Calouste Gulbenkian nutria especial fascínio pelo século XVIII e esse fascínio está bem evidente na sua coleção, riquíssima em peças desta época, particularmente – no que diz respeito à arte europeia –, produzidas na maior potência política e militar do continente: França. O colecionador não concentrou a sua atenção e as suas aquisições, neste caso, numa disciplina artística específica, mas antes em obras relevantes de diversas tipologias.

Galeria de artes decorativas europeias do XVIII do Museu Gulbenkian. Fotografia Pedro Pina

Começando pela escultura, destacam-se dois bustos em terracota retratando figuras das Letras. De um lado, da autoria de Jean-Jacques Caffieri, uma réplica da cabeça da estátua do notável dramaturgo Moliére, que havia sido produzida a pedido do Conde d’Angivilller, Diretor-Geral dos Monumentos de Luís XVI, para integrar a galeria dos “Grandes Homens de França” do Muséum, uma nova instituição que pretendia servir à educação dos jovens artistas, instalada na Grande Galeria do Louvre. Do outro, o poeta Robbé de Beauveset, da autoria do escultor oficial de Luís XV, Jean Baptiste Lemoyne, mestre em retratos de qualidade teatral. No caso deste busto, Lemoyne conseguiu traduzir características relevantes da personalidade do retratado, nomeadamente a altivez e a ironia do poeta.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Outra escultura, esta de corpo inteiro, ocupou durante largos anos lugar de destaque na casa de Paris de Calouste Gulbenkian, um palacete no número 51 da Avénue d’Iéna. Aí, no arranque da escadaria de aparato, avistava-se Diana, de Jean-Antoine Houdon, uma representação em mármore da deusa romana da caça, com dois metros de altura, que pertencera à coleção de Catarina II da Rússia. Uma obra de um dos mais célebres escultores franceses do século XVIII, disruptiva e polémica pela sensação de movimento e, sobretudo, pelo nu integral, opção à época considerada escandalosa.

Jean-Antoine Houdon, Diana. França, 1780. Mármore. Museu Calouste Gulbenkian. Foto: Catarina Gomes Ferreira

A grande prosperidade das elites francesas neste período proporcionou o surgimento de mobiliário tão luxuoso como engenhoso e exótico. É o caso do canapé “à confidents”, com um enorme assento central para acolher os longos vestidos das senhoras, ao qual se juntam outros dois reservados aos homens, de menor dimensão e em formato triangular, nas extremidades. Revestido por tapeçarias dos Gobelins, uma fábrica parisiense que trabalhava para a corte desde a época de Luís XIV, e com a marcenaria percorrida por um friso de folha de ouro, este canapé foi uma encomenda de Luís XVI para o palácio de Bellevue que chegou, posteriormente, a fazer parte dos aposentos de Napoleão no Palácio das Tulherias.

Outra área de intensa produção nesta época, marcada por uma constante demonstração de perícia e criatividade, foi a ourivesaria. Dizem os especialistas que a coleção de ourivesaria de Calouste Gulbenkian, com 158 peças, é a mais importante do seu tempo – 91 delas são consideradas obras-primas. Do espólio fazem parte criações dos maiores mestres ourives parisienses do século XVIII, como o imponente centro de mesa de François-Thomas Germain, encomendado pelo então embaixador russo em Paris, Piotr Grigorievitch Chernichev, e que é composto por três peças que, juntas, somam mais de 55 quilos de prata.

Centro de mesa de François-Thomas Germain; ao fundo, o retrato dos seus pais, Thomas Germain e Anne-Denise Gauchelet. Fotografia Pedro Pina

Os pais do ourives François-Thomas Germain foram retratados por Nicolas de Largillierre em 1736, numa pintura que faz igualmente parte da coleção. Para além de Thomas Germain, também mestre ourives, e da sua mulher Anne-Denise Gauchelet, é possível ver representados na obra um candelabro idêntico ao que o seu filho produziria para o rei D. José I de Portugal, e um jarro em jaspe, vagamente semelhante a uma outra peça da coleção Gulbenkian, contemporânea deste retrato.

A pujança artística francesa do século XVIII fazia-se também sentir no mercado livreiro. Era em França que se ditavam as regras de qualidade de encadernação e impressão que outros seguiam além-fronteiras. A produção de livros, jornais e panfletos viria a contribuir de forma indiscutível para a revolução francesa de 1789. Gulbenkian colecionou exemplares de suprema qualidade, como almanaques, poesia, obras literárias de relevo ou livros de festas. Estes últimos eram publicações destinadas a registar, por escrito e em imagens, as mais faustosas cerimónias da corte, um fausto que se estendia às próprias publicações que, pelo seu requinte e qualidade, chamaram desde cedo a atenção do colecionador.