nuno Afonso e praticamente tenha desaparecido na última convenção, a direção do Chega sabe que este tema vai agitar as questões internas, desde logo porque há conflitos em distritais que mexem com pessoas do núcleo próximo de André Ventura. E apesar das sugestões das estruturas locais e até das sugestões e nomes que vão chegando aos ouvidos do líder do Chega, uma coisa é certa: a palavra de Ventura continua a ser a última e aquela que preencherá cada assento da bancada parlamentar.

Na VI Convenção, André Ventura volta a ser o único candidato à liderança do Chega — na história do partido só não aconteceu quando em 2021 Carlos Natal se opôs ao presidente — e tem pela frente o desafio de escolher os nomes para os candidatos a deputados do Chega. O Observador sabe que, ainda que as sondagens apontem para a possibilidade de uma bancada bem mais preenchida, há um critério do qual Ventura não tenciona abdicar: lealdade.

Ao contrário do que seriam os critérios se tivesse de escolher pessoas para um executivo, em que a aposta recairia mais para os independentes, Ventura quer estar rodeado de pessoas em quem confia e nem o crescimento do partido o vai impedir de tentar. A lista de critérios fica completa com a procura por competência e a capacidade de penetração pública, já que o partido tem noção de que precisa de aceitação no espaço público e essa é uma prioridade.

O Observador sabe que no último Conselho Nacional André Ventura fez questão de dar a garantia de que não vai escolher candidatos por amizade ou proximidade e que o foco está naquilo que considera melhor para o país. E ainda que tenha contactado os presidentes das distritais para sugerirem nomes, o presidente do Chega também deixou claro que não aceita pressões e disse o óbvio: a palavra final pertence-lhe — o que nem sequer é uma novidade, já que, apesar de o Tribunal Constitucional ter chumbado os estatutos do Chega, na convenção de Viseu o presidente do partido tinha visto os poderes reforçados ao ponto de ter ficado escrito que era o responsável pela decisão de todas as candidaturas a quaisquer eleições. Com ou sem alínea nos estatutos, sempre foi assim — Ventura decide quem são os candidatos e os lugares de cada um.

Se o decisor está mais do que fechado, os nomes dos candidatos foram atirados para depois da convenção e não foi por acaso. A possibilidade de as listas não agradarem aos militantes e dirigentes (principalmente locais) foi tida em conta por André Ventura, que guardará o segredo para o pós-convenção, o que permitirá, conta um dirigente ao Observador, não só ter uma reunião magna “calma” como torná-la um momento de “propaganda política” com os olhos postos em 10 de março.

A contestação a André Ventura dentro do Chega tornou-se praticamente inexistente, com a consciência de que o líder é não só o rosto como a cola do partido, mas dentro do núcleo duro há problemas com que o líder terá de lidar — alguns deles expostos nas últimas eleições internas de Lisboa e Porto. Nas contas para a bancada de deputados há pelo menos três nomes que podem causar quezílias internas: Bruno Nunes, Pedro dos Santos Frazão e Rui Afonso.

O deputado eleito pelo Porto não tem o problema da distrital porque conseguiu a reeleição, mas lidera a estrutura local mais atribulada do país. Aliás, entre todos os órgãos que vão a votos na convenção de Viana do Castelo apenas o Conselho Nacional tem duas listas — todas as outras eleições têm listas únicas alinhadas com a liderança —  e o Observador sabe que o protagonista da lista da oposição é Israel Pontes, um dos nomes mais críticos da corrente de Ventura e da liderança do deputado Rui Afonso na Invicta.

Rui Afonso foi o cabeça de lista pelo Porto há dois anos, onde o partido elegeu também Diogo Pacheco Amorim, e André Ventura tem o desafio de decidir se mantém o parlamentar no primeiro lugar ou se aposta num nome mais consensual na região, podendo investir num rosto mais conhecido para o segundo maior círculo eleitoral do país. Pelo caminho, há ainda a questão de Marta Trindade. A vice-presidente do Chega tinha ido em terceiro, mas não é do Porto e não é um nome bem acolhido para ir nas listas da região. Por outro lado, pode bem ser uma aposta de Ventura para Setúbal, onde já foi candidata autárquica, no Barreiro, em 2021.

Outros dois deputados que estão de costas voltadas com as distritais a que pertencem são Pedro Santos Frazão e Bruno Nunes, em Santarém e Setúbal, respetivamente. Incompatibilizados com as direções distritais que estão em funções, o Observador sabe que dificilmente serão indicados para a lista de deputados e será André Ventura a ter de decidir se são cabeças de lista, como aconteceu em 2022, ou se são integrados em listas de outros círculos eleitorais — sendo que dificilmente abdicará de dois deputados que mais deram nas vistas na bancada do Chega.

