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O primeiro-ministro indigitado, Luís Montenegro, após a reunião com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, para apresentação da composição do Governo no Palácio de Belém em Lisboa, 28 de março de 2024. TIAGO PETINGA/LUSA
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TIAGO PETINGA/LUSA

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Leais, europeus e acima das corporações. Como Montenegro desenhou o seu "governo de combate"

Núcleo duro de Montenegro teve lugar cativo. Equilíbrio entre contas certas e crescimento foi prioritário. Rede europeia reforçada. Ministros setoriais escolhidos para estarem acima das corporações.

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Um governo com experiência no combate político, como se previa, que manteve no essencial o número de elementos e a orgânica do executivo de António Costa – fazer alterações profundas impediria de começar a trabalhar já e as novas leis orgânicas demoram meses a fechar –, com uma forte componente europeia, em grande medida porque o contexto internacional assim o exige e porque há um Plano de Recuperação e Resiliência para executar, com elementos da sociedade civil e da academia que, no seu conjunto, não são totalmente inexperientes do ponto de vista político, e com ministros setoriais (Educação, Saúde, Administração Interna e Justiça) que, conhecendo as áreas que vão tutelar, não estão reféns das corporações com que vão ter, necessariamente, de negociar. Foram estes os sinais que Luís Montenegro quis dar, sabendo que terá meses muito duros pela frente.

Não foi, todavia, um processo linear. Como foi sendo repetido ao longo das últimas semanas, Luís Montenegro concentrou o processo de escolha de candidatos e tentou evitar a todo custo eventuais fugas de informação. Alguns dos convites, como contava aqui o Observador, só foram formalmente feitos na noite de quarta-feira, o que complicou algumas contas, causou constrangimentos e obrigou a reajustamentos inesperados. Em contrapartida, outras figuras que foram sendo dadas como confirmadas no Executivo nunca receberam o telefonema que porventura esperavam.

Pessoas como Pedro Duarte, que ainda a meio de março fazia saber que não tinha qualquer pretensão de ocupar um cargo no Governo, acabaram por dizer que sim a Luís Montenegro – Pedro Duarte será ministro dos Assuntos Parlamentares, uma pasta, ainda assim, que não terá o peso político de outros tempos. Isto porque Hugo Soares, secretário-geral do PSD e braço direito de Luís Montenegro, vai ser o líder parlamentar e o verdadeiro pivô das negociações que vieram a existir na Assembleia da República. No fundo, Hugo Soares é o 18.º ministro deste Governo.

Há sinais que importa reter. Desde logo, a escolha de Paulo Rangel para ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, o que faz dele o número dois deste Executivo. Muitas vezes apontado como o candidato natural ao cargo de comissário europeu – um dos lugares políticos mais apetecíveis e relevantes –, Rangel acabou mesmo por integrar o Governo e, sendo ele uma das figuras mais reconhecidas, ajudará Luís Montenegro a reforçar a sua autoridade e credibilidade junto da sociedade civil.

O núcleo duro e um velho conhecido

Apesar de tudo, importa recordar que Pedro Duarte, antigo líder da JSD e ex-secretário de Estado, não chegou agora ao universo montenegrista: são próximos, foram colegas na Universidade Católica – aliás, os dois foram alunos de Paulo Rangel –, estiveram juntos na direção da bancada parlamentar de Miguel Macedo e no núcleo duro da campanha Luís Filipe Menezes ao Porto, em 2013. O período do passismo, em particular o pós-2015, afastou-os. Mas não por muito tempo.

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Pedro Duarte, que tinha deixado a Assembleia da República em 2011, tentou ganhar dimensão como diretor da primeira campanha presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa e como crítico assumido de Passos; Montenegro, que tinha ascendido à primeira liga precisamente a partir de 2011, foi um indefetível de Passos até ao fim. Reaproximaram-se quando estiveram ambos nas trincheiras da oposição interna a Rui Rio – Pedro Duarte foi o coordenador do programa de candidatura de Luís Montenegro nas eleições internas que este perdeu para Rio. Assim que chegou a líder do PSD, Montenegro fez de Pedro Duarte presidente do Conselho Nacional Estratégico, órgão responsável por ajudar a preparar o programa eleitoral do partido. Funcionarão – ele e Hugo Soares – numa lógica de polícia bom e polícia mau.

