Sem ministro das Finanças, o debate de urgência sobre o alívio do IRS pedido pelo PS teve Pedro Duarte, ministro dos Assuntos Parlamentares, a defender a palavra do Governo. Ladeado pelo seu secretário de Estado, Carlos Abreu de Amorim, e pela secretária de Estado dos Assuntos Fiscais, Cláudia Reis Duarte, foi a Pedro Duarte que coube a missão de indicar a redução de IRS da responsabilidade exclusiva do Governo PSD/CDS, acabando por nunca referir o valor, mas sempre defendendo que o Governo não mentiu.

Sem responder diretamente às perguntas da bancada da oposição (e foram muitas), o ministro acabou a admitir uma redução de IRS, cuja proposta será aprovada sexta-feira em Conselho de Ministros, de pelo menos 300 milhões, assumindo, por arrasto, que os números referidos pelo Governo (os tais 1.500 milhões de euros) incluem a descida já em vigor aprovada por Fernando Medina e António Costa.

Prometemos uma redução de 1.500 milhões de euros e não nos enganámos no valor, não mentimos, não fizemos de conta. Ou se quiser, senhor deputado André Ventura, 3.000 milhões com IRS Jovem e isenção dos prémios de produtividade. É cristalino. Não nos enganámos nem enganámos os portugueses”, declarou Pedro Duarte no debate desta quarta-feira, o que não deixa dúvidas de que os valores inscritos no Programa (eleitoral e do Governo)  incluem a descida já em vigor.

Mas foi aqui, nesta passagem, que Pedro Duarte acabou a dar a notícia de que a redução que o Governo se prepara para fazer é superior aos 200 milhões que Joaquim Miranda Sarmento admitiu, já que quantificou em 1.191 milhões de euros a descida concretizada pelo PS, de acordo com as contas mais recentes do Governo. “Só um jornal, repito só um jornal, escreveu que a redução dos 1.500 milhões ia somar-se aos, sabemos hoje, 1.191 milhões de euros inscritos no Orçamento do Estado, deixou cair o social-democrata, reforçando que juntar os 1.500 milhões aos 1.300 milhões do governo PS era um erro: “Fica bem aos senhores deputados defendermos o jornalismo. Fica-nos bem a todos. Temos de defender todos os jornais que disseram a verdade e não o único jornal que errou e por ter errado inventou que a culpa é dos outros”.

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Ou seja, de uma assentada Pedro Duarte diz que não pode ser somado um valor ao outro como diz que o impacto da redução das taxas de IRS concretizada em 2024 pelo governo socialista é menor em 136 milhões de euros do que aquele que foi inicialmente apontado por Fernando Medina, quando era ministro das Finanças. Pelo que, para atingir uma redução de 1.500 milhões, o Governo tem de acomodar cortes adicionais de 300 milhões. Pedro Duarte sublinhou ainda que os portugueses vão ter duas descidas no IRS no mesmo ano, já que as tabelas de retenção na fonte serão atualizadas caso a proposta do Governo de rever as taxas marginais seja aprovada.

A proposta do Governo só sexta-feira será conhecida. Mas Pedro Duarte antecipou desde já que “o Governo da AD está a propor e vai continuar a propor uma descida de impostos sobre o trabalho. “Estamos no início, mas já estamos a fazer o que dissemos que iríamos fazer. Agora que a AD está no Governo os impostos estão a descer e vão continuar a descer. Alguns acharão que é pouco, que a redução é pequena. Para esses eu diria que há uma boa solução: votem favoravelmente não só esta, como as próximas descidas de impostos, porque é isso que nós vos continuamos a propor”. Mas defendeu que “nunca falámos de choque fiscal porque respeitamos equilíbrio orçamental. No cenário orçamental incluído no programa da AD a receita fiscal prevista para 2024 em sede de imposto sobre o rendimento e património mantém-se nos 11 mil milhões, atribuídos a 2023, descendo para 10,1 mil milhões em 2025.

Dos 1.500 milhões aos 200 milhões de alívio no IRS. “Embuste” ou “equívoco de comunicação”?

Oposição não se convence. “Omissão”, “ficção”, “truque” e “logro”

Previsivelmente, a oposição, à esquerda e à direita, não se deixou convencer pelos argumentos do Governo. Logo a abrir, Alexandra Leitão, líder parlamentar socialista, acusou o Executivo de, em “menos de duas semanas”, ter desbaratado a “credibilidade” e ter “minado a sua relação de confiança com os portugueses”. “Não vale a pena argumentar: o aproveitamento propositado de uma ambiguidade voluntária é de facto um embuste. Um embuste que enganou partidos (pelo menos os que de boa-fé confiaram na palavra dada), jornalistas, analistas e seguramente a maior parte dos portugueses”, atirou Alexandra Leitão.

António Mendonça Mendes, deputado socialista e antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, não deixou passar a proposta que o PSD tinha feito e cujo impacto em determinados rendimentos seria penalizador face ao que o PS aprovou. Também no IRS Jovem, acrescentou, a medida do Governo poderá penalizar os jovens nos primeiros anos de desconto. É que se o Governo quer estabelecer uma taxa de 15% para todos os jovens até aos 35 anos; a proposta em vigor tem limites de rendimentos e de idade mas prevê uma redução total do IRS no primeiro ano de benefício e de 75% no segundo ano.

E foi também por António Mendonça Mendes que o Governo voltou a ser criticado e acusado de ter transmitido a ideia falsa de que iria realizar uma descida em sede de IRS de 3.000 milhões, o dobro do que propõe para o corte no IRC (de 1.500 milhões) — uma acusação repetida, de resto, pelas bancadas mais à esquerda.

