790kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

i

AMPE ROGÉRIO/LUSA

AMPE ROGÉRIO/LUSA

João Soares: "Hoje, Jerónimo e Catarina não seriam eleitos"

Em entrevista, João Soares defende que as posições de PCP e de BE sobre a Ucrânia vão trazer dano reputacional aos dois partidos e antecipa: "PCP e BE fizeram asneiras sucessivas e vão pagar por elas"

João Soares está convencido de que, se as legislativas fossem hoje, nem Catarina Martins nem Jerónimo de Sousa seriam eleitos deputados. Motivos? O chumbo do Orçamento do Estado para 2022, mas também a posição comunista sobre a invasão russa à Ucrânia. O socialista hesita em entrar no campeonato de quem bate mais na esquerda, mas não deixa de assumir que não compreende e que lamenta profundamente a posição do PCP sobre o conflito.

Em entrevista ao Observador, no programa Vichyssoise, o antigo ministro da Cultura recusa falar sobre as escolhas de António Costa para o futuro governo e prefere guardar as suas apreciações para o day after, incluindo qualquer opinião sobre a manutenção (ou não) de Augusto Santos Silva na pasta dos Negócios Estrangeiros.

Ainda em matéria de política externa, João Soares não poupa o regime angolano e a sua cumplicidade com o Kremlin. “Angola vive num modelo Putinesco de poder desde que se tornou independente. O poder no MPLA é exercido por quadros que foram formados na União Soviética”, diz.

“PCP e BE fizeram asneiras sucessivas e vão pagar por elas”

As posições da esquerda à esquerda do PS, em particular as do PCP, sobre a guerra na Ucrânia, provam que o muro verdadeiramente nunca chegou a cair?
Nunca gostei da expressão “geringonça” nem dessa fórmula, usada pelo António Costa, de ter derrubado o muro. O muro foi uma coisa muito séria, da qual tenho memória: caiu na altura em que caí de um avião em África, e lembro-me que as primeiras imagens que vi na televisão depois de sair de um hospital sul-africano, em Pretória, foram as do derrube do muro. Limitámo-nos — e isso foi qualquer coisa de particularmente interessante e revolucionário — a derrubar o mito do arco da governação. Foi positivo o que se fez em 2015, com o Governo do António Costa em que tive o privilégio de estar integrado: considerar que todos os votos dos eleitos para o Parlamento têm o mesmo valor.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Mas consegue compreender as posições do PCP em relação à guerra na Ucrânia?
Claro que não compreendo e não me identifico. E lamento-as profundamente. Apesar de tudo, por razões históricas, tenho um profundo respeito pela história do PCP e pelo partido. Compreendo o papel histórico que teve no combate contra a ditadura, a mais longa de direita na Europa, e recordo um conjunto de pessoas importantes entre as que sofreram por combaterem a ditadura.

Mas o PS, tendo em conta esta posição do PCP, tem razões para estar aliviado por hoje não depender do partido?
Tem razões para se orgulhar de ter tido uma maioria absoluta e de os portugueses terem tido o bom senso de a atribuir ao partido do equilíbrio, da democracia, do pluralismo. Ninguém tem os pergaminhos democráticos que o PS tem na sociedade portuguesa. Essa é que é essa. Portanto, o PS tem todas as razões para ter orgulho no resultado. Compreendo que os portugueses tenham querido punir o Bloco de Esquerda e o PCP pelas posições que tomaram, nomeadamente no Orçamento do Estado. Estou convencido que se as eleições fossem hoje dificilmente elegeriam a Catarina Martins e o Jerónimo de Sousa — embora Jerónimo de Sousa mereça estar no Parlamento e o Parlamento ganhe com isso.

Mas por causa do Orçamento ou das posições sobre a Ucrânia?
Por causa de tudo. Mas não gosto de atirar sobre as ambulâncias. Não gosto de estar a dizer mal das posições que estão politicamente caídas. Fizeram asneiras sucessivas e vão pagar por elas, como toda a gente paga na política.

Se não tivesse havido a maioria absoluta e o PS ainda estivesse dependente do PCP, isso era um embaraço?
Se os alemães tivessem invadido a Grã Bretanha, o que é que tinha acontecido…?

