Roma foi a primeira paragem, Berlim a segunda, Paris a terceira e Londres a quarta. Em apenas três dias, o Presidente ucraniano visitou quatro capitais europeias e reuniu-se com os líderes italianos, alemães, franceses e britânicos. Num périplo em que repetiu palavras de agradecimento, Volodymyr Zelensky quis aproveitar a ocasião para assinalar a importância que o apoio europeu tem tido para a defesa do país, ainda que tenha sublinhado que a ajuda militar não pode parar, principalmente num momento em que se avizinha a contraofensiva ucraniana.
A contraofensiva esteve, ainda assim, longe de ser o único tema em cima da mesa. Num vídeo gravado num comboio já no regresso a Kiev, e que foi publicado esta segunda-feira, Volodymyr Zelensky elencou as três principais conquistas desta digressão pelas capitais europeias: uma maior unanimidade sobre a adesão da Ucrânia à União Europeia e à NATO, uma discussão alargada da uma fórmula de paz proposta pelos diplomatas ucranianos e o envio de mais equipamentos militares. “Conseguimos armas novas e mais poderosas para a frente de batalha, mais proteção para o nosso povo e mais apoio político.”
Para Volodymyr Zelensky, o desfecho destes encontros foi bastante positivo. Como exemplo, a Alemanha anunciou o envio de um pacote militar na ordem dos 2,7 mil milhões de euros, o maior até agora fornecido por Berlim desde o início da guerra. No entanto, o Presidente ucraniano enfrenta dificuldades em convencer os seus aliados europeus a cederem num dos seus principais pedidos: o envio de caças. Ao longo destes três dias, o Chefe de Estado insistiu na criação de uma chamada “coligação de caças”, mas nenhum líder europeu — nem mesmo o primeiro-ministro britânico, Rushi Sunak, um dos seus maiores aliados — lhe prometeu o envio daqueles equipamentos.
Além disso, este périplo marcou a primeira vez que Volodymyr Zelensky pisou solo italiano e alemão desde o início da guerra. Em Roma, o Chefe de Estado teve mais uma prova de que a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, está ao lado da Ucrânia, deitando por terra os receios de que a líder da direita radical de Itália pudesse diminuir o apoio a Kiev. Já em Berlim, o Presidente ucraniano procurou inaugurar um novo capítulo nas relações com a Alemanha, um dos países que foi mais criticado no Ocidente pela falta de apoio a Kiev.
Apoio diplomático
Meloni continua como aliada
Com honras de Estado, Volodymyr Zelensky foi recebido inicialmente no sábado pelo homólogo italiano. Sergio Mattarella destacou que se deve trabalhar para a “paz” — mas sem nunca esquecer que se deve igualmente restaurar “a Justiça e o direito internacional”, numa referência à violação do território ucraniano que a invasão russa representa. O líder italiano prometeu igualmente que o país continuará a providenciar ajuda nos âmbitos “militares, financeiros, humanitários e de reconstrução” da Ucrânia — a curto e a longo prazo. “Não são apenas a independência e a integridade territorial da Ucrânia que estão em jogo, mas também a liberdade dos povos e a ordem internacional”, vincou o Chefe de Estado italiano.
As posições da presidência são partilhadas por Giorgia Meloni, que reafirmou o seu apoio a Kiev. Destacando que há uma “amizade pessoal” que a liga ao Presidente da Ucrânia, a primeira-ministra italiana disse que quer ver a “vitória da Ucrânia”. “Só se chegará à paz quando a Rússia cessar as hostilidades. Apoiamos a fórmula de paz de dez pontos do Presidente Zelensky”, declarou, rejeitando por completo uma “paz injusta imposta à Ucrânia”. “Qualquer acordo terá de ser apoiado pelo povo ucraniano.”
