Nada menos que tudo é o que o Governo de António Costa parece desejar. Conseguiu o melhor défice da história da democracia em 2016, a saída do Procedimento por Défice Excessivo, um crescimento do produto interno bruto de 2,8% no primeiro trimestre de 2017, um aumento recorde do emprego, e assim por diante. Os ambiciosos objetivos inscritos no Programa de Estabilidade indicam que a vontade de fazer mais e ir mais longe persiste, até mesmo na consolidação orçamental.

Tudo isto são razões para celebrar. Mas é também importante perceber se os fins justificam os meios – a que custo conseguimos todos estes “feitos”, e qual a estratégia a adotar para manter esta situação a médio-longo prazo.

Por ora, celebra-se o poder do agora: a deterioração do défice na ordem dos 314 milhões de euros, face ao período homólogo, é perfeitamente aceitável. Tem origem num aumento da receita (0,2%) inferior ao da despesa (1,4%) com origem, em boa parte, num considerável aumento dos reembolsos fiscais (530 milhões de euros).

Reembolsos justificam (parcialmente) a performance da receita fiscal

António Costa afirmou: “agora que reduzimos a carga fiscal daremos para o ano mais um passo que é o de repor os escalões [de IRS] que tenham sido eliminados, para podermos melhorar a progressividade, mas faremos isso de forma equilibrada”. Equilibrada, neste caso, terá de significar “fiscalmente neutra”, ou seja, sem causar perda de receita, pois o Governo não se pode dar “ao luxo” de ver a sua receita fiscal ficar ainda mais aquém do esperado.

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Se a receita fiscal foi uma das grandes deceções de 2016 – “salva”, no entanto, pelo PERES –, os primeiros quatro meses de 2017 não demonstram o contrário: podemos estar perante uma nova sobrestimação, ao prever-se um crescimento de 2,8% da receita no Orçamento para 2017.

Uma das performances mais preocupantes – destacada na última análise à execução orçamental – prende-se com o IRS, não pela sua magnitude, mas pela falta de uma justificação adequada. Porém, a queda de 7% registada este mês é explicada maioritariamente pelo montante de reembolsos.

Em 2017, dada a adoção do “IRS automático”, a alteração do prazo de entrega – que passou a ser a partir de dia 1 de abril para todos os contribuintes (independentemente da sua categoria) – e o facto de terem sido registados atrasos nos reembolsos do IRS em 2016, os reembolsos têm sido processados e pagos de forma mais expedita. Em abril de 2016, tinham sido liquidados 43 milhões de euros, enquanto em abril de 2017 o montante de reembolsos ascendeu a 258 milhões.

Montante de reembolsos de IRS desculpa a fraca performance da receita fiscal este mês, mas não isenta uma análise mais atenta no final do ano

No entanto, os reembolsos não explicam na totalidade a diminuição da receita de IRS, e não excluem uma análise mais aprofundada com o decorrer do ano, quando o efeito dos mesmos já não for relevante. Isto porque, excluindo o montante de reembolsos, ou seja, considerando a receita fiscal bruta acumulada com IRS, em abril de 2017 fotram arrecadados 4.267 milhões de euros, uma diminuição de 2% face ao período homólogo.

Para a variação homóloga negativa da receita fiscal (-3,2%) contribuiu ainda fortemente o aumento dos reembolsos do IVA (18,3%, 289 milhões). No entanto, e apesar deste aumento, o IVA continuou a apresentar uma variação homóloga positiva (2,5%), que é ainda superior se considerarmos a receita fiscal bruta (6,6%), o que consolida o positivo desempenho que este imposto tem apresentado este ano. E que acompanha um crescimento do consumo privado que tem excedido o registado no ano de 2016 (em termos globais).

Segurança Social: tudo quer, tudo tem

A Segurança Social foi uma das boas surpresas de 2016, e dada a sua performance até à data, a perspetiva é que não vá desiludir este ano. Após os quatro primeiros meses do ano, o saldo registado é de 1.075 milhões de euros (apenas ligeiramente inferior ao estimado no Orçamento), o que representa uma melhoria de 241 milhões de euros face ao período homólogo. Estima-se um crescimento de 2,3% da receita, que em abril já cresce a 2,8%. E calcula-se um crescimento de 2,5% da despesa, mas que por agora registou um decréscimo de 0,1%.

Este comportamento deve-se, em grande parte, a dois fenómenos: à progressiva diminuição do desemprego – que permite controlar as despesas com as prestações de desemprego –, e à progressiva melhoria dos níveis de emprego – que permite um crescimento das contribuições sociais.

Na execução orçamental de abril foi possível registar uma diminuição homóloga de 13,2% das prestações de desemprego – dado ter-se registado a maior redução homóloga (19,9%), desde que há registo, do número de desempregados inscritos nos centros de emprego. E registou-se simultaneamente um aumento das contribuições na ordem dos 5,3% face ao período homólogo – sustentado pela criação de mais de 144 mil postos de emprego no prazo de um ano.