Se a dupla Pedro Duarte/Hugo Soares vai assegurar as negociações indispensáveis com o Parlamento (onde o PSD não tem maioria e está obrigado a conversar com André Ventura e/ou Pedro Nuno Santos), António Leitão Amaro será o responsável pela coesão de todo o Governo. A escolha (talvez a mais antecipada) nunca ofereceu grandes dúvidas: além de vice-presidente do partido, passaram por ele algumas das propostas mais relevantes dos sociais-democratas, como as medidas para responder à crise na oferta de habitação, a reforma fiscal, a proposta de revisão constitucional e uma parte do programa de emergência social. Além disso, coordenou grande parte do programa eleitoral da Aliança Democrática. Vai desempenhar o papel de “rei das assistências”, como o Observador vaticinou ainda em novembro de 2023.

Há sinais outros que importa reter. Desde logo, a escolha de Paulo Rangel para ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, o que faz dele o número dois deste Executivo. Muitas vezes apontado como o candidato natural ao cargo de comissário europeu – um dos lugares políticos mais apetecíveis e relevantes –, Rangel acabou mesmo por integrar o Governo e, sendo ele uma das figuras mais reconhecidas, ajudará Luís Montenegro a reforçar a sua autoridade e credibilidade junto da sociedade civil.

De resto, assim que começou a pensar o Executivo, Montenegro teve sempre a preocupação de tentar encontrar uma figura com estatuto e peso políticos para ocupar esse papel de número dois – o que justifica, em parte, os insistentes rumores, que foram desmentidos atempadamente, em torno de Paulo Macedo, atual presidente da Caixa Geral de Depósitos e ex-ministro da Saúde. Rangel tem uma enorme experiência europeia – uma área em que Montenegro não é tão forte – e um profundo conhecimento das relações internacionais, indispensável, atendendo ao contexto mundial.

Miguel Pinto Luz, vice-presidente do PSD e agora ministro das Infraestruturas e da Habitação, foi vítima de um processo semelhante – havia muita gente que, através dos jornais, o dava como irremediavelmente afastado do governo e mesmo candidato a líder parlamentar porque precisava de ganhar “lastro”. Tudo somado, saiu deste processo como um super-ministro: terá a pasta das Infraestruturas, para concluir os processos de privatização da TAP (ele que a privatizou, em 2015, como secretário de Estado de Passos) e a localização do novo aeroporto (ele que foi o interlocutor do partido também nesta matéria).

Mas Pinto Luz herda também a pasta da Habitação, que volta a pertencer às Infraestruturas depois de ter sido desagregada no terceiro e último governo de António Costa, na sequência da demissão de Pedro Nuno Santos e da entrada em cena de João Galamba e Marina Gonçalves. Em cima disto, ainda vai ficar com a Mobilidade Urbana que, no anterior executivo, estava no Ambiente.

Uma pasta de grande responsabilidade (os mais cínicos dirão: um presente envenenado), de desgaste rápido e que implicará uma equipa de secretários de Estado técnica e politicamente preparados. Para quem nunca escondeu ter grandes ambições políticas (foi, de resto, candidato à liderança do PSD), é uma espécie de tudo ou nada.

Margarida Balseiro Lopes, igualmente vice-presidente do PSD, é uma das pessoas mais próximas de Luís Montenegro. Preenche todos os critérios: tem experiência de combate político (além de atual dirigente nacional, foi líder da JSD), é de extrema lealdade (não é por acaso que o nome dela só foi revelado aquando a divulgação da lista oficial), é mulher (e essa foi uma preocupação assumida) e jovem (é a ministra mais nova de sempre).

De resto, houve a preocupação de lhe entregar a pasta da Juventude, que ganha força de Ministério, precisamente para dar resposta a um dos segmentos sociais (e eleitorais) que mais têm fugido aos partidos tradicionais. Terá ainda a pasta da Modernização, sendo que falta ainda saber exatamente o alcance das competências de Balseiro Lopes.

A escolha de Manuel Castro Almeida como ministro-Adjunto e da Coesão Territorial teve um propósito assumido: não perder tempo (que não existe) na execução dos fundos europeus – qualquer outro dos candidatos que chegaram a ser ventilados (António Leitão Amaro era tido como hipótese ainda esta manhã) precisaria de um processo de aprendizagem para se inteirar de dossiês muito complexos. Antigo secretário de Estado do governo liderado por Pedro Passos Coelho e antigo presidente entre 2001 e 2012 da Câmara de São João da Madeira conhece muito bem a área e é uma figura em quem a direção social-democrata deposita uma enorme confiança política.