Para que tal aconteça, Giorgia Meloni prometeu um “apoio firme” — a “360º graus” — de Itália à Ucrânia. “Queremos garantir a integridade territorial, a soberania e a independência de Kiev”, sinalizou a primeira-ministra que se candidatou ao cargo, em outubro, numa coligação que incluía o amigo de longa data de Vladimir Putin, Silvio Berlusconi (que já culpou o Presidente ucraniano pela guerra), e Matteo Salvini, que já pediu o fim das sanções aplicadas à Rússia.
Mesmo tendo consciência dos posicionamentos dos seus aliados e de que parte do seu eleitorado quer o fim da ajuda italiana à Ucrânia, Giorgia Meloni deu este sábado mais uma prova do seu apoio a Kiev. Confrontada com sondagens desfavoráveis e com as posições dos seus aliados políticos, a primeira-ministra italiana garantiu, citada pela Reuters, que o governo de Itália vai manter o apoio à Ucrânia. “Está de acordo com os nossos valores e com o interesse nacional”, vincou, em meados de março.
O Presidente da Ucrânia elogiou precisamente essa “postura consistente” de Itália, que mudou de governo em outubro. “Gostaria de abraçar os italianos um a um pelo apoio que nos tem sido continuamente oferecido a todos os níveis e que não mudou com os governos de Draghi e Meloni”, reforçou Volodymyr Zelensky, que segura, pelo menos para já, uma aliada de Kiev.
Zelensky não quer Papa como mediador
O périplo de Volodymyr Zelensky também teve direito a um encontro com o Papa Francisco no Vaticano. O líder da Igreja Católica já se ofereceu para mediar o conflito, mas o Chefe de Estado ucraniano parece não estar interessado nesses esforços. “Com todo o respeito por Sua Santidade, não precisamos de mediadores, precisamos de uma paz justa”, enfatizou o Presidente da Ucrânia no sábado, acrescentando que não se pode chegar a um acordo com Vladimir Putin: “Nenhum país do mundo pode fazê-lo”.
Apesar desta divergência, Volodymyr Zelensky agradeceu, nas redes sociais, a audiência de 40 minutos que teve com o Papa Francisco, principalmente a atenção que o líder da Igreja Católica presta à “tragédia” que sofrem diariamente milhões de ucranianos. “Também lhe pedi para condenar os crimes na Ucrânia”, referiu o Presidente da Ucrânia, explicando que não pode haver “igualdade entre a vítima e o agressor”.
Em vez da mediação do Vaticano, Volodymyr Zelensky referiu que prefere que o Papa “se junte à implementação” da fórmula de paz ucraniana. Contudo, o Sumo Pontífice não deu o seu apoio explícito, justificando-se escudando-se na “neutralidade positiva” o Vaticano mantém. “Longe de ser uma ‘neutralidade ética’, especialmente diante do sofrimento humano, isto confere à Santa Sé uma posição bem definida na comunidade internacional que lhe permite contribuir melhor para a resolução de conflitos e outras questões”, argumentou o Papa.
O apoio de Scholz
De Itália, Zelensky viagou para a Alemanha. Na conferência de imprensa conjunta que os dois líderes protagonizaram, no domingo, o chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, aproveitou para mandar um recado aos países não alinhados e que mantêm uma abordagem de neutralidade no conflito: Scholz lembrou que não pode haver margem para “padrões duplos” nas posições assumidas em relação à guerra na Ucrânia e que a Alemanha, a União Europeia e os Estados Unidos “têm um papel muito importante” ao divulgar precisamente essa mensagem.
Tendo elogiado por várias vezes a coragem de Volodymyr Zelensky e do povo ucraniano, Olaf Scholz mandou uma farpa à Rússia, referindo que aqueles que “são responsáveis pela guerra devem ser responsabilizados e nenhum país do mundo tem o direito de atacar outro país”. Por tudo isto, o Presidente da Ucrânia deixou rasgados elogios ao chanceler alemão, com quem nem sempre teve uma relação fácil. “A vossa liderança, a tua liderança, Olaf, e a liderança na Alemanha em relação à paz vai fazer com que o mundo seja um lugar mais seguro.”
