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Portugal President Marcelo Rebelo de Sousa (3R) cheers prior to the FIFA World Cup 2022 group H match between Portugal and Ghana at Stadium 974, in Doha, Qatar, 24 November 2022. JOSE SENA GOULAO/LUSA
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JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

Governo, Presidência e Parlamento recusam dizer quanto custou a ida de cinco políticos ao Qatar no Falcon e em voos comerciais

Marcelo remete para o MNE, que não responde. Costa atira para a Defesa que fala em transplante de órgãos. Santos Silva foi em executiva, mas não revela valor — que tem de publicitar no site da AR.

A transparência no exercício de cargos políticos é um dos desígnios do programa de Governo de António Costa e uma das prioridades do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa em discursos e intervenções. Mas depois de um mês de perguntas — com dezenas de chamadas telefónicas e emails trocados — nem Governo, nem Presidência da República, nem Assembleia da República, nem as Forças Armadas querem dizer quanto custou a deslocação de cinco figuras do Estado ao Qatar durante o Mundial de Futebol de 2022. Uns foram de Falcon, outros em voos comerciais, mas ninguém quer dizer quanto custaram as deslocações. As respostas dadas pelas entidades ao Observador ou são espirituosas ou tão turvas como as dadas a Josef K. na obra de ficção “O Processo”, de Franz Kafka.

Eram para ser quatro, mas ao Qatar acabaram por ir cinco governantes: o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, o primeiro-ministro António Costa (estes dois no avião Falcon 50), o presidente da Assembleia da República Augusto Santos Silva, a ministra Adjunta Ana Catarina Mendes e o secretário de Estado da Juventude e do Desporto, João Paulo Correia (os últimos três em voos comerciais). O alojamento de todos foi pago pelo contestado Estado do Qatar, mas os voos foram suportados pelo Estado português.

Vamos então ao historial de não-respostas que é também um manual sobre a falta de transparência. No dia 9 de dezembro de 2022, há praticamente um mês, o Observador enviou o primeiro email à Força Aérea a questionar quanto custou a deslocação das figuras do Estado no Falcon ao Qatar.

Na resposta, o porta-voz daquele ramo das Forças Armadas, o coronel  Manuel Bernardo da Costa, começava o jogo do empurra: “As questões relacionadas com viagens de Suas Exas o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República (PAR), o primeiro-ministro (PM) ou de qualquer outra entidade terão que ser endereçadas à Presidência da República ou aos respetivos gabinetes“.

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Passo seguinte: questionar as próprias entidades. Começando pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. O Observador perguntou diretamente à Presidência quanto custou a deslocação do Presidente da República ao Qatar para assistir ao jogo da seleção. Belém remeteu para o Palácio das Necessidades: “Quanto às despesas com deslocações do Presidente da República ao estrangeiro, as mesmas são asseguradas pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros/Protocolo de Estado”.

Após o Presidente ter remetido para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, o Observador enviou questões em dezembro de 2022, que repetiu em janeiro de 2023, para o Ministério tutelado por João Gomes Cravinho (que não foi ao Qatar). Mesmo após insistência, por contacto telefónico e email, a resposta nunca chegou.

Portugal é o país com mais representação política no Qatar. Quem vai ao Mundial e quem optou pelo boicote?

Quanto custou viagem de Costa? “Falcon transportou entidades, doentes e órgãos para transplante”

A mesma pergunta enviada para Belém seguiu para o gabinete do primeiro-ministro, António Costa, que, por sua vez, redirecionou a resposta para o ministério tutelado por Helena Carreiras: “Remetemos para o Gabinete da Ministra da Defesa Nacional”.

A questão foi então enviada para o Ministério da Defesa, que acabou por pedir um adiamento do prazo de resposta para lá do dead line proposto. O Observador esperou e, oito dias depois de ter sido enviada a primeira pergunta, o Ministério da Defesa acabou por enviar uma resposta que, mais uma vez, não responde à pergunta de quanto custou a deslocação de António Costa de Falcon.