Aliás, é um velho conhecido de Luís Montenegro: em 2000, os dois fizeram parte da equipa que apoiou Luís Marques Mendes nas eleições internas contra Durão Barroso e Pedro Santana Lopes e que, apesar de condenada a perder, contava ainda com figuras como Azevedo Soares, Ferreira do Amaral, Luís Filipe Menezes e um ainda relativamente jovem Pedro Passos Coelho. De resto, essas cumplicidades antigas já causaram um amargo de boca a Castro Almeida, servindo de pretexto a Rui Rio para deixar de confiar no seu então vice‐presidente, acusado de ser a toupeira que municiava com informações Mendes e Montenegro, ao ponto de Castro Almeida ter batido com porta.

As escolhas para os Ministérios da Educação, da Administração Interna, da Saúde e da Justiça seguiram um princípio comum: sendo uma prioridade assumida responder rapidamente aos problemas de cada um destes setores (professores, forças de segurança, profissionais de saúde e descrédito do sistema de Justiça) era importante garantir ministros com conhecimento técnico, mas que não estivessem demasiado envolvidos nas guerras das corporações.

Contas certas e economia, peso e contrapeso

Destaque também para Joaquim Miranda Sarmento (Finanças) e Pedro Reis (Economia). No primeiro caso, e apesar de ser uma escolha óbvia, a hipótese “Miranda Sarmento” parecia ter perdido algum gás, com várias fontes sociais-democratas a apostarem contra o futuro ex-líder parlamentar – além de Paulo Macedo, Óscar Afonso, diretor da FEP e agora deputado do PSD, foi muitas vezes referido como nome mais sólido.

Montenegro não só manteve a aposta nele como o escolheu, a par de Rangel, para ser ministro de Estado. O sinal foi claro: apesar de ter um perfil mais discreto quando comparado com Mário Centeno, e ser menos político do que Fernando Medina, Miranda Sarmento, enquanto ministro das Finanças, continuará a ter a última palavra, mesmo num governo com muitos pesos pesados do partido.

Além disso, os dois – primeiro-ministro e ministro das Finanças – têm uma forte cumplicidade. “Luís Montenegro não esquece quem lhe é leal”, comentava esta segunda-feira com o Observador um influente social-democrata. Apesar de ter chegado à primeira liga como o “Centeno de Rui Rio”, Miranda Sarmento colabora desde o início com Luís Montenegro, tendo sido o coordenador do programa eleitoral com que o presumível futuro primeiro-ministro se candidatou às diretas contra Jorge Moreira da Silva. Depois disso, teve um papel determinante no desenho do programa eleitoral da Aliança Democrática.

Ainda assim, era importante virar o Governo para o desenvolvimento da Economia e para a atração de investimento estrangeiro – uma dimensão que tem de compensar o perfil mais técnico de Miranda Sarmento de maneira a garantir que o equilíbrio entre as “contas certas” e a ambição de crescimento económico, uma absoluta e assumida prioridade da AD. Pedro Reis, ministro da Economia, terá esse papel. Muito próximo de Pedro Passos Coelho, foi uma das primeiras contratações de “luxo” da era Luís Montenegro, quando o então recém-eleito líder do PSD dava mostras de querer destribalizar o partido e ir buscar gente para lá das fileiras do montenegrismo.

Com um percurso longo e muito ligado às empresas e ao capital estrangeiro – foi agraciado com o “Galardão Integração e Acolhimento” atribuído pela Liga dos Chineses em Portugal –, o destaque óbvio vai para o facto de ter sido presidente da AICEP – Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal nos anos da troika, período particularmente exigente para a captação de investimento estrangeiro. Curiosamente, liderou sempre a bolsa de apostas e o protagonismo (considerado excessivo) que foi ganhando nos jornais foi motivo de críticas em surdina no universo social-democrata. Montenegro, que tem pouca ou nenhuma tolerância para fugas de informação, acabou por manter a aposta.

Margarida Blasco, futura ministra da Administração Interna, passou sete anos à frente da Inspecção-Geral da Administração Interna, a “polícia das polícias”. Aliás, pelas mãos dela passaram alguns dos processos mais delicados a envolver a PSP, como os casos das agressões no bairro da Jamaica, Seixal, ou na Esquadra de Alfragide, Amadora. Com um percurso ligado ao combate a episódios de racismo e abusos de poder nas forças de seguranças, vai ter de negociar a revisão da grelha salarial destas carreiras e enfrentar um setor em profunda convulsão, com suspeitas de infiltração de elementos ligados à direita mais radical. Será, em teoria, um contraponto com a agenda de André Ventura.