Também André Ventura lamentou a falta de clareza do Governo. “A maior redução fiscal de que há memória não pode ser 170 milhões de IRS”, argumentou o líder do Chega, exigindo saber que planos tem efetivamente o Governo para a redução fiscal. “Não podemos estar a propor descidas que aqueles senhores [os socialistas] já fizeram. Se querem desamarrar o socialismo não podemos governar ao lado deles.”

Puxando para o seu partido os louros de ter denunciado a situação, Rui Rocha, da Iniciativa Liberal aproveitou para deixar outros dois avisos à navegação, para que ninguém se queixe depois que não estava avisado: o valor de 1.500 milhões de euros de corte no IRS já comportam a atualização dos escalões em função da inflação – logo, não se pode dizer que signifique o aumento do rendimento disponível para as famílias; e o cenário macroeconómico que a AD apresentou no programa eleitoral não se vai cumprir no que ao crescimento económico diz respeito. “Não vai acontecer, ficam avisados”, antecipou o líder da IL.

“O Governo criou a ficção e deixou que se criasse a ficção. Estamos perante um exercício de manipulação e um insulto, porque quer tomar o país por parvo. O governo achou que compensava? Achava que ia ser uma polémica e que as polémicas passam rápido? A primeira certeza é que a descida generalizada de IRS é uma mentira, é o truque dos truques. O engano vai colar à pele e não vai soltar. O único choque fiscal é brutal redução do IRC, e das grandes empresas”, insistiu Mariana Mortágua, líder bloquista, juntando-se ao coro de críticas da oposição.

Jorge Pinto, deputado do Livre, insistiu que Luís Montenegro teve “muitas oportunidades” para esclarecer aquilo que não foi esclarecido e recordou que Rui Tavares passou a campanha eleitoral a denunciar o “salto de fé” da Aliança Democrática – algo que, na opinião do Livre, se está a agora a comprovar.

Numa intervenção mais ideológica, Paula Santos defendeu que o que estava verdadeiramente em causa não era uma questão de semântica; era uma opção política de fundo. “Quando está em causa a redução para grandes empresas o Governo não se engana. A redução do IRC, fim das derramas (aplicam-se 70 empresas), com os representantes do capital a exigir mais benefícios fiscais, serão as grandes empresas – Galp, EDP, Sonae, banca, seguradoras – beneficiadas. Querem transferir para os lucros aquilo que é necessário para saúde, educação, estas grandes empresas lucros recorde à custa dos sacrifícios das pessoas”, argumentou.

Inês Sousa Real desafiou o Governo a dizer se está ou não disponível para rever escalões do IRS, mas pediu que o alegado choque fiscal que aí vem inclua também o IVA. “Não podemos falar de alteração fiscal e não falar do IVA”, sublinhou a porta-voz do PAN.

Coube naturalmente a Hugo Soares, líder parlamentar do PSD, e a Paulo Núncio, do CDS, fazer a defesa do Governo. O social-democrata insistiu que o Executivo não mentiu em relação à proposta para o IRS e lamentou que a oposição continuasse a insistir nesse argumento. Núncio, por sua vez, saudou a “coerência e consistência” de Luís Montenegro e defendeu a honra do Executivo. “O Governo deve ser saudado por esta medida”.

Tanto destas bancadas como da do Governo foram recordadas as palavras de Montenegro no Pontal, na habitual festa de verão do PSD, onde foi anunciada a proposta que acabou apresentada no Parlamento em setembro e novamente em novembro, ambas chumbadas. Proposta que, depois, foi passada tanto para o programa eleitoral como para o do Governo. No primeiro fala-se de uma descida de IRS (taxas e prémios de produtividade face a 2023) de dois mil milhões, a que acrescem 1.000 milhões com IRS Jovem, ou seja 3.000 milhões. No programa do Governo referem-se os 1.500 milhões de descida com as taxas de IRS.

Montenegro, na discussão do programa do Governo, no Parlamento reforçou que será introduzida “uma descida das taxas de IRS sobre os rendimentos até ao oitavo escalão, que vai perfazer uma diminuição global de cerca de 1.500 milhões de euros nos impostos do trabalho dos portugueses face ao ano passado, especialmente sentida na classe média”. Uma medida que na sexta-feira vai ser apresentada em Conselho de Ministros.

Segundo o relatório do Orçamento do Estado para 2024, do Governo de António Costa, “o impacto total da medida ascende a 1.769 milhões de euros, mas deste montante só 1.327 milhões de euros têm impacto em 2024. Tal decorre de apenas os rendimentos das categorias A e H estarem sujeitos a retenção na fonte a taxas progressivas, pelo que apenas essa parte do impacto é refletida em 2024, aplicando-se o remanescente montante na liquidação de 2025”. Nos números do governo anterior estava incluído o impacto do mínimo de existência e o valor pela atualização dos escalões à taxa de 3%, e isso mesmo lembrou Rui Rocha, líder da IL, no debate desta quarta-feira. A AD comprometeu-se a atualizar todos os anos os escalões à taxa da inflação.

Só depois da discussão do programa do Governo é que Miranda Sarmento acabou por admitir, na RTP, que o impacto em 2024 da descida prevista do Governo para o IRS seria mesmo de cerca de 200 milhões. E foi esta sucessão de declarações que levou o PS a chamar o Governo ao Parlamento. Pedro Duarte deixou agora a indicação de que em todos os números do PSD abrangiam o valor global de descida, ou seja, não acrescia à redução que o PS protagonizou. Como se vai revogar as tabelas aprovadas no âmbito do Orçamento do Estado e fazer novas é integrado o impacto global.