Depois de anos de avanços e recuos que levaram a uma difícil aprovação da lei, o futuro da despenalização da eutanásia voltou a tornar-se menos claro. Com a lei aprovada, mas não regulamentada — e assim continuará até haver novo Governo em funções — colocam-se novas dúvidas sobre o que o próximo Executivo escolherá fazer, e se quererá finalmente fazer com que a lei saia do papel.

Caso o PS volte a ganhar as eleições, não há dúvidas: apesar de um dos candidatos até ser contra a despenalização, ambos estão comprometidos com a lei que vários partidos (PS, BE, IL e PAN) conseguiram aprovar este ano. Mas se o PSD vencer os próximos passos não serão assim tão claros — sendo certo que o programa eleitoral do partido refletirá a posição dos sociais democratas, que têm defendido que o assunto se deve resolver em referendo e não no Parlamento, sobre o assunto.

No PS, e embora os candidatos tenham posições distintas sobre a questão da eutanásia, há um dado garantido: nenhum dos possíveis futuros líderes irá colocar em causa o que tanto custou ao PS aprovar. A pasta é dada agora como um dossiê fechado, em que ninguém voltará a mexer, a não ser para a regulamentar e pôr em prática.

Isto acontecerá mesmo no caso de José Luís Carneiro, por considerar que a decisão dos deputados já foi tomada, apesar de o socialista mais conotado com a ala moderada do partido ser assumidamente contra a legalização da eutanásia. “A decisão do Parlamento está tomada e será respeitada. Isso implica assumir a regulamentação da lei, mal entre em funções um novo Governo”, assume ao Observador fonte da candidatura.

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O ministro da Administração Interna nunca escondeu a sua posição, contrária à da maior parte do PS e da sua bancada de deputados. Em 2020, escrevia um artigo de opinião no Público em que dizia “votar contra pela mesma razão que a maioria vota a favor”, ou seja, “por entender que o fim de um sofrimento duradouro, tecnicamente sem cura, está na procura de uma certa dignidade no modo de encarar o fim da vida”.

Ora Carneiro, que dizia nesse texto entender as razões “sensatas” que levavam os colegas de partido a aprovar a lei, argumentava que caberia à sociedade agir para que as “circunstâncias” que formam a vontade de alguém de “partir” melhorem, de forma a “promover e garantir o desejo e a vontade de viver”. E pegava nos fundamentos do “Humanismo cristão” para defender que existe um imperativo ético e moral de defender a vida humana com todos os meios da sociedade e do Estado.

“Porque a sociedade será sempre muito mais do que a soma de vontades individuais”, rematava então Carneiro, num raciocínio semelhante aos dos partidos que têm votado contra as sucessivas tentativas de despenalizar a eutanásia (CDS, a maior parte do PSD e PCP), e que defendem como alternativa uma aposta nos cuidados paliativos, por exemplo.

Já Pedro Nuno Santos responde ao Observador com duas frases simples: “A lei foi aprovada e está promulgada. Logo que possível será regulamentada”. A posição será mais natural para este candidato, uma vez que sempre se mostrou favorável aos projetos que despenalizam a morte medicamente assistida.

Em 2018, à entrada do congresso socialista na Batalha (o mesmo em que levantaria a sala com um discurso inflamado e acabaria por ouvir um recado de Costa, que dizia ainda não ter metido os papéis para a reforma), Pedro Nuno dizia “defender o direito de ninguém ficar preso a uma vida que não quer”.

“Quem defende a legalização da eutanásia não está a impor nada a ninguém, está a dar o direito às pessoas de decidirem livremente sobre a sua vida”, argumentava o candidato, sobre uma matéria que assumia nessa altura ser “muito delicada”. Os dois adversários na corrida pela liderança do PS têm, assim, posições muito diferentes sobre um dos assuntos que marcaram a era Costa, mas na hora de decidir optarão por salvar a lei e colocá-la em prática sem hesitações.

Caso o PSD vença as eleições, o futuro da eutanásia poderá ser mais incerto. Para já, o partido não se compromete, mas assegura que incluirá no programa eleitoral uma posição sobre o assunto. “O PSD vai deixar esse ponto claro no seu programa eleitoral, e vai ponderar o que irá fazer. Não deixará de dizer aos portugueses com muita clareza o que fará sobre essa matéria”, disse o secretário-geral do partido, Hugo Soares, ao Observador, em entrevista no programa Vichyssoise.

Acontece que não só o líder, Luís Montenegro, é contra a eutanásia, assim como a maioria do partido, como esta direção do PSD tem defendido que a decisão sobre esta pasta deve ser deixada ao eleitorado — promovendo um referendo sobre o assunto. “O PSD defendeu um referendo à questão da eutanásia por considerar que era a melhor forma de haver uma decisão que envolva todos os portugueses, que seja esclarecida e que possa, do ponto de vista da solução legislativa, durar no tempo. A eutanásia não é uma matéria, creio eu, que seja suscetível de mudar consoante as maiorias do Parlamento”, argumentava Hugo Soares em janeiro, em entrevista ao Público.

A defesa do referendo já não será tão consensual assim no PSD — Pedro Passos Coelho fez questão de publicar um artigo no Observador em que desaconselhava o partido a seguir este caminho e apelava aos partidos que são contra a despenalização da eutanásia a que se comprometessem a reverter a lei no futuro, caso viessem a ter a maioria dos deputados no Parlamento.

No final do ano passado os sociais democratas ainda tentaram fazer aprovar a iniciativa do referendo, mas nessa altura o projeto veio para trás porque o Chega já tinha, na mesma sessão legislativa, avançado com uma proposta semelhante, . Desta vez o problema não se colocaria, uma vez que com a dissolução do Parlamento se abrirá uma nova legislatura.

Por agora, o PSD ainda tem mais uma etapa por que esperar: no verão, após a aprovação final da eutanásia, o presidente da Assembleia Legislativa da Madeira, José Manuel Rodrigues, apressou-se a requerer ao Tribunal Constitucional a fiscalização da constitucionalidade da lei. Os sociais democratas ainda aguardam por esta decisão, embora a lei já tenha sido aperfeiçoada de forma a responder a um chumbo anterior dos juízes do Palácio Ratton. Se passar no crivo do Constitucional, haverá decisões a tomar para o futuro.