O reforço da rede internacional

Nota: recuperando uma velha tradição dos primeiro-ministros do PSD, Montenegro escolheu como seu chefe de gabinete Pedro Perestrelo Pinto, um diplomata, que era cônsul em São Francisco desde 2021, passou pela ONU e foi adjunto de Paulo Portas, então ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, e chefe de gabinete de Luís Campos Ferreira, então secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, e amigo pessoal de Luís Montenegro. Os Estados Unidos vão a votos a 5 de novembro e há reais possibilidades de Donald Trump vencer, o que teria um forte impacto nos equilíbrios mundiais.

Paulo Rangel, com José Manuel Fernandes (Agricultura e Pesca), Maria da Graça Carvalho (Ambiente e Energia) e Nuno Melo (Defesa) dão também uma forte componente europeia a este governo. José Manuel Fernandes é chefe de delegação do PSD no Parlamento Europeu e membro do grupo do Partido Popular Europeu, sendo mesmo coordenador na comissão do Orçamento. Maria da Graça Carvalho, soma a experiência governativa (foi ministra da Ciência e Ensino Superior de Durão Barroso) à experiência europeia (foi adjunta de Barroso na Comissão e é atualmente eurodeputada, com um papel importante nas discussões sobre o Ambiente).

E, claro, Nuno Melo, que foi eleito pela primeira vez eurodeputado ainda em 2009. A escolha para a Defesa Nacional – alguns democratas-cristãos desejavam que fosse para a Agricultura – acaba por obedecer ao padrão dos governos PSD/CDS, com a entrega de uma pasta de soberania ao parceiro de coligação. É de esperar que o CDS venha a indicar alguns secretários de Estado para preencher o novo Executivo – tomarão posse três dias depois dos ministros, a 5 de abril.

Uma das ideias mais repetidas por responsáveis sociais-democratas ao longo das últimas semanas passava pelo reconhecimento de que o próximo Governo não gozará de qualquer estado de graça. Quando existe um grande clima de desconfiança em relação ao PSD, que regressa ao poder depois da troika e depois de oito anos de governação socialista, com o PCP e (sobretudo) o PS na oposição, não existe grande esperança num clima de paz social duradouro. A escolha de Rosário Palma Ramalho, especialista em negociação coletiva, para o Ministério Trabalho é autoexplicativa.

Conhecedores dos setores, acima das corporações

As escolhas para os Ministérios da Educação, da Administração Interna, da Saúde e da Justiça seguiram um princípio comum: sendo uma prioridade assumida responder rapidamente aos problemas de cada um destes setores (professores, forças de segurança, profissionais de saúde e descrédito do sistema de Justiça) era importante garantir ministros com conhecimento técnico, mas que não estivessem demasiado envolvidos nas guerras das corporações.

Isso explica, desde logo, a escolha surpreendente de Fernando Alexandre (economista de formação e ex-secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna no tempo de Miguel Macedo) para o lugar de superministro da Educação, Ensino e Inovação. Apesar de conhecer intimamente a realidade do Ensino Superior (é professor universitário há duas décadas) não é um player no setor. Para alguém que tem de começar a negociar o reconhecimento do tempo de carreira de professores que esteve congelado assim que tomar posse, este distanciamento era importante.

Depois, Fernando Alexandre tem uma visão marcadamente ideológica sobre os setores da Educação e do Ensino Superior: entende que o sistema de ensino deve estar mais voltado para as necessidades do mercado de trabalho, é um defensor público dos rankings de escolas como ferramenta de avaliação e competitividade e da revisão do sistema de financiamento do ensino superior, voltando-o mais para a ciência e inovação. Não será por acaso que a marcação cerrada já começou: “Aquilo de que educação menos precisa é de ser gerida por políticas economicistas, de liberalização”, afirmou à Lusa Mário Nogueira, da Federação Nacional dos Professores (Fenprof).

Margarida Blasco, futura ministra da Administração Interna, tem um perfil idêntico. Juíza Conselheira do Supremo Tribunal de Justiça, tem conhecimento do que é o funcionamento de um Ministério (foi chefe de gabinete do secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, José Borges Soeiro, era ministro Laborinho Lúcio), foi diretora do Serviço de Informações e Segurança (SIS), mas, mais importante, passou sete anos à frente da Inspecção-Geral da Administração Interna, a “polícia das polícias”. Aliás, pelas mãos dela, passaram alguns dos processos mais delicados a envolver a PSP, como os casos das agressões no bairro da Jamaica, Seixal, ou na Esquadra de Alfragide, Amadora.