PS está ou não aliviado?
Pessoalmente, nunca me senti incomodado por termos esse contributo naquele quadro parlamentar — com as dificuldades que foi tendo. Teve o seu lado positivo. Não tenho essa visão maniqueísta do mundo. Nunca me identifiquei com as posições do Bloco e do PCP, embora reconhecendo, no caso do PCP, os pergaminhos históricos que tem. Mas aquilo já é uma nova geração, houve ali uma renovação etária que não se renovou do ponto de vista ideológico e que infelizmente não tem o golpe de rins que tinha Álvaro Cunhal.

"Estou convencido que se as eleições fossem hoje dificilmente elegeriam a Catarina Martins e o Jerónimo de Sousa - embora o Jerónimo de Sousa mereça estar no Parlamento e o Parlamento ganhe com isso. Fizeram asneiras sucessivas e vão pagar por elas. Como toda a gente paga na política"

“Seria desejável que Putin fosse afastado”

Temos uma corrida às armas na Europa, uma catástrofe humanitária na Ucrânia, países vizinhos da Rússia (e membros da NATO) em pânico, Putin cada vez mais isolado e acossado… é possível antecipar alguma desfecho alternativo que não a eclosão de uma guerra verdadeiramente global?
Temos de temer a possibilidade e fazer tudo ao alcance para evitar que venha a ocorrer uma guerra global. No quadro em que estamos a viver, existe o drama da componente nuclear. Estamos todos a viver sob a chantagem que Putin introduziu da componente nuclear.

Mas vê alguma saída possível?
As saídas são muito difíceis. O que seria desejável era que Putin fosse afastado. Ainda há pouco tempo vi uma entrevista à Times Radio do Garry Kasparov, que prevê para curto prazo — e ele é russo e dissidente — a queda de Putin.

Concorda com as sanções que estão a ser aplicadas?
Concordo com as sanções e espero que tenham efeito positivo. E se tivesse de apostar diria que terão e já estão a ter. E presto a minha homenagem o mais sincera possível ao presidente Zelenski que se revelou, de facto, uma carta completamente fora do baralho.

Que tipo de efeito espera que resultem destas sanções? Uma revolta interna?
Espero que haja reações dentro da própria Rússia, porque os interesses dos plutocratas são postos em causa. Mas população vai sentir o preço que está pagar por uma guerra que lhes foi vendida como uma pequena expedição para afastar os nazis — que é uma coisa completamente disparatada — e para tentar repor a tranquilidade na Ucrânia.

"Temos de temer a possibilidade e fazer tudo ao alcance para evitar que venha a ocorrer uma guerra global, porque no quadro em que estamos a viver existe o drama da componente nuclear. Estamos todos a viver sob a chantagem que Putin introduziu da componente nuclear"

“Angola vive num modelo putinesco de poder”

Entretanto houve também uma votação na Assembleia-geral da ONU, que condenava a invasão da Rússia. Angola e Moçambique abstiveram-se. No caso concreto de Angola, consegue perceber esta posição?
Angola vive num modelo putinesco de poder, desde que se tornou independente. O poder no MPLA é exercido por quadros que foram formados na União Soviética — alguns não foram na Rússia, como por exemplo o ex-presidente José Eduardo dos Santos, que diz que tem um curso de engenharia em Baku, no Azerbeijão. Tudo o que eram quadros do KGB passaram por Baku e pelo Azerbeijão. Não estou a dizer que a engenharia de José Eduardo dos Santos seja só de informações, mas teve uma componente de informações que nisso os russos são particularmente bons.

Mas ficou surpreendido? 
O atual presidente João Lourenço segue exatamente a mesma linha. Embora tendo feito um drama hameletiano com o seu antecessor, é a mesma coisa, foram educados naquela escola. A coisa mais dramática que senti no contacto com os russos é que, até do ponto de vista temperamental , não andam muito longe da nossa forma convivial de estar uns com os outros. Mas eles nunca viveram em democracia, tirando o período curtíssimo do Kerensky. Quem fez a revolução contra os Czares foi o Kerensky, que depois teve de ir morrer no exílio. A verdadeira revolução foi a democrática, que levou a Rússia a viver durante uns meses, em 1927, até à tomada do poder pelos soviéticos que foi tudo menos uma revolução e muito menos democrática.