Destino diferente poderão ter Jorge Valsassina Galveias, por ser considerado internamente um dos deputados mais apagados da atual legislatura, e Gabriel Mithá Ribeiro devido ao desacerto com André Ventura que deixou mossa e que pode levar o líder do Chega, que coloca a lealdade como primeiro critério, a não o colocar nas listas de candidatos a deputados.

Tudo aconteceu no verão de 2022, poucos meses após o Chega ter conquistado uma bancada de 12 deputados. Mithá Ribeiro era vice-presidente do partido, não gostou de ter sido afastado da coordenação do gabinete de estudos e resolveu expressar as críticas à vista de todos: começou por escrever no Facebook que se demitia do cargo na direção e marcou uma conferência de imprensa em Leiria (distrito pelo qual foi eleito) para deixar em cima da mesa a hipótese de ficar como deputado não-inscrito, acusando a corrente oficial do partido de falta de liberdade de expressão.

O problema resolveu-se à porta fechada e a decisão de que Mithá Ribeiro se manteria no Chega teve direito a um vídeo público onde os dois selaram as pazes, alegadamente sem ressentimentos e com elogios ao “grande líder” Ventura. Mas o presidente do partido é conhecido por não perdoar traições: aproveitou a demissão para manter Mithá fora da direção e pode aproveitar as eleições antecipadas para o manter fora da bancada.

Em entrevista ao Observador, Mithá Ribeiro recusa responder se tem ou não a expectativa de continuar como deputado, mas assegura que os representantes da bancada do Chega devem sair com a “consciência tranquila de que fizeram o melhor”. Além de assumir a “pequena divergência”, o deputado esclareceu que esta foi “absolutamente ultrapassada” e considera que o episódio jogou a seu “favor” e do partido.

Um rumo inverso podem ter alguns dos nomes que falharam a eleição para deputados em 2022, mas que ficaram como assessores. Em Lisboa há os exemplos de Sofia Dinis, Patrícia Almeida ou Nuno Pardal, em Braga o segundo lugar pertencia a Rodrigo Taxa, também Paulo Ralha, que se candidatou por Coimbra, pertence à equipa do grupo parlamentar, assim como Patrícia Carvalho, que era a segunda por Setúbal. Agora, aqueles que há dois anos não entraram para a bancada podem ambicionar uma segunda oportunidade que chegou mais cedo — resta saber se André Ventura tem a mesma ideia.

Com vários nomes em avaliação, na bancada parlamentar e no partido, André Ventura vai aproveitar a convenção para testar possíveis candidatos e, com as possibilidades em aberto por ainda haver esperança, o partido conta com uma reunião magna e sem conflito.

Os estatutos por resolver

Quanto aos estatutos, vão sofrer apenas alterações cirúrgicas, pelo que uma nova versão completa fica, para já, na gaveta. O Chega abriu espaço para alterações, com a possibilidade de serem submetidas propostas à convenção, mas não pretende arriscar mais um problema com o Tribunal Constitucional. O partido foi obrigado a realizar esta sexta convenção depois de o Palácio Ratton ter considerado inválida a convocatória para a reunião magna anterior que, por sua vez, já tinha acontecido devido ao chumbo dos estatutos, o que levou o Chega ao regressar aos de 2019, os primeiros e únicos aprovados até ao momento.

Os estatutos continuam a ser uma preocupação para o Chega, tendo em conta que os primeiros tinham como base um partido acabado de ser criado e em que o número de militantes era reduzido, sendo adaptados a essa dimensão. Não só não permitem uma direção mais composta como previam os que foram chumbados como obrigam a um Conselho Nacional pequeno, com 3o membros efetivos, mas que tem variadas inerências por ser aberto a presidentes e vice-presidentes de secções regionais e distritais do partido — o que na altura estava longe de ser um entrave e agora levou a que este se tornasse num órgão pesadíssimo dentro do partido.

Por todas estas razões, os dirigentes do Chega têm noção de que alterar estes estatutos é essencial, mas também não querem correr o risco de ver mais uma convenção chumbada, pelo que preferem focar-se na tal propaganda política, ao invés de estarem a discutir questões internas que, no limite, poderiam até gerar divisões.

O Chega tem pela frente mais uma convenção em que a oposição pode espreitar, principalmente a que está alinhada com a corrente anti-liderança encabeçada por Israel Pontes para o Conselho Nacional, mas tudo aponta para que André Ventura tenha mais um passeio no parque, já que deixou as listas de candidatos para depois, e antes das mesmas, por tradição, o ambiente é de paz.