A ida de Volodymyr Zelensky a Berlim pode significar um novo capítulo nas relações entre os dois países. No início da guerra, Olaf Scholz foi criticado por ser muito a lento a reagir aos acontecimentos. Mas o contexto não o favorecia. É que, embora o chanceler alemão tenha criticado e reprovado a invasão, a Alemanha mantinha, em fevereiro de 2022, uma forma forte dependência da Rússia em termos energéticos. Adicionalmente, o partido do chanceler alemão, o SPD (o Partido Social‑Democrata da Alemanha, de centro-esquerda), mantinha ligações com Moscovo, que foram incentivadas pelo antecessor de Angela Merkel e amigo de Vladimir Putin, Gerhard Schröder.
A questão do envio de armas para território ucraniano também não reuniu consenso em Berlim, principalmente nos dias após o início da guerra. Como lembra o Wall Street Journal, os governantes alemães viam como provável uma vitória das tropas de Vladimir Putin e não acreditavam que a Ucrânia conseguisse enfrentar uma ofensiva russa.
Com a resistência de Kiev, a Alemanha foi anunciando pacotes de ajuda militar e humanitária, mas sempre depois de outros parceiros ocidentais, como os Estados Unidos ou o Reino Unido, darem o primeiro passo nesse sentido. Um desses casos aconteceu com os tanques Leopard-2, ainda em janeiro deste ano. Apesar da pressão dos parceiros ocidentais, Berlim apenas deu luz verde para que os carros de combates fossem enviados para a Ucrânia depois de os Estados Unidos terem anunciado o envio dos tanques Abrams.
Assim sendo, a Alemanha nunca assumiu o leme na ajuda à Ucrânia desde o início da guerra. Porém, esta visita pode ser o primeiro passo para que Olaf Scholz tenha uma abordagem mais proativa, algo que agrada a Kiev.
De acordo com fontes diplomáticas alemãs e ucranianas ouvidas pelo New York Times, a Ucrânia receia que o apoio dos Estados Unidos possa diminuir, especialmente se um candidato do Partido Republicano vencer as eleições de 2024 — e Donald Trump, que anunciou a sua intenção de se candidatar à presidência, tem insistido na ideia de que vai acabar com a guerra em 24 horas, mesmo que isso aconteça à custa de perdas da Ucrânia.
Deste modo, Volodymyr Zelensky tenta persuadir Olaf Scholz, de forma a que, num cenário em que os republicanos cheguem ao poder em 2024, a Alemanha passe a desempenhar um papel de liderança na guerra. É que não só Berlim possui um potente complexo militar-industrial, como também possui uma grande influência entre os Estados-membros da União Europeia.
Armas (menos os caças)
O pacote alemão de ajuda militar na ordem dos 2,7 mil milhões de euros
Nos encontros com o chanceler alemão, Olaf Scholz, e o Presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, Volodymyr Zelensky tinha razões para sorrir. No dia anterior, Berlim anunciara que forneceria a Kiev um pacote militar avaliado em 2,7 mil milhões de euros que incluía, entre outros equipamentos, 20 veículos de combate de infantaria Marder, 30 tanques Leopard 1, 200 drones e quatro sistemas de mísseis Iris-T.
Ao lado de Volodymyr Zelensky, o chanceler alemão garantiu igualmente que o pacote de ajuda oficializado no domingo não ia ser o último. Os “esforços de apoio à Ucrânia” vão continuar “enquanto forem necessários”, reforçou Olaf Scholz, que lembrou as consequências “da terrível guerra” para o povo ucraniano.
Em resposta, Volodymyr Zelensky deixou várias palavras de agradecimento ao chanceler alemão: “Queremos que a guerra acabe este ano, queremos que o agressor perca. E eu agradeço o maior pacote desde o início da guerra, que engloba mais de 2,7 mil milhões de euros. Isto é uma ajuda muito grande.”