A resposta não podia ter sido mais genérica: “A Esquadra 504 da Força Aérea, que opera a aeronave Falcon 50, tem por missão executar operações de mobilidade aérea e dedica-se ao transporte de altas entidades em representação do Estado, além de realizar transportes de doente urgentes ou de órgãos para transplante. Em 2022 aquela Esquadra realizou 124 missões de transporte de entidades, de doentes e de órgãos para transplante. Neste âmbito, estão contempladas no orçamento da Força Aérea as verbas necessárias à operação e manutenção das suas aeronaves”. Quanto custou? O Ministério da Defesa não diz: nem depois de a pergunta ter sido encaminhada pelo gabinete do primeiro-ministro.

António Cotrim/LUSA

O custo da viagem de Santos Silva? “O de um voo Lisboa-Doha em executiva”

A segunda figura do Estado, Augusto Santos Silva, foi ainda mais criativo na resposta. Questionado sobre quanto tinha custado o voo de Falcon, o gabinete do presidente da Assembleia da República começou por responder: “A pergunta labora num equívoco, visto que o Presidente da Assembleia da República não teve de usar o Falcon, deslocando-se em voo comercial“.

Ora, como a deslocação foi feita em voo comercial, terá de ter sido feito um processo de contratação pública para comprar esse voo. Como na página da Assembleia da República onde deve ser publicitada a contratação pública não está qualquer registo (nem por ajuste direto, nem por consulta prévia, nem por concurso público), o Observador questionou Augusto Santos Silva sobre o valor da viagem até ao Qatar.

A resposta voltou a ser pouco esclarecedora: “A deslocação do presidente da Assembleia da República importou no custo de viagem em executiva no voo comercial Lisboa-Doha”. Informação adicional: Santos Silva viajou em executiva. Quanto custou? Não diz.

Ministra e secretário de Estado nem responderam

Presidente da República, primeiro-ministro e presidente da Assembleia da República — mesmo que tarde e com não-respostas — tiveram o cuidado de, pelo menos, responder a remeter para outras entidades ou a darem respostas redondas. Já a ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, nem isso fez.

Ana Catarina Mendes não era para ir ao Qatar, mas como o primeiro-ministro ficou doente, acabou a substituí-lo no terceiro jogo da seleção nacional contra a Coreia do Sul. A governante terá ido em voo comercial. O Observador enviou questões para a assessoria da ministra Adjunta sobre o custo da ida de Ana Catarina Mendes e também do secretário de Estado que está sob a sua tutela, João Paulo Correia. Não obteve qualquer resposta.

Quanto custa um voo para o Qatar?

Quando, em 2016, Marcelo Rebelo de Sousa se deslocou de Falcon para assistir a um jogo do Euro 2016 em Lyon, o Correio da Manhã noticiava que o custo da aeronave era de 3500 euros por hora. Ora, o voo de Falcon de Lisboa para Doha são cerca de 10 horas, o que daria 35 mil euros por viagem. Contando com a ida e volta de Marcelo Rebelo de Sousa e de António Costa seriam 140 mil euros (4×35 mil), isto sem contar que o combustível é agora mais caro, mesmo para as Forças Armadas, do que era há seis anos e meio.

epa10351825 Leaders of EU and Western Balkans countries pose for a photo during the EU-Western Balkans summit in Tirana, Albania, 06 December 2022. Leaders of the European Union (EU) and their counterparts from Albania, Bosnia and Herzegovina, Kosovo, Montenegro, North Macedonia and Serbia converged in Tirana for a one day summit presenting the EU's willingness for tangible steps for the Western Balkans countries to join the bloc rather than just promises.  EPA/MALTON DIBRA

António Costa durante a Cimeira UE-Balcãs, em Tirana (Albânia, a 6 de dezembro

MALTON DIBRA/EPA

A conta não pode, no entanto, ser feita de forma direta, uma vez que tanto António Costa como Marcelo Rebelo de Sousa tiveram paragens a caminho do Qatar. O primeiro-ministro fez uma paragem em Tirana, na Albânia, para a Cimeira UE-Balcãs, horas antes de ver Portugal vencer a Suíça por 6-1. Já o Presidente da República fez uma paragem no Cairo para uma visita de Estado ao Egito, um dia antes de ver Portugal vencer o Gana por 3-2.

Quanto aos voos comerciais também não é fácil chegar a um valor. Olhando, por exemplo, para o caso de Santos Silva, que sugere ao Observador que veja o preço de “um voo comercial em executiva”, será difícil quantificar, já que depende da companhia aérea e da altura do ano em que o bilhete foi comprado.