Com um percurso ligado ao combate a episódios de racismo e abusos de poder nas forças de segurança, vai ter de negociar a revisão da grelha salarial destas carreiras (Montenegro prometeu conversar com a PSP e com a GNR assim que tomasse posse) e enfrentar um setor em profunda convulsão e com suspeitas de infiltração de elementos ligados à direita mais radical. Será, em teoria, um contraponto com a agenda de André Ventura.

Na Saúde, o retrato não é muito diferente. Apesar de Ana Paula Martins não ter sido uma completa surpresa – liderou sempre a bolsa de apostas –, não deixa de ser revelador que tenha superado Miguel Guimarães, antigo Bastonário da Ordem dos Médicos, cabeça de lista da AD no Porto e promovido a “líder” dos independentes que apoiavam Montenegro nesta campanha – segundo o jornal Público, Miguel Guimarães terá mesmo ficado desagradado com o facto de ter sido preterido.

Mas Ana Paula Martins, antiga bastonária da Ordem dos Farmacêuticos, goza de duas vantagens: não sendo médica, nem enfermeira, não é parte interessada num setor dividido em guerras entre corporações do mesmo universo e guerras entre corporações e o governo; e é apreciada pelo seu “soft power”, nas palavras elementos da direção do PSD. Além disso, tendo sido presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte (saiu em rutura com o governo de António Costa), tem naturalmente conhecimento sobre a realidade do setor.

Sendo que Ana Paula Martins tem em mãos uma das maiores responsabilidades deste Governo: colocar em prática o plano de emergência para o SNS prometido por Montenegro 60 dias depois de tomar posse, talvez a mais emblemática promessa eleitoral do novo primeiro-ministro.

Uma das ideias mais repetidas por responsáveis sociais-democratas ao longo das últimas semanas passava pelo reconhecimento de que o próximo Governo não gozará de qualquer estado de graça. Quando existe um grande clima de desconfiança em relação ao PSD, que regressa ao poder depois da troika e depois de oito anos de governação socialista, com o PCP e (sobretudo) o PS na oposição, não existe grande esperança num clima de paz social duradouro.

A escolha de Rosário Palma Ramalho, especialista em Direito Laboral, uma defensora da negociação coletiva e investigadora em matérias em regulamentação laboral na era digital, para o Ministério Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social é autoexplicativa – Montenegro vai querer, pelo menos, estender o cachimbo da paz.

Nesta linha de raciocínio, a escolha de Rita Júdice para a Justiça é, dos quatro, a mais improvável – o que indicia que possa não ter sido a primeira escolha. Apesar de ser licenciada em Direito e advogada de profissão, especializou-se em Direito Imobiliário e era coordenadora do Conselho Estratégico Nacional do PSD precisamente para a área da Habitação – tanto que, nos bastidores, era várias vezes referida como possível ministra da Habitação, e raramente para a Justiça.

Tem pela frente uma montanha difícil de escalar: a juntar à guerra pouco discreta entre o poder político e o Ministério Público (associada à queda de dois governos, da República e da Madeira), vai enfrentar um setor muito descrente (em particular os oficiais de justiça) e terá de implementar planos tradicionalmente muito difíceis, polémicos e que exigem muita negociação política: medidas palpáveis contra a corrupção e pela criminalização do enriquecimento ilícito, várias vezes chumbada pelo Tribunal Constitucional.

A opção de Dalila Rodrigues para o Ministério da Cultura tem o significado político que é anterior à própria escolha: havia a dúvida (residual, ainda assim) sobre se Luís Montenegro iria ou não manter a Cultura como pasta ministerial ou despromovê-la a secretaria de Estado – como era no primeiro no governo de Pedro Passos Coelho. Montenegro manteve a Cultura como Ministério e escolheu para ocupar a pasta uma figura que está longe de ser consensual: a até aqui diretora do Mosteiro dos Jerónimos e da Torre de Belém teve um embate público com Isabel Pires de Lima, então ministra da Cultura de José Sócrates, e, mais tarde, foi de novo afastada pela direção do Conselho de Instalação da Casa das Histórias de Paula Rego.

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