A ajuda francesa
Após o jantar entre Emmanuel Macron e Volodymyr Zelensky no domingo à noite, o Palácio do Eliseu emitiu uma nota em que dava conta dos resultados da ida do Presidente ucraniano a Paris. “O apoio militar providenciado pela França desde o início da guerra permitiu à Ucrânia defender-se”, lê-se no documento, que também frisa que o país está a “preparar novas entregas” de armamento, tendo em consideração as necessidades das capacidades militares ucranianas.
“Nas próximas semanas, França vai treinar e equipar vários batalhões com dezenas de veículos blindados e tanques ligeiros, incluindo os AMX-10RC”, informava o Palácio do Eliseu, que também garantiu que se ia “focar em apoiar as capacidades de defesa anti-aérea da Ucrânia de forma a proteger a sua população dos ataques russos”.
O Palácio do Eliseu assinalou ainda que vai continuar a providenciar à Ucrânia “apoio financeiro e humanitário”, ajudando Kiev a descobrir os autores dos crimes de guerra praticados em território ucraniano: “Esta ajuda vai continuar a crescer.”
E os caças? Rishi Sunak não fecha a porta
Em Londres, ao lado do primeiro-ministro britânico Rishi Sunak, considerado um dos seus maiores aliados, Volodymyr Zelensky quis ir mais além. O Presidente da Ucrânia insistiu na “coligação de caças”, para que Kiev receba as aeronaves F-16 o mais cedo possível, mostrando-se confiante de que em breve serão conhecidas “decisões muito importantes”.
Sem embargo, Rishi Sunak não se mostrou tão entusiasmado com essa hipótese. Embora tendo anunciado que o Reino Unido vai treinar pilotos ucranianos e que “caminha a par” com outros aliados na questão dos caças, o primeiro-ministro salientou que não é uma “coisa simples”. “Temos estado a debater como reforçar essa capacidade de combate aéreo. Não é só o envio das aeronaves, é também o treino dos pilotos e toda a logística além disso”, ressalvou, se bem que tenha reforçado que o Reino Unido pode ter um “papel” importante neste processo — não disse foi qual.
Em Berlim, Volodymyr Zelensky admitiu que a visita às capitais europeias tinha como um dos principais objetivos convencer mais países a integrar essa “coligação de caças”. Da parte do chanceler alemão e do Presidente francês, não houve qualquer reação — mas, nos bastidores, não se sabe que promessas pode ter havido.
União Europeia e NATO
Outra das prioridades da política externa ucraniana passa pela adesão à União Europeia e à NATO. E este périplo mostrou que este é um dos assuntos que mais consenso reúne entre os aliados da Ucrânia.
Olaf Scholz frisou que Kiev já faz “parte da família europeia”, realçando que a Alemanha “apoia claramente a Ucrânia” no que diz respeito aos seus esforços para começarem as “negociações” de adesão ao bloco de comunitário. Para mais, Berlim quer “aumentar e expandir a parceria” entre a NATO e a Ucrânia, incentivando os dirigentes ucranianos a implementar reformas para que isso se concretize.
O Palácio do Eliseu, no comunicado divulgado este domingo, foi o mais expressivo a exse respeito. Reiterando a ideia de que o futuro da Ucrânia passa pela adesão à “família europeia”, a presidência francesa ressaltou que “apoia firmemente” os esforços de reforma, assim como o “desejo” de Kiev em cumprir “as condições necessárias” para a adesão à UE “no final de 2024”. “A Ucrânia e França apelam à União Europeia para continuar a apoiar o país em todas as áreas”, lê-se no comunicado.
Sobre a NATO, França apoia a intensificação da cooperação para “ajudar a Ucrânia a continuar o seu caminho rumo à família transatlântica”, remetendo a discussão deste assunto para a cimeira da NATO que se vai realizar na capital lituana, Vilnius, em julho de 2023.