Na altura em que este artigo foi escrito, uma viagem em executiva de ida e volta Lisboa-Doha na Qatar Airways em classe executiva rondaria um mínimo de 6 mil euros. Mas, em dezembro, com Mundial de futebol e com a pouca antecedência que a viagem foi marcada (a poucos dias da competição começar), o preço terá sido tendencialmente superior.

ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Polémico Falcon, polémico Qatar

O Presidente da República tem tido polémicas com a utilização do Falcon desde que chegou a Belém e sempre relacionadas com a seleção nacional. Em junho de 2016, Marcelo Rebelo de Sousa utilizou o avião da Força Aérea para se deslocar de Bragança — onde estava num evento do “Portugal Próximo” — até Lyon. O custo teria rondado os 14 mil euros, mas o valor imputado foi apenas de 6 mil euros por ser um transporte de órgãos de soberania.

Na altura, Marcelo Rebelo de Sousa quis pagar a parte dele, que não era assim tão elevada: como o Falcon tinha 10 passageiros, a dividir por 6 mil euros, o Presidente teve apenas de pagar 600 euros. O facto de pagar a própria viagem foi igualmente criticado e apontado por comentadores como um ato populista.

Já em abril de 2022, durante a fase de qualificação para o Mundial, o semanário Nascer do Sol noticiou que Marcelo Rebelo de Sousa utilizou o Falcon para ir ao Porto ver o jogo de Portugal contra a Macedónia do Norte e regressar a Lisboa a tempo do final do concerto que assinalou o fim da carreira de Simone de Oliveira.

As críticas às deslocações ao Qatar

Igualmente polémica foi a ida dos responsáveis políticos portugueses ao Qatar. O único que estava obrigado a ser autorizado a deslocar-se àquele país era o Presidente da República e, nesse sentido, a deslocação foi naturalmente submetida a votação na Assembleia da República. PS, PSD e PCP acabaram por aprovar a viagem, mas BE e IL protestaram.

O Bloco de Esquerda, através do deputado José Soeiro, apontou como motivos para não aprovar a deslocação a “violação reiterada dos direitos humanos” no Qatar, os relatórios de organizações não-governamentais que apontam para milhares de trabalhadores mortos durante a construção dos estádios de futebol, a “petromonarquia” que não respeita os direitos das mulheres e dos cidadãos LBGT, os riscos ambientais e todo um processo de escolha do Qatar como anfitrião “envolto em suspeitas fortes de corrupção”.

O líder parlamentar da Iniciativa Liberal, Rodrigo Saraiva, recordou então  que o Qatar organiza este campeonato como “uma ferramenta de geopolítica”, “porque procura ter uma validação internacional para ter uma credibilidade que não tem”.

“Quando um regime que não respeita os direitos humanos tenta ter validação internacional, as mais altas figuras de um Estado que respeita os direitos humanos não podem marcar presença”, atirou o liberal, lembrando que o país não respeitou os compromissos que assumiu quando foi escolhido como anfitrião, de reformas internas. “Alteraram zero o Código Penal, que tem penas de prisão para homossexualidade, ou para questões dos direitos das mulheres, através de uma visão fundamentalista da religião”, frisou.

O Chega teve uma posição mais neutra e, pela voz de Diogo Pacheco de Amorim, manifestou-se contra a necessidade de autorização: “Não faz sentido que a AR tenha de se pronunciar sobre as viagens”.

Marcelo Rebelo de Sousa tentou resolver a questão criticando o regime qatari quando estava naquele país, algo que terá causado embaraço junto da diplomacia portuguesa. Já António Costa, antes de ir para o Qatar, disse que tinha “todo o gosto” em voltar ao país se a seleção fosse à final. Desvalorizando a deslocação àquele país, António Costa chegou mesmo recordar as presenças em França e na Rússia.

Se cumprirem um mandato até ao fim, António Costa terá ainda mais um Europeu e mais um Mundial para viajar, enquanto Marcelo terá apenas mais um Europeu. Até lá, fica por esclarecer o valor das viagens ao Qatar.

PS, PSD e PCP aprovam viagem de Marcelo ao Qatar. BE e IL condenam ida ao “Mundial da vergonha”

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