Despesas com pessoal começam a levantar voo

Após o primeiro trimestre já se começa a notar a pressão que a reposição integral dos salários durante 2016 poderia vir, expectavelmente, a representar nas despesas com pessoal – que registaram um aumento homólogo de 0,6%. Este aumento poderia ser superior, não fosse a alteração da modalidade de pagamento do subsídio de Natal, onde apenas 50%, e não a totalidade como anteriormente, é pago em duodécimos.

O montante estimado destas despesas no Orçamento poderá estar, no entanto, subestimado: este assentará na expectativa de que seria possível obter ganhos com a medida de contenção do emprego público, mais concretamente com a aplicação da regra de apenas uma nova contratação por cada duas saídas.

Porém, embora esta regra já tenha sido aplicada em 2016, o número de funcionários públicos (tanto nas Administrações Públicas em geral, como no Estado em particular) está, de facto, a aumentar: só no primeiro trimestre de 2017 registou-se um aumento de 0,9% na Administração Central, face a 2016. Será, assim, importante ir acompanhando a evolução das despesas com pessoal e as medidas que poderão ser utilizadas para controlar o seu aumento. Importa lembrar que, além dos custos da integração nos quadros dos chamados “precários dos Estado” – cujas estimativas não se conhecem –, para 2018 prevê-se um impacto de 248 milhões de euros com a introdução da medida de descongelamento gradual das carreiras.

Apesar da regra de uma nova contratação por cada duas saídas de funcionários públicos – aplicada desde 2016 –, não se tem registado uma diminuição do emprego público. Pelo contrário: tem aumentado desde 2014

Já a performance da aquisição de bens e serviços influenciou, também negativamente, o aumento da despesa, ao registar uma variação homóloga de 6,2% – influenciada por um aumento homólogo de 144,6 milhões de euros no setor da saúde, com uma maior despesa do Serviço Nacional de Saúde em medicamentos, serviços de saúde e comparticipações da ADSE.

Dívida não-financeira: o céu é o limite

De acordo com o Ministério, “a dívida não financeira nas Administrações Públicas – despesa sem o correspondente pagamento, incluindo pagamentos em atraso – reduziu-se em 374 milhões em termos homólogos; o stock de pagamentos em atraso reduziu-se em 29 milhões”. Tal é, de facto, verdade.

Não obstante, o problema principal mantém-se: a dinâmica de crescimento dos pagamentos em atraso dos Hospitais EPE persiste. O desempenho da Administração Central, nomeadamente dos Hospitais EPE, continua a ser a principal fonte de más notícias, no que ao montante de pagamentos em atraso diz respeito.

Desde dezembro de 2016 – aquando da regularização extraordinária – que a dívida nos Hospitais EPE não para de crescer, ascendendo já em abril a 703 milhões de euros, o que representa um crescimento homólogo de 31%. O ritmo a que esta dívida está a crescer desde janeiro de 2017 (14,7%) é já mais do triplo do registado durante os primeiros quatro meses de 2016 (4,4%).

A dívida nos Hospitais já representa 71% da totalidade dos pagamentos em atraso das entidades públicas

Eleições autárquicas: da teoria à prática?

O facto de as eleições autárquicas serem este ano, em outubro, poderá antecipar uma deterioração do saldo da Administração Local – que, segundo o Orçamento, se estima de 1.020 milhões de euros para 2017 (um crescimento de 11,1% face a 2016). Apesar deste potencial efeito não ter sido visível no primeiro trimestre – o saldo da Administração Local registou aumentos homólogos de mais de 50% desde janeiro de 2017 –, o mesmo não se passou em abril.

Na execução orçamental de abril de 2017, o saldo registado da Administração Local foi de 163 milhões de euros, o que representa um crescimento homólogo, mas de apenas 1,1%. Houve ainda – à semelhança de março –, uma redução do saldo face ao mês anterior (em 35 milhões de euros), sustentado por um aumento da despesa (8,5%) comparativamente superior ao da receita (7,9%).

Assim, durante os próximos meses, continuaremos a acompanhar de perto a execução orçamental ao nível da Administração Local. Será interessante confirmar se a crise – e as reformas implementadas no ensejo do programa da “troika” – foram efetivamente bem-sucedidas em quebrar os ciclos político-económicos nos municípios portugueses – isto é, decisões oportunistas de “excessos” pré-eleitorais, cuja existência havia já sido comprovada.

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Portugal mantém-se num bom caminho para atingir o défice de 2017. A Comissão até já recomendou a saída do Procedimento por Défice Excessivo, mas alertou que Portugal ainda terá de fazer esforços adicionais, especialmente em 2018. E será necessário? Querer nada menos que tudo? Atingir a meta do défice de 2017 pode ser compreensível, mas atingir um saldo positivo de 1,3% em 2021 – de acordo com as intenções do Governo espelhadas no Programa de Estabilidade – implica um esforço de consolidação adicional que poderá trazer graves consequências.

Não será este um ritmo de consolidação demasiado elevado? As medidas extraordinárias pelas quais a execução orçamental de 2016 foi pautada não poderão, certamente, ser repetidas até 2021. Não seria mais prudente, agora que as finanças públicas caminham para uma posição de maior equilíbrio, voltar a apostar no investimento público, na saída dos créditos problemáticos do balanço dos bancos e em reformas que promovam o crescimento económico?

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Investigadores do Institute of Public Policy (IPP)

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