"O poder no MPLA é exercido por quadros que foram formados na União Soviética"

“Augusto Santos Silva é um tipo de grande qualidade”

Estamos nas vésperas de ser conhecido o futuro Governo. Acha que seria sensato para António Costa abdicar de Augusto Santos Silva como ministro dos Negócios Estrangeiros num contexto tão particular?
É uma daquelas perguntas saborosas e deliciosas mas a que não responderei, porque a escolha cabe ao primeiro-ministro. Não dou opiniões sobre essa matéria antes do próprio se pronunciar. Depois, se ele for ou não escolhido, darei a minha opinião. Sou um indefetível do PS e do Governo mas penso pela minha própria cabeça.

Augusto Santos Silva é, por exemplo, uma personalidade importante para ter à frente do Parlamento nesta altura?
É como perguntar se acha que as refeições devem ser todas agradáveis… Tenho maior apreço pelo Augusto Santos Silva. É um tipo de grande qualidade, indiscutivelmente. Vi-o passar para a Defesa, estava na comissão parlamentar da Defesa, e vi como chegou dos Assuntos Parlamentares. Era visivelmente uma pessoa que sabia pouco daquilo e em muito pouco tempo pôs-se a par e sabia mais do que a maioria dos parlamentares que se ocupava dessa matéria há mais tempo, eu incluído.

Tem gostado de ver a atuação dele, neste contexto da Ucrânia, como MNE?
Acho que esteve muito bem, tal como o Governo português e António Costa também. De uma forma geral, temos reagido muitíssimo bem. Ao contrário do que alguns dos vossos colaboradores [do Observador] desejavam, o PS teve uma maioria absoluta. Foi porque os portugueses perceberam isso.

Mas acreditava nesta maioria absoluta?
Houve momentos em que tive medo que ela não viesse. Mas também teríamos todos sobrevivido.

Augustos Santos Silva continua no Governo? "É uma daquelas perguntas saborosas e deliciosas mas a que não responderei, porque a escolha cabe ao primeiro-ministro"

Vamos agora avançar para a segunda fase da nossa refeição, o Carne ou Peixe, em que só pode escolher uma de duas opções. Com quem preferia sentar-se à mesa na Tasquinha dos Arcos, um dos seus restaurantes de eleição: Fernando Medina ou Pedro Nuno Santos?
Sou amigo de ambos…

Tem um preferido.
As mesas da Tasquinha dos Arcos são simpáticas.

Mas se só pudesse escolher um…?
Não lhes consigo responder. Põe-me numa situação delicada porque gosto imenso de ambos. Tenho uma relação fraterna com ambos. Aliás, discordo daquela avaliação que se faz de que o Pedro Nuno Santos é à esquerda do PS ou que o Fernando Medina é à direita do PS. São ambos sociais-democratas como eu.

Vamos continuar. A quem é que oferecia um dos seus romances: a Pedro Passos Coelho ou a Aníbal Cavaco Silva?
O quê?

A quem é que oferecia um dos seus romances…?
Eu não tenho romance nenhum.

Escreveu livros.
Não, atribuem-me, não sei se são drones ou heterónimos… Atribuem-me coisas que eu nunca reconheci.

Pronto, que livro ofereceria a Passos Coelho e a Aníbal Cavaco Silva?
Olhe, ao Professor Cavaco Silva oferecer-lhe-ia Os Lusíadas, porque houve uma fase da vida em que ele não sabia quantos cantos tinham Os Lusíadas. Ao Passos Coelho oferecia um livro que gostei muito de um homem de origem ucraniana, um soviético, judeu, Vasily Grossman, chamado Vida e Destino.

[Pode ouvir aqui a Vichyssoise]

PCP em xeque, BE em perda e Santos Silva adiado?

Assine por 19,74€

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver planos

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Assine por 19,74€

Apoie o jornalismo independente

Assinar agora